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Diário Liberdade
Terça, 21 Junho 2016 15:30

Juan Rulfo -encanto, desafio e frustração

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Miguel Urbano Rodrigues

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Reli pela sexta (ou sétima?) vez Pedro Páramo. Agora numa tradução portuguesa.*


Travo com a novela e o autor um combate antigo. Principiou há mais de quatro décadas no Peru quando Darcy Ribeiro me ofereceu uma edição argentina. Disse-me que era um livro maravilhoso e o autor um génio.

Li muito vagarosamente. Esbarrei desde as primeiras páginas com uma escrita densa, muito bela, diferente de tudo o que conhecia. Registei a qualidade da novela. Mas senti uma enorme dificuldade em acompanhar o filho de Pedro Páramo na sua viagem a Comala.

Procurei opiniões sobre a obra e o autor.

Carlos Fuentes, Garcia Marquez, Jorge Luis Borges colocaram Pedro Páramo entre as obras-primas da literatura do seculo XX. Garcia Marquez afirmou que desde a Metamorfose de Kafka livro algum o tinha marcado tanto como aquele; abriu-lhe portas para Cien Años de Soledad. Para Borges é uma das melhores novelas da literatura mundial. Para a americana Susan Sontag foi um dos livros que mais influenciou o rumo da literatura na segunda metade do seculo.

Em revisita ao México, no ínicio deste seculo, reli Pedro Páramo em Jalisco, berço do escritor. E novamente não atravessei a fronteira que me separa de Rulfo e da aldeia fantasmática de Comala.

Acompanho Kafka sem problemas, mergulho com alguma dificuldade no Ulisses de Joyce, mas Pedro Páramo fecha-me o caminho.

UM ESCRITOR DE TRES LIVROS

Juan Rulfo (1917/1986) escreveu apenas três livros, duas novelas, Pedro Páramo e El Gallo de Oro, e uma antologia de contos, El LLano en LLamas.

Convidado a explicar o porquê de obra tao curta, apesar do êxito mundial do primeiro livro, respondeu que temia repetir-se.

Recordei que críticos prestigiados sustentam que os grandes romancistas escreveram sempre o mesmo livro.

Rulfo nasceu em Sayula, nas margens de um lago mágico, em Jalisco. Teve uma infância angustiante. Aos 11 anos era órfão de pai e mãe, ambos assassinados, assim como os irmaos. Foi educado num orfanato. Começou a escrever para uma revista quando tinha 17 anos.

Pedro Páramo foi escrito em cinco meses aos 38 anos. O êxito foi imediato e internacional. Nos Estados Unidos teve 23 edições e vendeu 1 143 000 exemplares.

Rulfo, para surpresa dos seus admiradores, renunciou a publicar mais livros. Preferiu dedicar-se à fotografia e escreveu guiões para filmes. El Gallo de Oro, escrito em 1956, somente apareceu publicado em l980. Foi tema de quatro filmes, um dos quais da iniciativa de Garcia Marquez e Carlos Fuentes.

Rulfo recebeu dezenas de prémios literários, entre eles o Nacional de Literatura do México e o Príncipe das Astúrias de Espanha.

Gostava muito de viajar e percorreu grande parte do mundo, intervindo em Congressos e outras reuniões internacionais, sobretudo de jovens.

UM LIVRO LABIRINTICO

Movimento-me mal no labirinto de Pedro Páramo.

Rulfo foi o criador daquilo a que mais tarde chamaram o realismo mágico, viragem literária cultivada por Garcia Marquez, José Maria Arguidas, Manuel Scorza e outros latino americanos.

Não consigo acompanhar-lhe o projeto, o pensamento, a mensagem.

A novela que o imortalizou principia com a evocação por Juan Preciado da ida a Comala em busca do pai, Pedro Páramo, cumprindo promessa à mãe moribunda.

Logo me perco, desorientado, quando o jovem entra na aldeia.

Sucedem-se ali estranhíssimos diálogos com diferentes personagens e com a mãe, Dolores.

As versões narrativas de Comala, da Meia-lua, das montanhas envolventes são contraditórias, incompatíveis, roçam o absurdo.

Juan, quase logo, percebe que se move entre mortos e que o presente entra ali pelo passado e o passado pelo presente.

Na aldeia espectral, o protagonismo é transferido para Pedro Páramo, morto há anos, o pai, latifundiário cruel, omnipotente, que ama, discursa e odeia como se vivo fosse.

São muitas as estórias intercaladas que atravessam a novela, estórias em que a primeira e a terceira pessoa alternam inesperadamente, desorientando o leitor. Perturbado, voltei sempre atrás a cada página, num esforço dorido para compreender, avançando e recuando, com as vozes dos mortos a ecoar nos meus ouvidos.

À sexta (ou sétima?) leitura apenas uma certeza. Sei que nunca atravessarei a fronteira que me separa de Juan Rulfo, de Pedro Páramo, da aldeia mítica de Comala e dos mortos que a povoam.

*Juan Rulfo, Pedro Páramo, Editora Cavalo de Ferro, 115 páginas, Lisboa 2004.

Serpa,maio de 2016

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