Também na Galiza, onde abundam raciocínios tipo “em plena globalizaçom, nom toca levantar novas fronteiras, até porque os estados estám a perder sentido frente às grandes corporaçons”.
O certo é que a dialética entre livre mercado e protecionismo é velha e continua aí, como vemos na atualidade, com o ressurgimento de tendências antiglobalistas em importantes setores capitalistas. Claro que ainda é mais velho –e também continua aí– o papel imprescindível do Estado na constituiçom e desenvolvimento histórico do capitalismo. Isso é assi tanto nas suas origens, como no seu desenvolvimento, sem que os apelos antiestatalistas dos liberais tenham passado da retórica, exceto para debilitar as naçons com economias subdesenvolvidas, garantindo que mantenhem as suas posiçons dependentes.
Porém, desde que ficou evidente a vocaçom mundial do capital, nom faltou quem enxergasse um futuro sem naçons. Foi o caso das previsons de Karl Kautsky, líder da II Internacional, sobre um ‘ultraimperialismo’ resultado do total desdobramento da etapa imperialista, que unificaria todos os estados num só. Teses contestadas pola teoria do imperialismo de Lenine, que hoje conta com o aval de mais de um século de vigência, desde que foi desenvolvida em 1916.
Retrocedendo até os tempos da I Internacional, encontramos já o debate sobre nacionalismo e colonialismo, em que Karl Marx tivo, como se sabe, um papel relevante, em polémica com alguns setores cosmopolitas do movimento operário da altura. Comecemos por lembrar que nom existe umha formulaçom sistemática da questom nacional em Marx e, portanto, nom serei eu quem tente levá-lo mais longe de onde a sua obra permite.
Pode, contodo, apontar-se para umha evoluçom na orientaçom que Marx e Engels dam à questom nacional, sempre como parte da “emancipaçom política” e, portanto do programa das revoluçons burguesas. Como o resto de direitos “prometidos” por aquelas, também os direitos nacionais ficárom esvaziados de conteúdo com a definitiva instalaçom da burguesia no poder. Corresponderá, entom, na previsom de Marx, à revoluçom socialista torná-los realidade.
As revoluçons fracassadas de 1848 na Europa, primeiras em que o proletariado tomou a direçom política, marcam o pensamento de ambos teóricos do socialismo. Por umha parte, já antes figérom referências explícitas ao apoio que os comunistas deviam dar, por exemplo, aos independentistas polacos, inclusive no Manifesto Comunista (1848): “Na Polónia, os comunistas apoiam o partido que vê numha revoluçom agrária a condiçom da libertaçom nacional, isto é, o partido que desencadeou a insurreiçom de Cracóvia em 1846”.
Na mesma obra, a célebre referência a que “os operários nom tenhem pátria” permite, desde que leiamos o parágrafo completo, comprovar que, para Marx, “o proletariado tem por objetivo conquistar o poder político e erigir-se em classe dirigente da naçom, tornar-se ele mesmo a naçom; ele é, nessa medida, nacional, embora de nengum modo no sentido burguês da palavra”. Trata-se de um apelo à disputa da hegemonia de classe, em maos da burguesia, para que seja conquistada polo proletariado, constituindo-se assi em nova classe hegemónica da naçom.
Por outra parte, o desfecho reacionário das revoluçons de 1848 leva Marx e Engels a condenar o papel de algumhas nacionalidades eslavas, alinhadas com os exércitos dos impérios russo e austríaco, o que as tornava candidatas a integrarem um campo paneslavista de carácter reacionário, fomentado polo Czar.
No caso do seu país, a Alemanha é analisada como atrasada nas tarefas do desenvolvimento capitalista, o que se plasma na falta de unificaçom, até a década de 70 do século XIX. Mostram-se favoráveis à modernizaçom e preocupados com o papel dirigente de dous setores reacionários da sociedade germánica, a nobreza rural e os militares, no processo de criaçom do Estado naçom alemám. Preocupaçom razoável, vista a evoluçom posterior...
A Irlanda é, junto ao já referido caso da Polónia, representativa da evoluçom positiva das posiçons de Marx na questom nacional, apoiando os direitos da naçom pequena contra a grande. Se nos anos 40 mantinha posiçons federalistas, julgando que a liberdade da Irlanda dependia da revoluçom inglesa, na década seguinte passa a considerar que será a conquista da independência pola Irlanda que permita o proletariado inglês avançar na sua própria emancipaçom. O fim das esperanças no cartismo inglês parece ter influído nessa evoluçom de Karl Marx, junto à resistência heroica do povo irlandês, que ele mesmo definirá, numha carta de 1870, como “o ardor revolucionário do operário celta”.
Sobre a evoluçom posterior, o relato incluído polo recentemente falecido Domenico Losurdo na sua obra A luita de classes, umha história política, citando o socialista francês Charles Longuet, coetáneo de Marx, é ilustrativo: “A insurreiçom polaca de 1863, as revoltas irlandesas dos fenianos de 1869, da Liga agrária e dos Home Rulers de 1874 – todas essas insurreiçons das nacionalidades oprimidas fôrom acompanhadas pola bancada da fortaleza da Internacional [referência ao lar de Karl Marx] com um interesse que nom foi menor do que aquele que acompanhou a maré ascendente do movimento socialista dos dous hemisférios”.
Um relato confirmado pola carta, essa si diretamente documentada, que Marx escreve a Engels, em 1867, logo após a execuçom de três militantes revolucionários irlandeses enforcados sob a acusaçom de organizar a libertaçom, à mao armada, de dous dirigentes independentistas, ocasionando a morte de um polícia inglês: “Desde a execuçom de Manchester, Jenny está de luto e usa a sua cruz polaca sobre um tufo verde” (a uniom dos símbolos nacionais polaco e irlandês).
A resposta de Engels é igualmente inequívoca, segundo nos lembra Losurdo: “Nom preciso de dizer que também na minha casa preto e verde dominam” [em referência às cores do luto e da nacionalidade irlandesa].
As mençons favoráveis à luita irlandesa prolongam-se o resto da sua vida. Em 1870, numha das suas cartas sobre a temática irlandesa, afirma que “na Irlanda, a questom da terra foi até agora a forma exclusiva que a questom social assumiu, porque é umha questom de vida ou de morte para a maioria do povo Irlandês, porque ao mesmo tempo é inseparável da questom nacional”.
Já no caso da Índia, a avaliaçom de Marx passou de umha certa justificaçom do imperialismo británico sobre a atrasada naçom asiática, na medida que iria servir para desenvolver as suas forças produtivas, para umha progressiva retificaçom de qualquer cumplicidade com o colonialismo, chegando à condena explícita da barbárie colonial.
Vemos inclusive antes do Manifesto, em 1847, como n’A Miséria da Filosofia realiza umha crítica contundente à extorsom colonial que sofre a Índia, onde milhons de operários “tivérom que perecer para proporcionar ao milhom e meio de operários ocupados na Inglaterra na mesma indústria três anos de prosperidade sobre dez”. Reconhece assi à classe trabalhadora indiana entidade própria frente à inglesa e apela à sua libertaçom do “jugo da dominaçom inglesa”.
Em 1853, no artigo “Resultados futuros do domínio británico na Índia”, publicado no New York Daily Tribune, fai um duro e direto alegato anticolonialista: “a profunda hipocrisia, a barbárie intrínseca da civilizaçom burguesa estám diante de nós sem véus, nom apenas nas grandes metrópoles, onde elas assumem formas respeitáveis, mas voltemos os olhos às colónias, onde perambulam nuas”.
Os textos sobre a América Latina mostram sobretodo umha atitude semelhante à que mantivo inicialmente em relaçom à Índia, o que também acontece com as suas consideraçons sobre a política colonial británica contra a China, com motivo das chamadas ‘Guerras do Ópio’. A desagregaçom da estrutura económica tradicional chinesa é primeiro compreendida e depois condenada por Marx, que manifesta a esperança em que a intervençom colonialista provoque por sua vez um efeito de volta na própria Inglaterra.
Poderíamos acrescentar avaliaçons de distinto tipo sobre conflitos nacionais concretos, que aspiram sempre a umha caracterizaçom de base materialista, ligada aos interesses do avanço social em cada contexto. Com maior ou menor fortuna, som as luitas de classes que se desenvolvem em cada etapa que determinam o seu alinhamento em favor de povos e naçons europeias ora olhadas com simpatia (Alemanha, Hungria, Itália…), ora criticadas sob acusaçom de serem instrumentalizadas polas potências reacionárias da época (especialmente os povos eslavos). Algo semelhante, com as suas particulariades e às vezes com menor conhecimento de causa, é aplicável aos domínios coloniais no resto do mundo.
Nada de niilismo nacional, portanto, nem adesom acrítica às posiçons cosmopolitas ou colonialistas. Como a de Marx nom é “palavra de Deus”, poderemos concordar ou discordar das suas avaliaçons concretas em tal ou qual contexto e país, mas os direitos nacionais, fazendo parte do que ele chama “emancipaçom política”, constituem, nas suas próprias palavras, “um grande progresso” e ajudam a perfilar “a forma definitiva da emancipaçom humana dentro da ordem mundial vigente até aqui”.
Isto é, a burguesa, em que todas e todos nós ainda estamos inseridos.