A Liga sempre avançou política de direita e racista. Exigiu a exposição do crucifixo nos locais públicos, atacou violentamente os ciganos, em boa parte de nacionalidade italiana. Para chegar ao governo, aliou-se ao Movimento Cinco Estrelas, do artista burlesco Peppe Grillo, ex-comunista, que surgiu com a proposta de dar a palavra ao cidadão, por além das ideologias, apesar de manter caráter verticalista, no que se refere à organização, e confusionismo, quanto à ideologia e propostas.
Matteo Salvini, ministro do Interior e vice primeiro ministro da Liga, na juventude líder comunista na Padânia, despontou como a grande estrela do governo. Interrompeu o uso da Itália como porto de desembarque de incessante migração clandestina chegada da África. Deslocamento de massa denunciado como destinado a introduzir na Europa milhões de desesperados, dispostos a trabalhar por pouco mais de um prato de comida. A intervenção do imperialismo europeu no Iraque, na Síria e na Líbia teria como um dos seus objetivos lançar através do Mediterrâneo essas multidões de trabalhadores. A Alemanha, que acolheu o maior número de imigrantes, é o país onde o forte impulso industrial exercia enorme pressão pela valorização da força de trabalho.
Sobretudo na agricultura do sul da Itália, migrantes trabalham por pouco mais de um euro à hora, enquanto deviam receber oito. A imigração de massa lança centenas de milhares de trabalhadores europeus no desemprego e no sub-emprego. Os novos chegados enfraquecem os sindicatos europeus já fragilizados e não participam da vida política. Cria literal classe de modernos trabalhadores escravizados. O confronto de Matteo Salvini com os governos alemão e francês, quanto à política de imigração de massa, levou seu prestígio às núvens.
Em boa parte descontente com o protagonismo da Liga, o componente menor da aliança governamental, o Movimento 5 Estrelas apresentou sua grande iniciativa: o Decreto Dignidade. Di Maio, ministro do trabalho, propôs revisão substancial das leis anteriores que, tendo como ponta de lança o “contrato de trabalho a tempo delimitado”,“flexibilizaram” as contratações, motivando enorme precarização e redução de salários. Como ocorre hoje no Brasil. O decreto propõe penalidades duras à “demissão sem justa causa”, elevando a multa dos patrões de 2-18 para 4-27 meses do salário bruto do demitido. Demitir para pagar menos passa a ser um péssimo negócio. Para o horror dos empresários, propõe-se penalizar toda a empresa italiana que “exporte” suas plantas industriais. Serão obrigadas a devolver tudo que receberam do governo.
O “Decreto Dignidade” despertou enorme apoio ao novo governo, com deslocamento maciço de apoiadores do Partido Democrático (ex-Partido Comunista Italiano) que, no governo, promovera incessantes “reformas” da Previdência e das Leis Trabalhistas, com resultados desastrosos para a população. Nas últimas décadas, devido a essas políticas, a Itália perdeu 25% do PIB. Na oposição, o PD se dilacera, com sua alma de esquerda, propondo apoio ainda que tímido ao Decreto, e os fiéis duros do social-liberalismo, propondo oposição à iniciativa, ao lado da direita tradicional do partido de Berlusconi, também em salto livre sem paraquedas.
Agora, empresários sobretudo do Vêneto, uma das bases sociais e eleitorais da Liga, denunciam o Decreto Dignidade, avançado pelo 5 Estrelas, como nocivo aos seus negócios. Voltar atrás seria autocídio para o novo governo que conta hoje com um apoio de mais de sessenta por cento da população, algo jamais conhecido na Itália. A política italiana, de pernas para o ar, permite que se volte a discutir, por caminhos tortos, o que realmente interessa.
* Com a colaboração do arquiteto Gregório Carboni Maestri.