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“Quis criar a liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobras, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobras foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre. Não querem que o povo seja independente” (Carta-Testamento do Presidente Getúlio Vargas).
Importância estratégica e um pouco de história
A Eletrobras é uma empresa estratégica para o Brasil. Ela é fundamental para o domínio e a formação técnico-científica nacional e para a tomada de decisões soberanas sobre o desenvolvimento. Igualmente decisiva para o controle e o uso nacional dos nossos excedentes econômicos.
De acordo com os dados disponibilizados pelo relatório de sustentabilidade da estatal de 2014, a Eletrobras é, em nossos dias, “a maior companhia de capital aberto do setor de energia elétrica da América Latina” (1).
Atuando na geração, na distribuição, na transmissão e na comercialização por meio de 16 empresas, a Eletrobras possui uma participação, majoritária, de 33% da capacidade de geração de energia elétrica do país. Responde por 48% do total de transmissão de energia e, na distribuição, “cobre uma área correspondente a 31% do território brasileiro”.
A história da formação desse gigante nacional envolveu muitos atores sociais e políticos, individuais e coletivos, civis e militares, bem como diferentes lutas do povo brasileiro a favor da emancipação econômica em relação aos espoliativos grupos estrangeiros.
Sem a pretensão de me estender a respeito, cumpre lembrar que o projeto original de criação, apresentado pelo presidente Getúlio Vargas, em 1954, sofreu grande oposição do governo dos EUA e das companhias internacionais que atuavam no setor elétrico do país. Hostilidades igualmente oriundas dos políticos que atuavam como testas de ferro de interesses alienígenas.
A Eletrobras somente teve condições de ser aprovada, no Congresso Nacional, em 1961. Para isso, contou com a dilatação das ideias nacionalistas na opinião pública e com o crescente prestígio das forças políticas e dos movimentos populares e anti-imperialistas, como a Frente Parlamentar Nacionalista.
A estatização da empresa de energia elétrica do Rio Grande do Sul, sob o controle da estadunidense Bond and Share, pelo governador Leonel Brizola, em 1959, como também as veementes e seguidas denúncias feitas no Rio de Janeiro – por trabalhistas, comunistas, nacionalistas de todos os quadrantes – contra a então canadense Light, foram algumas ações que propiciaram ambiente favorável à criação da Eletrobras.
Ademais, tendo na vice-presidência da Câmara dos Deputados um destacado líder trabalhista e nacionalista, o deputado carioca Sergio Magalhães, o projeto de lei que se encontrava encostado na casa legislativa foi alçado ao primeiro plano dos debates e aprovado. O presidente da República Jânio Quadros referendou a lei e o seu sucessor, João Goulart, instalou a empresa no ano seguinte (1962).
Hoje, essa importante empresa para os interesses nacionais corre o sério risco de ser privatizada. Um processo que já se insinuava no governo Dilma Rousseff (PT), mas que sofre ameaças mais intensificadas com o ilegítimo governo Michel Temer (PMDB).
O entreguismo do governo Temer, o risco da privatização e a greve dos funcionários
Na avaliação da diretoria da Associação dos Empregados da Eletrobras (AEEL), a gestão do recém afastado ex-presidente José Costa Carvalho, durante cinco anos de mandato, submeteu a empresa a um processo temerário de “liquidação”, sob o influxo de ingerências políticas, que endividaram a Eletrobras. Gestão também caracterizada pela falta de diálogo com os seus trabalhadores. Tratou-se de uma potencial “etapa de privatização” da estatal (2).
A apreciação sobre o governo Temer não deixa por menos, colocando os funcionários em posição de alerta. Formando a diretoria da Eletrobras com quadros técnicos provenientes das empresas privatizadas no setor elétrico, como o atual presidente Wilson Ferreira Jr., Temer pretende acelerar a transferência de ativos, principalmente das distribuidoras de energia.
Nesse sentido, a Companhia Celg de Participações (CELG), atuante em Goiás – que conta com importante participação acionária da Eletrobras –, está com edital pronto para privatização.
Mobilizados, os trabalhadores da Eletrobras, durante esse mês, deflagraram diferentes protestos, marcados por reivindicações de reajuste salarial e por denúncias contra o “entreguismo” do governo Michel Temer, que visa “à privatização da empresa”, à “entrega da estatal ao capital estrangeiro” (3).
Refletindo um comportamento altamente arbitrário da parte da diretoria do sistema Eletrobras, dirigentes sindicais das entidades representativas dos funcionários chegaram a ser presos em uma das manifestações às portas da empresa, no centro do Rio de Janeiro, ainda no início do mês (4).
Por conta do tenebroso cenário em destaque, os funcionários da Eletrobras decidiram entrar em greve por tempo indeterminado, a partir de 18/07. Agem de maneira oportuna, já que a greve pode permitir maior visibilidade pública a respeito das intenções privatistas do governo.
O programa chamado “Ponte para o futuro”, anunciado meses atrás pelos agentes reacionários e golpistas do PMDB, não dá margem à dúvida. A privatização é um dos carros-chefe do governo ilegitimamente formado.
O programa já está em execução e a sua percepção sobre o “desenvolvimento” descortina um furor privatista no horizonte, conforme se vê na passagem que segue abaixo:
“Um novo ciclo de crescimento deverá apoiar-se no investimento privado (...). Como mostrou o relatório do Fórum Econômico Mundial, nosso ambiente de negócios não é favorável e vem deteriorando-se com o tempo (...). Temos que viabilizar a participação mais efetiva e predominante do setor privado na construção e operação de infraestrutura, em modelos de negócio que respeitem a lógica das decisões econômicas privadas (...). Executar uma política de desenvolvimento centrada na iniciativa privada, por meio de transferências de ativos que se fizerem necessárias, concessões amplas em todas as áreas de logística e infraestrutura” (5).
As ideias preconizadas pelo referido programa e pelos agrupamentos golpistas no governo traduzem, perfeitamente, uma visão sintonizada com o que Darcy Ribeiro classificava como “atualização histórica”. Isto é, uma concepção submissa de país, convertendo-o em objeto de interesses e exigências do centro dinâmico do capitalismo mundial.
O contemporâneo e predatório perfil de acumulação do capital requer a extensa mercantilização de bens e direitos, que se encontram ainda hoje com algum grau de proteção. Com efeito, as nossas garantias constitucionais para o bem-estar social e a cidadania, assim como as estatais, situam-se no olho do furacão privatista.
Trata-se da adoção de medidas de típico caráter neocolonial, que visam reforçar a posição subalterna do Brasil como “nação proletária”. Ou seja, a rapinagem despudorada das nossas riquezas naturais e energéticas, pelo grande capital internacional. Entregar o Brasil, privatizar o seu patrimônio, é o projeto do golpismo a serviço de forças estrangeiras.
Os velhos setores reacionários e entreguistas, hoje agrupados no governo do golpista Michel Temer, persistem com seus propósitos antinacionais, contrários à independência do povo brasileiro.
Roberto Bitencourt da Silva – historiador e cientista político.
Consultar:
(1) http://www.eletrobras.com/elb/data/Pages/LUMIS79AE3C27PTBRIE.htm#2014
(2) http://www.aeel.org.br/data/files/informe_061_16_iluminando_sombras.pdf
(3) http://g1.globo.com/ro/rondonia/noticia/2016/07/servidores-da-eletrobras-ro-fazem-paralisacao-contra-privatizacao.html ; http://gazetaweb.globo.com/portal/noticia.php?c=14037
(4) http://www.aeel.org.br/data/files/informe_075_16_repressao_abuso.pdf
(5) http://pmdb.org.br/wp-content/uploads/2015/10/RELEASE-TEMER_A4-28.10.15-Online.pdf