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Diário Liberdade
Segunda, 18 Julho 2016 06:01 Última modificação em Quarta, 20 Julho 2016 18:40

A oligarquia financeira, os oligopólios e o agronegócio tomaram a chave do cofre. Começa uma nova etapa da luta de classes no Brasil Destaque

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Edmilson Costa

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[Edmilson Costa*] A crise econômica,  social e política brasileira mudou de patamar com impeachment da presidente Dilma Rousself  e  a usurpação do poder por uma gang de oligarcas corruptos, cujos principais  personagens dominam o Parlamento brasileiro, vários escalões da administração e representam o que há de mais reacionário e obscurantista na sociedade brasileira.


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Ao lado dessa gang, está uma quadrilha sofisticada de ladrões de casaca, que tomaram de assalto todos os ministérios da área econômica e social para impor aos trabalhadores uma violenta  regressão social e a entrega do patrimônio público e das riquezas nacionais para os monopólios nacionais e internacionais. Essa conjuntura representa,  ao mesmo tempo, o desfecho de uma crise política que vinha se arrastando desde as eleições presidenciais, além do fim de um longo ciclo de lutas sociais no País iniciado com as greves do final da década de 70 e início dos anos 80, quando emergiram na cena política o Partido dos Trabalhadores (PT) e a Central Única dos trabalhadores (CUT),[1] além de outras organizações do movimento social.

A crise brasileira também não está dissociada da crise mais geral do capitalismo e dos métodos que o grande capital internacional, especialmente a oligarquia financeira, vem executado em várias partes do mundo para colocar na conta dos trabalhadores todo ônus da crise, visando recuperar suas taxas de lucro. Desesperado diante da crise sistêmica que o castiga por cerca de 10 anos, o capital vem realizando uma ofensiva mundial contra  os fundos públicos, salários, direitos e garantias dos trabalhadores e , para atingir seus objetivos,  não hesita em restringir as liberdades democráticas, ampliar a repressão e, discretamente, incentivar grupos fascistas como uma espécie de Plano B caso a situação fuja de seu controle.  Se antes medidas dessa ordem ocorriam apenas nos países da periferia, agora o capital vem tirando a máscara  e executando essa estratégia em vários países da Europa, onde tem colocado no poder governos fantoches ou representantes diretos do capital. Mas cada dia amplia-se a contradição entre os interesses da oligarquia financeira, que representa menos de 1% da população, e o conjunto dos trabalhadores e da população em geral, fato que prenuncia um acirramento da luta de classes de caráter global.

Aqui no Brasil a situação não é diferente. Desde 2003 os governos petistas conseguiram desenvolver uma política que, voltada fundamentalmente para satisfazer os interesses gerais do grande capital, também realizou algumas políticas de compensação social, como o Bolsa Família, o aumento do salário mínimo e medidas que incentivaram o ingresso da juventude nas universidades públicas através do programa de cotas e financiamento estudantil para jovens estudantes das universidades privadas, cujos recursos transformaram o setor num conglomerado de oligopólios educacionais. No entanto, a própria crise mundial, aliada à desaceleração do crescimento da China, com a consequente queda no preço mundial das commodities, além de um conjunto de medidas desastrosas de política econômica interna, produziram um impacto devastador na economia brasileira. O Produto Interno Bruto (PIB) médio dos últimos cinco anos foi reduzido aos menores níveis dos últimos 50 anos e o desemprego cresceu de maneira avassaladora, atingindo atualmente cerca de 12 milhões de trabalhadores.

É necessário ressaltar ainda que  em 2013 ocorreram as extraordinárias jornadas de luta, nas quais a juventude, os trabalhadores precarizados e setores da baixa camada média urbana emergiram em grandes manifestações, reunindo milhões de pessoas em mais de 600 cidades do País, reivindicando educação, saúde, transporte e infraestrutura de qualidade.[2] Essa confluência de fenômenos (crise econômica, social, política e manifestações de massa) acendeu a luz vermelha para a grande burguesia: o PT já não estava mais conseguindo administrar o capital e, o que é mais grave para  a burguesia, não tinha mais condições de cumprir o papel de controlador e apassivador das lutas sociais que vinha desempenhando nos últimos 13 anos de governo. Portanto, era chegada a hora de um governo puro sangue do grande capital,  que executasse de maneira rápida e profunda  os ajustes regressivos contra os trabalhadores, realizasse o processo de privatização do que ainda resta de empresas públicas  e entregasse o pré-sal para as corporações transnacionais.

Desenvolveu-se assim no Brasil uma crise completa -  econômica, social, política e ética,  própria do fim de um longo ciclo. Esse quadro foi a base material e política que uniu todos os setores da burguesia brasileira – indústria, finanças, comércio, serviços em geral e agronegócio -, em aliança com a mídia corporativa e amplas áreas do judiciário, para descartar o Partido dos Trabalhadores  e  instalar um governo direto da burguesia, disposto a realizar os ajustes predatórios de maneira mais veloz  do que o PT vinha implementando de maneira mais lenta. A gravidade da crise não deixava às classes dominantes espaço para qualquer vacilação em relação à urgência da implantação dessas medidas. À luz do dia, a burguesia manobrou as instituições da maneira mais inescrupulosa possível, articulou a mídia para criar um clima favorável ao impeachment, mobilizou seus agentes no judiciário e na Polícia Federal para  dar ares de legalidade ao impeachment e finalmente colocou em movimento o Parlamento, dócil e subserviente instrumento das classes dominantes, para consumar o rearranjo institucional burlesco. Estava assim consumada a farsa, com aparência de legalidade, mas na verdade instalou-se um governo ilegítimo e usurpador. Primeiro, porque todo o processo envolveu uma manipulação vergonhosa; segundo porque o presidente interino não teve um voto sequer para ter legitimidade; e terceiro porque, como se comprovou posteriormente, formou-se um governo em que a maior parte de seus integrantes está  envolvida até a medula em processos de corrupção e que realizaram o impeachment para salvar a própria pele em função das investigações em curso da Operação Lava a Jato.[3]

Quem são os personagens da trama?

A crise brasileira é tão profunda que produz impactos até mesmo no perfil dos representantes da burguesia no governo. As classes dominantes já tiveram quadros mais qualificados tanto no Parlamento quanto no Executivo, mas desde a eleição de Fernando Collor, no início da década de 90,  que vem encontrando dificuldades para extrair de seus próprios funcionários um personagem à altura para representar seus interesses. No entanto, os personagens desse governo e seus representantes no Parlamento são tão desqualificados que mais se assemelham a uma gang mafiosa do que efetivamente a políticos com respeitabilidade social e política. Bom, mas a burguesia não tem muito escrúpulo nessa questão da representação: a burguesia é prática e objetiva, o que almeja de fato é a defesa de seus interesses. Nesse particular, apesar da imagem escandalosamente negativa dos parlamentares, estes senhores têm votado subservientemente todas as medidas de interesses da burguesia.

O governo foi tomado de assalto por duas quadrilhas: os ladrões de casaca, representantes da oligarquia parasitária das finanças, que ocuparam os ministérios da área econômica e social e vem buscando implantar o ajuste predatório e a entrega do patrimônio público à iniciativa privada. Esses senhores tentam passar à sociedade uma aura de respeitabilidade, mas na verdade são os principais responsáveis pela sangria dos recursos dos fundos públicos e sua transferência para o capital privado, em função do pagamento dos juros da dívida interna. Em paralelo, operam os ladrões de galinha, representados no Parlamento e em vários postos da administração pública, cuja prática é  auferir recursos através da corrupção, das negociatas e do fisiologismo, tanto para manter o poder das oligarquias nas várias regiões do País quanto para seu enriquecimento pessoal. No Parlamento, têm a significativa denominação de baixo clero, em virtude de suas limitadas capacidades intelectuais e protagonismo político nas questões gerais do País, mas em compensação são vorazes em termo de esperteza quando se trata de roubar os recursos públicos através da corrupção.[4] Vejamos os seus principais representantes:

O impeachment, por exemplo, foi comandado por Eduardo Cunha, um político delinquente, que merecia estar muito mais numa cadeia do que na presidência da Câmara dos Deputados. Recentemente, o Supremo Tribunal Federal o afastou dessa função e o Conselho de Ética já encaminhou sua cassação para o plenário da Câmara Federal. Os 357 deputados que votaram pelo impedimento da presidente (um terço deles com processos na justiça)  proporcionaram um espetáculo tão bizarro que custa a acreditar que aquela trupe de boçais seja realmente representante  da população brasileira no Congresso Nacional. As pessoas costumam argumentar que este Parlamento representa o povo brasileiro porque foi eleito pela própria população. Essa é apenas a aparência da questão: como as eleições no Brasil são dominadas pelo financiamento privado, um parlamentar só pode se eleger se fizer coligação com o governo e/ou receber dinheiro das empresas, nos dois casos perdendo inteiramente sua independência política. Portanto, esse Parlamento não representa o povo: é a cara das classes dominantes brasileiras, que o financiaram e o elegeram. A ironia é que alguns daqueles parlamentares que dedicaram seus votos aos pais, mães, filho e maridos  poucos dias depois tiveram parentes presos pela Polícia Federal por corrupção em setores da administração pública. No Senado, apesar do espetáculo do impeachment não ter sido tão deprimente como na Câmara, mais de duas dezenas de senadores também são investigados pela Justiça.

Mas se o enredo e consumação do impeachment foram eivados de manipulações, trapaças e acordos espúrios, a formação do novo governo não ficou nada a dever ao espetáculo da Câmara e do Senado. Esse é um governo que abriga os principais acusados de corrupção da política brasileira, a começar pelo próprio vice-presidente de Dilma e agora presidente interino, Michel Temer. Recente delação premiada, de um ex-diretor da Transpetro (empresa ligada à Petrobrás), Sergio Machado, uma espécie de Caixa 2 do PMDB, caiu como uma bomba no cenário político: Machado denunciou que Temer foi intermediário de propina no valor de R$ 1,5 milhão (U$ 500 mil) para um apadrinhado seu, candidato a prefeito em São Paulo em pleito passado. Detalhe burlesco: tudo foi acertado longe das câmaras, numa base área de Brasília o que, convenhamos, é um local no mínimo pitoresco para esse tipo de negociata. Além disso, Temer foi condenado, em definitivo, por um pelo Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, sua base eleitoral, a ficar inelegível por oito anos. Isso sem falar que seu nome consta em várias planilhas de doações fraudulentas apreendidas pela polícia com diretores de empreiteiras investigados na Operação Lava a Jato. Além disso, em uma troca de mensagem num celular de Leo Pinheiro, executivo da empreiteira OAS,  também apreendido pela polícia, há um fato estarrecedor: o presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha, reclamava indignado que Pinheiro havia pago R$ 5 milhões (U$ 1,63 milhão) a Temer, então presidente do PMDB, e estava atrasando repasse para outros peemedebistas. Este é o homem que neste momento dirige a República.

Não é segredo para ninguém que Temer é uma espécie de refém de Eduardo Cunha, pois toda a articulação para a votação do impeachment na Câmara Federal foi organizada,  articulada e consumada pelo então presidente da Câmara. Isso com certeza gerou compromissos, tanto que Cunha continua mantendo grande influência na Câmara e no governo Temer: o atual líder do governo na Câmara, André Moura, é um fiel aliado de Cunha. Após o Conselho de Ética aprovar e recomendar ao plenário a cassação do mandato de Cunha, este conseguiu (com a ajuda dos parlamentares governistas e anuência do governo) eleger o relator do recurso de Cunha na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, com o objetivo de inviabilizar a cassação do seu mandato, muito embora Cunha tenha sido recentemente derrotado nesta comissão. Mas o fato mais escandaloso das relações entre Cunha e Temer e que demonstra o poder de Cunha junto ao governo foi o próprio presidente interino ter se encontrado no Palácio, na calada da noite de um domingo, sem constar da agenda oficial, com Eduardo Cunha. Como a reunião vazou, o governo se apressou em dizer que era encontro institucional. É muito estranho um presidente da República recebe no palácio do governo um deputado afastado da presidência da Câmara, réu em dois processos pelo Supremo Tribunal Federal e condenado pelo Conselho de Ética, com incontáveis denúncias de corrupção e próximo a ser cassado. Só compromissos muito profundos explica essa reunião. Mas Temer já disse em entrevista, para justificar que é um político forte, que estava acostumado a lidar com bandidos quando era secretário de Segurança Pública de São Paulo. Bom, essa declaração faz sentido.

 O seu ministério se assemelha a um conglomerado de oligarcas corruptos, ladrões de casaca e fundamentalistas pentecostais. No sua equipe, por exemplo, sete integrantes são investigados pela justiça. Em menos de um mês, três ministros foram afastados em função das denúncias de corrupção: senador Romero Jucá, ministro do Planejamento e um dos principais articuladores de impeachment, denunciado por receber propina de empreiteiras; Henrique Eduardo Alves, ministro do Turismo,  amigo de longa data de Temer, também acusado de receber propina; e Fabiano Figueiredo, ministro da Transparência. Ressalte- se que Jucá era o articulador político do governo no Congresso e antes do impeachment assumiu a presidência do PDMB para deixar Temer, então presidente, livre para realizar as articulações e as negociatas que levaram ao impeachment. Fabiano Silveira, ex-integrante do Conselho Nacional de Justiça e que deveria zelar pela transparência das ações do governo, caiu porque foi flagrado em conversas gravadas criticando a Lava a Jato e orientando o senador Renan Calheiros sobre como se comportar junto à Procuradoria Geral da República. O ministro da Justiça, conhecido por sua truculência quando Secretário de Segurança de São Paulo, foi advogado de Cunha e da Transcooper, uma cooperativa de vans citada em investigações que apura crime do Primeiro Comando da Capital, um grupo de traficantes de drogas muito ativo nas grandes capitais, especialmente em São Paulo, isso para falar apenas nos principais acusados.

Na verdade, toda essa crise desvenda a podridão das instituições brasileiras. As gravações das delações premiadas que se tornaram públicas revelam que os senadores Renam Calheiros, Romero Jucá e José Sarney, ex-presidente da República, estavam se articulando para tirar a presidente Dilma e colocar em seu lugar Michel Temer, como forma de se conseguir, a partir da posse do novo presidente, a paralisação da Operação Lava a Jato, que eles consideravam que estava indo longo demais e que poderia atingir praticamente toda a cúpula política tanto do partido que estava no governo quanto os da oposição. O impeachment seria assim uma espécie de tábua de salvação de todos eles. A corrupção entre as altas cúpulas de todos os partidos da ordem é tamanha que recentemente o procurador geral da República pediu publicamente a prisão de Renam Calheiros, presidente do Senado, Romero Jucá, ex-ministro de Temer, José Sarney, ex-presidente do Brasil e Eduardo Cunha por estarem articulando manobras para atrapalhar as investigações. Foram salvos na bacia das almas pelo Supremo Tribunal Federal, que negou o pedido de prisão, sem antes deixar de registrar que o comportamento desses figurões não era adequado. Mas como a cada dia aparece uma denúncia nova, mais bombástica que a anterior, ainda vamos ter muitas surpresas nessa novela burlesca.

À sombra dessa conjuntura pantanosa estão os verdadeiros operadores da oligarquia financeira, do grande capital, do agronegócio e do imperialismo. Na área econômica ponteiam os delegados diretos do mercado financeiro, os mais radicais na ortodoxia neoliberal, a começar pelo ministro da Fazenda, Henrique Meireles. Ex-presidente do Banco de Boston, é um monetarista que fez carreira no sistema financeiro privado internacional. Quando esteve no governo, nos dois mandatos do período Lula, sempre se destacou por ser partidário ativo dos juros altos, sendo o mais ortodoxo da equipe ministerial. O Banco Central, o principal instrumento de execução da política monetária, foi capturado pela banca: Ilan Goldfajn, nomeado presidente, é banqueiro do Itaú e um ortodoxo militante. A diretoria que nomeou no Banco Central reúne a fina flor do rentismo institucionalizado:  o diretor de política monetária é Reinaldo Le Grazie, do Bradesco, que antes era responsável no banco pela administração de fortunas dos clientes rentistas e que agora vai dar continuidade a essa político na administração pública. A área de política econômica e assuntos internacionais  estão a cargo, respectivamente, de Carlos Viana e Thiago Berriel, ambos da PUC do Rio, uma espécie de pequena Chicago o carioca. Na Petrobrás, a maior empresa estatal do País, está Pedro Parente, um privatista radical, foi o homem do apagão no governo FHC e atualmente está sendo processado por improbidade administrativa.  

Além desses personagens do rentismo, pode-se destacar ainda um dos principais homens do imperialismo no Brasil, José Serra, que atualmente está no Ministério das Relações Exteriores para alinhar a política internacional do Brasil aos Estados Unidos, desmontar o processo de integração latino-americana e atrapalhar os BRICs. Na Casa Civil está uma espécie de primeiro-ministro, Eliseu Padilha, velha raposa política do PMDB, acostumado aos bastidores da pequena política de Brasília, tanto que era conhecido na era FHC como “Eliseu Quadrilha”. Padilha está envolvido nas denúncias de corrupção e teve seus bens bloqueados pelo Ministério Público Federal. Também estão envolvidos em denúncias de corrupção o ministro da Educação, Mendonça Filho e Gedel Vieira Lima, ministro da Secretaria de Governo e velhos conhecidos nas denúncias de corrupção. O setor agropecuário é comandado  por um grande latifundiário do setor de soja, Blairo Maggi e na Saúde um está um conhecido lobista da medicina privada. Há ainda um aspecto bem singular da equipe de Temer:  em seu ministério não há uma única mulher, nenhum negro, num País onde mulheres e negros são maioria na população brasileira.

Um ataque brutal contra os trabalhadores

Um dos motes estratégicos do programa desse governo para justificar os ataques aos trabalhadores e à soberania nacional é a balela que o Brasil  não cabe na Constituição de 1988 e os direitos sociais também não cabem no orçamento, como sugere o documento-base do PMDB (Ponte para o Futuro), que orienta as ações governamentais: “Na forma como está desenhada na Constituição e nas leis posteriores (a sistemática orçamentária, EC), que resulta em excessiva rigidez nas despesas, torna o desequilíbrio fiscal permanente e cada vez mais grave ... Assim, a maior parte das despesas públicas tornou-se obrigatória, quer haja recursos ou não. Daí a inevitabilidade dos déficits quando os recursos previstos não se realizam, ou porque as receitas foram superestimadas, ou porque houve retração na atividade econômica, portanto perda de receitas”.[5]  Para estes senhores,  as conquistas da Constituinte, elaboradas num duro embate após a queda da ditadura, atrapalham a competitividade das empresas, inviabilizam a economia de mercado e garantem direitos à população que o País não pode pagar. Ou seja, as conquistas sociais inscritas na Constituição estão em rota de colisão com o apetite voraz da oligarquia rentista e dos oligopólios e as liberdades democráticas são um empecilho à ordem neoliberal.

Em outras palavras, caso essa equipe se mantenha no poder após a consumação do impeachment no Senado,  estaremos diante de um governo claramente antinacional e antipopular, um governo ilegítimo e usurpador, sem o respaldo do voto da população para exercer o poder político e sem legitimidade para reorganizar a economia no interesse das oligarquias regionais, dos rentistas e dos oligopólios nacionais e internacionais. Um governo frágil porque a qualquer momento seus ministros e o próprio presidente podem perder seus empregos em função das denúncias de corrupção, mas profundamente perigoso tanto porque não deve satisfações à população, tendo em vista que não pode se viabilizar eleitoralmente (o presidente está inelegível por oito anos), quanto principalmente  porque poderá realizar qualquer tipo de medida antipopular para agradar as classes dominantes e ao imperialismo e se manter no poder. Para isso, tem o apoio de uma maioria parlamentar, da mídia corporativa e do mercado, apesar de rejeitado pela maioria da população, conforme recentes pesquisas de mercado. A continuidade desse governo, para os trabalhadores, significa um vôo cego para a barbárie.

Até agora já foram realizadas um conjunto de medidas regressivas nas áreas econômica e social, mas o pior ainda está por vir: o governo espera apenas o desfecho do impeachment para aplicar seu verdadeiro programa, porque aí estaria com as mãos livres para realizar o ataque direto aos trabalhadores e viabilizar a política entreguista. Vejamos as principais medidas tomadas até agora e aquelas já anunciadas e que estão em discussão no Parlamento. O governo extinguiu o Fundo Soberano e sacou todos os recursos (R$ 2 bilhões) para abater a dívida interna. Também definiu que o BNDEs (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) deverá devolver ao Tesouro, em três anos, R$ 100 bilhões (U$ 33 bilhões), recursos que foram repassados ao Banco para viabilizar investimentos empresariais. Estes recursos também servirão para abater a dívida. Ao colocar na presidência do Banco uma conhecida militante privatista, Maria Silvia Bastos, que já cumpriu funções no governo FHC, o objetivo é mudar radicalmente o papel da instituição, passando de agente de fomento do desenvolvimento industrial para operador e financiador do projeto de privatizações, como ocorreu no governo do PSDB, entre 1994 e 2002.  

O governo também vai cortar 4 mil cargos de confiança na administração pública, como parte do chamado esforço para equilibrar as contas públicas e pretende acabar com a estabilidade do funcionalismo público e os acordos que levaram ao aumento real do salário mínimo. Quer também aumentar de 20% para 30%  a Desvinculação das Receitas da União (DRU).  Isso significa que agora o governo poderá utilizar livremente até 30% do orçamento da União, mesmo em relação às verbas de setores protegidos por dispositivos constitucionais, como saúde e educação.[6] Na prática, as autoridades econômicas podem remanejar livremente recursos da saúde e educação para pagar, adivinhem quem:  os compromissos dos juros dívida interna. O governo também enviou ao Congresso projeto de emenda constitucional de ajuste fiscal de longo prazo,  no qual fixa um limite rígido para os gastos públicos por cerca de 20 anos, podendo ser revisto após o nono ano de implementação, período no qual esses gastos se manterão inalterados, podendo ser corrigidos apenas pela inflação, o que na prática significa um congelamento dos gastos públicos. A ambição dos representantes do parasitismo financeiro e dos oligopólios nacionais e internacionais[7] é tão grande e às vezes bizarra que o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI) sugeriu que a jornada de trabalho fosse estendida para 80 horas semanais, algo muito próximo ao que era vigente no período da escravidão. Vale lembrar que esses balões de ensaio buscam amaciar a população, tornar corriqueira a barbárie, de forma a reduzir os impactos das medidas vindouras. Ao mesmo tempo é uma jogada esperta: eles sabem que esse é um governo que pode durar no máximo mais dois anos e meio, mas as reformas  a serem  aprovadas amarram todos os governos futuros a essa política ultraliberal. Ao mesmo tempo, significa uma importante sinalização para o mercado, que sempre desejou ter no governo uma equipe econômica  que tivesse a coragem de defender abertamente seus interesses sem grandes necessidades de prestar contas à população.

Temer também anunciou que vai apoiar o projeto de Lei de Responsabilidade Fiscal para as estatais e fundos de pensão, pelo qual 25% dos membros dos Conselhos de Administração devem ser independentes. O governo justifica a medida alegando que esses dirigentes deverão ser nomeados por critérios técnicos e meritocráticos, sem vínculos políticos, de forma a poderem alocar de maneira eficiente os recursos dessas instituições.[8] Na prática, quer colocar gente da iniciativa privada e do mercado financeiro para gerir uma parcela significativa dos recursos públicos nacionais e os fundos dos trabalhadores (que atualmente possuem patrimônio de R$ 445 bilhões – U$ 148 bilhões) para servir aos interesses do mercado financeiro. Ou seja, a raposa cuidando do galinheiro: o mercado financeiro passará a gerir de centenas de bilhões de reais dos trabalhadores e do povo brasileiro. Há ainda a possibilidade concreta de ser aprovada a independência do Banco Central. Mas as joias da coroa que o governo Temer está preparando, caso se consuma o impeachment da presidente Dilma, é a entrega do Pré-Sal às petroleiras imperialistas, a reforma trabalhista, a reforma da previdência e o programa de privatizações.  

Entrega do Pré-sal: O volume de petróleo até agora encontrado nas bacias do pré-sal está calculados em R$ 20 trilhões (U$ 6,8 trilhões), um botim bastante apetitoso para o capital internacional petroleiro. Temer já anunciou que vai apoiar um projeto que já foi aprovado no Senado, por proposta de Serra e apoio de Dilma (agora está na Câmara Federal),  que altera as regras de exploração do petróleo do pré-sal. Pelas normas atuais, a Petrobrás tem exclusividade na exploração de 30% em todos os poços de petróleo, mas se o projeto for aprovado na Câmara a companhia estatal perde a exclusividade e o petróleo brasileiro passará a ser explorado pelas multinacionais.  Para realizar tal tarefa, nomeou para a presidência da Patrobrás, responsável por 13% do PIB, Pedro Parente, um privatista radical. Mal assumiu o posto, já pilota um projeto de venda de ativos que, mesmo ainda sigiloso, já se pode dizer que os estão de olho nas companhias subsidiárias da Patrobrás como a Liquigás, usinas térmicas,  Transportadora Sudeste, Transpetro e BR Distribuidora, campos de petróleo em produção ou em fase de exploração, além das concessões de exploração de novos campos pelas multinacionais. Também está ainda na agenda a redução ou mesmo o fim da política de conteúdo nacional, pela qual a Petrobrás passou a comprar equipamentos de empresas nacionais, como forma de incentivar a indústria local. Como entreguistas contumazes, eles acusam essa política de compras como uma questão ideológica do governo anterior, que viola a competição e causa prejuízos à empresa.  Se essa agenda se consumar, será um golpe duro na soberania nacional, tendo em vista que o monopólio estatal do petróleo foi uma conquista do povo brasileiro, após grandes manifestações de massas nas ruas,  ainda na década de 50, e foi exatamente este monopólio que possibilitou ao País se tornar autossuficiente em petróleo. Com pré-sal, o País deverá se transformará num grande exportador petroleiro, tendo em vista os vastos depósitos descobertos nos últimos anos.

Reforma da Previdência: A questão da previdência no Brasil é um dos casos mais dramáticos no qual uma mentira repetida muitas vezes termina virando verdade. Diariamente, todos os meios de comunicação, jornalistas ignorantes ou a serviço do mercado financeiro, empresários e banqueiros repetem estridentemente que a Previdência é deficitária, que o déficit aumenta a cada ano, que a população está envelhecendo e, por isso, é necessário uma reforma da previdência para evitar uma insolvência no futuro.  Com esse discurso, as classes dominantes tentam capturar parcela expressiva dos recursos da Previdência definidos pela Constituição de 1988. Nas discussões daquele período, os Constituintes decidiram incorporar à previdência os milhões de trabalhadores rurais que não pagavam a Previdência e, portanto, não recebiam os benefpícios previdenciários. Para tanto, criaram a Seguridade Social, da qual fazem parte a Previdência, assistência social e saúde e definiram regras do financiamento, que inclui os recursos dos trabalhadores, dos empregadores e do governo, além de tributos específicos, como a CSLL (Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido) e a CONFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), além de outras receitas, visando dar sustentabilidade de longo prazo à previdência brasileira. Ocorre que, desde meados da década de 90, as classes dominantes lutam para recapturar esses recursos mediante uma série de falsificações, desonestidade contábil e manipulação midiática. Nessa ofensiva já conseguiram realizar duas contra-reformas previdenciárias, uma no governo FHC e outra no governo Lula,  sempre retirando direitos dos trabalhadores e desviando os recursos da seguridade social para pagamento dos juros da dívida interna. Eles alegam que a previdência é deficitária e, com o envelhecimento da população, seu financiamento se tornará insustentável. Para justificar essa inesperada e hipócrita preocupação com o futuro dos pensionistas, os oligarcas realizam um argumento falacioso ou uma conta pela metade, isolando a Previdência da Seguridade Social e comparando apenas os recursos arrecadados das contribuições de patrões e empregados com as despesas previdenciárias, sem levar em conta os recursos dos tributos da seguridade social, criados justamente para dar sustentabilidade ao sistema previdenciário. Por essa metodologia falsificada, a previdência se torna permanentemente deficitária. Mas quando as receitas da seguridade social são computadas, obtém-se um superávit nas contas previdenciárias. Por exemplo, o superávit foi de R$  68 bilhões (U$ 22 bilhões) em 2013 e R$ 56 bilhões (U$ 18 bilhões) em 2014,[9]  isso sem levar em conta que os recursos previdenciários foram reduzidos em função da política de desonerações e  renúncias fiscais realizadas pelo governo, das diversas modalidades de sonegação previdenciária e da fuga de receitas em função do processo recessivo. Para se ter uma ideia de quanto o governo desvia da Seguridade Social para pagar a dívida interna, é importante observarmos os cálculos do economista Eduardo Fagnani, da Unicamp: “Só em 2012 a DRU retirou da Seguridade Social R$ 52,6 bilhões (U$ 17 bilhões). O acumulado, para o período 2005-2012 totaliza R$ 286 bilhões (U$ 95 bilhões)”.[10] Mas nada disso é observado pela mídia corporativa.  Como essas informações não são divulgadas para a população, permanece a versão fantasiosa dos déficits crescentes na previdência e, com essa farsa contábil, os rentistas vão reduzindo cada vez mais os direitos e proventos dos pensionistas. Também querem ainda desvincular os reajustes do salário mínimo dos reajustes dos aposentados. Na verdade, seu objetivo maior é a privatização da previdência, como ocorreu no Chile de Pinochet.

Reforma Trabalhista: Outro dos grandes objetivos desse governo é o desmonte da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que foi promulgada ainda na década de 40 pelo governo  de Getúlio Vargas. Uma parcela expressiva dos direitos dos trabalhadores já foi retirada no período FHC (e outra flexibilizada nos governos petistas), mas ninguém teve força suficiente para desmontar a CLT, tarefa que agora o governo Temer busca atingir. O centro da questão é aprovar no Congresso uma reforma definindo que aquilo que for acordado entre trabalhadores e empresários se sobrepõe ao que está legislado. Ou seja, os acordos realizados em cada empresa ou cada setor de produção estão acima da legislação da CLT ou da Constituição. Numa conjuntura de recessão e desemprego, com a ofensiva patronal contra direitos e garantias dos trabalhadores, isso seria um prato cheio para a implantação da barbárie social. A que nível chegou o capitalismo brasileiro: desesperados diante da crise econômica,  querem tirar dos trabalhadores direitos que foram conquistados por seus avós. Além do desmonte da CLT, as classes dominantes também querem a implantação das terceirizações, visando não só rebaixar os salários, mas também desorganizar o mercado de trabalho, destruir o movimento sindical e criminalizar as lutas sociais. Nessa ofensiva, não será surpresa se iniciarem ainda uma campanha contra o pagamento do 13º. salário, uma conquista que vem desde a década de 60; extinção do pagamento das férias com um terço a mais de salário, como determina a legislação atual; redução do período de férias para menos de 30 dias; e até mesmo cortes no pagamento do descanso semanal remunerado. Ate agora nenhuma autoridade do governo assumiu essas três ultimas agendas, mas os balões de ensaios estão circulando diariamente nas redes sociais. Como dizia minha avó, onde tem fumaça tem fogo.

Política de privatizações: Durante o governo FHC, o governo privatizou a grande maioria das empresas públicas, envolvendo quase todo o setor de telecomunicações, grande parte do setor elétrico, bancos estaduais, siderurgia, entre outros. E nos governos petistas operou-se  as privatizações disfarçadas sob o rótulo de concessões à iniciativa privada.  Pelo menos em relação às quatro grandes empresas estatais nenhum governo reuniu forças para entregá-las à iniciativa privada: a Petrobrás, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e os Correios e Telégrafos. Mas essa equipe de Temer vai procurar de todas as formas realizar a tarefa não concluída por FHC. A ordem no governo é privatizar o que for possível o mais rápido que se puder. Temer já anunciou que vai adotar medidas para facilitar a venda das empresas do setor elétrico que não foram privatizadas na era FHC, ao mesmo tempo em que está transferindo para os consumidores a conta decorrente dos acordos realizados com o Paraguai ainda no governo Lula, através do qual o Brasil aumentou a remuneração paga pela energia fornecida ao Brasil pela Itaipu Binacional. Também já foi sancionada pelo presidente a abertura do setor aéreo, através do qual o capital estrangeiro pode adquirir as empresas nacionais. Mas o objetivo central do governo é a privatização das grandes estatais. Essa tarefa ainda não foi publicizada porque aguardam o desfecho do impeachment, mas é a missão desse governo usurpador. No entanto, essa é uma tarefa difícil: FHC ensaiou privatizar a Petrobrás, chegando inclusive a tentar mudar o nome da empresa para Petrobrax para facilitar sua venda, mas foi obrigado a recuar em função da grande reação de setores sociais e políticos do País. A privatização do Banco do Brasil também é uma tarefa difícil não só em função de seu tamanho (é o maior banco do País), mas porque se trata de uma instituição pública fundada ainda no período colonial. E a Caixa Econômica Federal também apresenta grandes dificuldades, em função do seu porte e  também porque é gestora do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e dos financiamentos do programa de habitação. Da mesma forma, os Correios e Telégrafos têm grande prestígio junto à população pela qualidade dos serviços que proporciona. Portanto, qualquer movimento do governo no sentido da privatização dessas empresas vai gerar grandes conflitos sociais.

As elites estão brincando com fogo

Na verdade, as classes dominantes brasileiras, ao iniciarem o processo de impeachment, com as manobras e manipulações de todos conhecidas, em meio às denúncias de corrupção que atingem toda a institucionalidade, desencadearam um processo que podem não ter condições de controlar. Estão brincando com fogo. Numa conjuntura de elevada tensão social, com o descontentamento das massas em consequência do caos urbano, das precárias condições de saúde, dos baixos salários, do desemprego, da corrupção generalizada, da crise de representatividade e da desmoralização das instituições, querer implantar a ferro e fogo a agenda neoliberal predatória que esta sendo anunciada é como colocar gasolina na fogueira. Vai acirrar de tal maneira a luta de classes que não será surpresa para ninguém a emergência de conflagrações sociais em várias regiões do País, especialmente nas grandes metrópoles.  Como registra recente nota política do PCB: com o impeachment da presidente Dilma e a ascensão do novo governo ilegítimo, a luta de classe mudou de patamar no Brasil, tornando mais aberto o conflito entre capital e trabalho, que era ofuscado pela política de apassivamento, cooptação e despolitização implementada pelo Partido dos Trabalhadores.

Vale recordar ainda que estamos vivenciando o dramático fim de um ciclo de lutas sociais que se iniciou no final da década de 70 com as greves do ABC, no qual a classe operária emergiu com força e combatividade, criando organizações próprias e contribuindo de maneira decisiva para o fim do regime militar. Também é fundamental compreender que a partir de 2013, com as extraordinárias jornadas de junho, a juventude e os trabalhadores precarizados emergiram na cena política com manifestações de massa, por fora das instituições sindicais e políticas, iniciando-se assim, ainda de maneira embrionária, um novo ciclo de lutas sociais no Brasil. Portanto, estamos vivendo na atual conjuntura  aquele intervalo gramsciano  no qual o velho está morrendo, o novo está emergindo mas ainda não se consolidou e,  nesse vazio,  surgem os monstros, entendido aqui como os elementos mais inesperados, imponderáveis ou bizarros da conjuntura, mas também esse é um período cheio de oportunidades. Como todo final de processo, o desfecho desse ciclo poderá parir um conjunto de fenômenos novos na realidade brasileira:

a) O primeiro deles é o esgotamento das organizações que cresceram e se desenvolveram durante o ciclo anterior, como o Partido dos Trabalhadores (PT) e a Central Única dos Trabalhadores (CUT), para falar apenas nos dois principais. Essas organizações poderão até ainda continuar vivas, como o MDB continuou vegetando na forma desse PMDB degenerado atual, mas perderão sua alma, sua capacidade de transformar, serão apenas caricatura do que foram no passado, sem possibilidade de se reinventarem porque  serão incapazes de realizar uma autocrítica sincera dos erros estratégicos e táticos que cometeram durante o período de governo, tais como a renúncia à construção de uma nova correlação de forças baseada nos setores populares; a adesão ao modus operandi da velha política até se envolver abertamente com a corrupção; a cooptação  e burocratização do movimento sindical e social; a conciliação de classe e as alianças com a escória da política; e o apassivamento e despolitização geral dos trabalhadores e da juventude. Essas organizações estão vinculadas de tal maneira à ordem e à institucionalidade que se torna praticamente impossível uma virada de mesa na atual conjuntura, pois os movimentos que realizaram durante o período de governo as tornaram prisioneiras de seu próprio destino.

b) A emergência do novo ciclo ainda não consolidado vai produzir uma conjuntura inteiramente nova na realidade brasileira. Como todo início de ciclo, em que ainda não se forjou uma organização catalisadora do novo processo, sua dinâmica é confusa e contraditória, mas as lutas de junho de 2013 estão produzindo um conjunto de atores e lutas sociais com enorme combatividade e originalidade. É só recordarmos as ocupações vitoriosas dos estudantes secundaristas paulistas contra o governo reacionário do PSDB, há mais de 20 anos no poder em São Paulo. Essas manifestações estão inspirando outras ocupações de  secundaristas  em várias regiões do País. Os estudantes secundaristas das escolas públicas são os filhos do proletariado brasileiro, porque só os filhos dos proletários estudam em escolas públicas, uma vez que os filhos da classe média alta e da burguesia estudam em colégios privados. Esses jovens estão debutando na luta social e trazendo formas de lutas e experiências novas de organização das lutas sociais.  Vale ressaltar ainda que no Brasil a entrada em cena do proletariado na luta social e política sempre foi antecedida das lutas da juventude. Foram as lutas da juventude que anteciparam a abolição da escravatura e a proclamação da República; o movimento dos tenentes na revolução de 1930; o movimento estudantil nas lutas pelas reformas de base; e o movimento pela reconstrução da UNE antes das greves do ABC. Podemos dizer que as lutas atuais da juventude podem ser  prenúncio da entrada em cena do proletariado, de forma a dar um novo rumo na história de nosso País. Ressalte-se ainda que o número de greves vem aumentando desde 2013, o que indica que algo está movendo no interior do proletariado brasileiro.

c) O terceiro dos fenômenos é o resultado da fusão dos dois anteriores e podemos dizer que está se expressando num complexo e doloroso processo de reorganização da esquerda. Ninguém pode errar nesse momento de crise: um erro pode custar caro às organizações sociais e políticas. Isso explica a implosão que ocorreu recentemente no PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado), quando mais de 700 militantes orgânicos se desligaram da organização. Processos mais reduzidos estão sendo verificados também em organizações menores. Mas o grande drama vai ocorrer com as bases do Partido dos Trabalhadores, que estão frustradas e confusas, não se sentem representadas pela cúpula do partido, mas em contrapartida não têm a menor possibilidade de ganhar por dentro a direção do partido. Vão procurar um novo rumo com o desfecho do impeachment. O PC do B se organiza mais como uma empresa que como uma organização política, dado o elevadíssimo número de profissionais burocratizados na organização e nas administrações públicas federais, estaduais e municipais, sendo este um fator limitador de dissidências. Em tempos de crise ninguém quer ficar sem trabalho. Mesmo assim, com o fim do ciclo, pagará caro sua opção pela institucionalidade eleitoral. E os militantes mais jovens das ocupações secundaristas irão amadurecer e buscar uma opção para se organizar politicamente. Com certeza o próximo ciclo que se abre será um desafio para a reconstrução da esquerda.

Realmente, o Brasil vive atualmente uma conjuntura complexa e difícil. Estamos diante de um governo impopular, desmoralizado, interessado a prestar bons serviços aos seus patrocinadores. Um governo que está disposto a implementar a agenda neoliberal a qualquer custo, no menor espaço de tempo possível, mesmo que para isso tenha que se utilizar da lei antiterrorismo, diga-se passagem aprovada pelo governo do PT, da criminalização dos movimentos sociais e da repressão aberta contra os trabalhadores e a juventude.  Por outro lado, cresce a indignação na sociedade, muito embora ainda difusa, contra o governo, fato que se expressa nos protestos tanto das ruas quanto nas torcidas de futebol nos estádios, nos espetáculos musicais e teatrais e nos escrachos[11] de parlamentares e ministros do governo nos aeroportos, dentro de aviões, em eventos públicos. Se essas manifestações já ocorrem num momento em que o governo ainda não tomou as medidas mais duras, imaginem o que vai acontecer quando o governo mostrar sua verdadeira face, após a interinidade. Estamos nos aproximando de um momento de acirramento da luta de classes e possivelmente de uma repressão muito dura contra os trabalhadores e os movimentos sociais,  pois dificilmente essas medidas serão realizadas sem luta, mas também poderemos estar diante da possibilidade da construção de uma nova correlação de forças favorável aos trabalhadores.

Na verdade, o desfecho dessa conjuntura complexa e volátil é uma obra aberta porque não está garantido a nenhuma das forças fundamentais da sociedade brasileira, a burguesia e o proletariado e as forças de esquerda,  a vitória nessa conjuntura. Se a burguesia nesse momento tem a iniciativa, controla os poderes institucionais, o poder econômico e os aparatos militares, isso pode não significar grande coisa diante de levantes sociais de massa. Afinal, o outro lado, o proletariado e a juventude, também  estão jogando e representam uma força avassaladora se colocados em movimento. Mas nesse processo de novas lutas é fundamental fugir da órbita das velhas organizações que estão morrendo com o ciclo em que se forjaram e, especialmente, das armadilhas do lulismo, que busca colocar  as lutas das ruas a serviço da disputa eleitoral em 2018, na qual nem Lula sabe se será candidato. É fundamental buscar construir um caminho que rejeite tanto a conciliação de classe quanto a direita. A construção desse terceiro campo é o caminho mais difícil, mas é o único que pode construir uma alternativa dos trabalhadores para a crise. Tudo leva a crer que no médio prazo teremos uma disputa aberta entre o proletariado e a juventude contra a burguesia e todo o seu aparato. O resultado desse processo vai depender da capacidade das organizações políticas e sociais de encontrarem pontos em  comum, tanto do ponto de vista orgânico quanto programático. Uma boa ideia nesse sentido é a proposta de construção de um grande Bloco de Lutas, a ser consolidado num encontro nacional dos trabalhadores e do movimento popular, que reúna as organizações políticas e os movimentos sociais classistas e seja capaz de forjar um programa mínimo que possa colocar em movimento os trabalhadores, a juventude e o povo pobre dos bairros na luta pelas transformações sociais e pelo poder popular a partir de suas reivindicações concretas contra o ajuste fiscal, o ataque aos direitos dos trabalhadores e pensionistas, o pagamento dos juros e amortizações da dívida interna, por terra, trabalho e moradia, em defesa do patrimônio nacional. Essas propostas, vinculadas à vida cotidiana dos trabalhadores, poderão colocar em movimento milhões de pessoas nas ruas, locais de trabalho, moradia e estudo e levar a um processo que nos tire da crise e abra possibilidade para uma transição no interesse dos trabalhadores.

*Edmilson Costa é doutor em Economia pela Unicamp, com pós-doutorado no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da mesma instituição. É autor, entre outros, de A globalização e o capitalismo contemporâneo (Expressão Popular) e A crise econômica mundial, a globalização e o Brasil (Edições ICP). É membro do Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro (PCB), diretor do Instituto Caio Prado Junior e um dos editores da revista teórica Novos Temas.


[1] O Partido dos Trabalhadores (PT) e a Central Única dos Trabalhadores (CUT) foram fundados, respectivamente, em 1980 e 1983.

[2] Para maior compreensão das jornadas de junho de 2013, ver Costa, Edmilson. Brasil: extraordinárias jornadas de lutas. Constante em resistir.info.

[3] Investigação realizada pelo judiciário de Curitiba, sob a liderança do juiz Sergio Moro, cujos resultados até agora vem demonstrando a podridão das instituições brasileiras em praticamente todas as áreas. Parlamentares, executivos empresariais e dirigentes políticos em geral vêm sendo denunciados ou presos. A cada dia o País é surpreendido por uma nova delação premiada envolvendo novos personagens das instituições políticas e empresariais envolvidos em escândalos de corrupção. Caso as investigações continuem não será surpresa o envolvimento ou prisão dos principais personagens dos partidos da ordem, bem como do Executivo nacional.

[4] Essa classificação da equipe de Temer se assemelha ao que foi sugerido pelo jornalista Mauro Lopes, dos Jornalistas Livres, em artigo sobre os gestores da crise, no qual dividiu a equipe do governo em duas turmas: os barões de casaca e os barões das galinhas (21/5/2016). Optamos por ser menos sutil em relação à equipe governamental. Acesso em 20 de junho de 2016.

[5] PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro): Uma ponta para o futuro. Documento-Base com as propostas para a reforma econômica brasileira. Acesso em 20 de junho de 2006.

[6] A Constituição brasileira, aprovada na Assembleia Constituinte de 1988, definiu percentuais rígidos para gastos em saúde e educação, que teoricamente não poderiam ser modificados na proposta orçamentária. Mas no Brasil sempre se dá um jeitinho para burlar os direitos dos trabalhadores. No governo FHC foi aprovada uma emenda constitucional que permitiu ao Executivo poder utilizar livremente 20% do orçamento de acordo com seus objetivos políticos, sob o pretexto de criação de um Fundo de Social de Emergência (FSE). Posteriormente, esse processo foi institucionalizado com a aprovação da DRU (Desvinculação das Receitas da União), com o mesmo percentual de 20%. Agora este governo quer elevar o percentual para 30%. Isso significa que o governo poderá remanejar até 30% das verbas sociais (educação, saúde, etc) para pagar os juros da dívida interna.  

[7] Apesar da política governamental ser gerida em função dos compromissos da dívida interna, portanto da oligarquia financeira, os monopólios nacionais e internacionais e o agronegócio, mesmo em períodos de recessão, não perdem dinheiro, pois os recursos ociosos que não podem ser destinados ao investimento produtivo são aplicados no mercado de títulos do governo com retornos bastante expressivos, dado as elevadas taxas de juros, funcionando assim como um colchão de proteção e uma válvula de escape para todos em tempos difíceis.

[8] Hoje, a representação nas direções dos fundos de pensão dos trabalhadores das estatais é paritária entre trabalhadores e governo

[9] Entrevista com Denise Gentil ao site da revista Brasileiros (15/2/2016), professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, estudiosa da Previdência Social e que em sua tese de doutoramento desmonta as falsidades dos o argumentos de que a Previdência brasileira é deficitária. Acesso em 20/5/2016.

[10] Fagnani, Eduardo. Artigo escrito para a Plataforma Política Social. Caminhos para o Desenvolvimento, em 21/2/2016. Acesso em maio de 2016.

[11] Manifestações, geralmente bem humoradas, realizadas pela juventude, inicialmente em frente à residência de torturadores, mas agora também em frente à casa de articuladores do impeachment, nos aeroportos e locais públicos.  

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