Um dos desafios de crescer é sairmos do nosso umbigo, a auto piedade tem limites, bem definidos. Recebi na vida milhares de mensagens a pedir ajuda, «A Sra pode ajudar-me?», e talvez meia dúzia a oferecer ajuda.
A minha avó era uma agricultora pequena proprietária que perdeu o marido relativamente cedo na vida, e levantava-se às 5 da manhã, teve 5 filhos, e deitava-se no sofá às 9 da noite, afagando-me os cabelos, descascando uma maçã, da sua produção, dispersa por algumas terras onde ela ia muitas vezes a pé, vários kms, mas dizia insistentemente, com doçura, «quando precisares de algo Raquel pede à pessoa mais atarefada». Eu, já mais velha, achava o ditado meio reaccionário. Na verdade o ditado não é, é verdadeiro. A realidade é que não é boa. Eu coordeno 130 pessoas em 7 projectos nacionais e internacionais, sobre coisas, direi assim...simples, como as contas do serviço nacional de saúde do país, a dívida pública e a história do trabalho desde 1945 da Argentina à Coreia do Sul, a crise do sindicalismo, dou aulas, coordeno um grupo de estudos da FCT/IHC, participo regularmente num programa de debate semanal para o qual estudo várias horas, e em outros debates públicos para os quais não vou sem estudar, ler, perguntar, aprender, escrevo e edito 1 livro por ano, tenho 12 alunos a fazer o doutoramento, mestrado e pos-doc comigo, trabalho em 3 países, quase todas as semanas entro num avião e faço pelo menos 100 palestras gratuitas por ano, e escrevo 200 artigos /posts por ano, sou ainda militante, activista como se diz agora, de várias associações, dos bombeiros, pais, de trabalho...já me perdi. Todos os anos me submeto a concursos nacionais e internacionais, de projectos. Não me lamento, adoro o trabalho, os alunos, as pessoas, a relação com o público, tudo faço com gosto, feliz, e aprendo e muito com todos eles. Tirando claro a gestão infernal que tb atingiu os professores universitários, a «relatorite» aguda. Tenho uma família, linda, não abdico de dançar, fazer ginástica, jantar com os amigos, e, porém, todos os dias me perguntam, em tom crítico: «Quando é que a Senhora deixa de comentar e se candidata?». Comen quê???? Hoje está um belo dia de sol, estou muito animada, por isso devolvo a pergunta: e vocês, quando é que se candidatam? A fazer qualquer coisa pela vida em vez de estar à espera do Dom Sebastião? Vão à reunião de pais? E quando lá vão oferecem-se para fazer o quê? Ou vão falar numa sessão de psicanálise colectiva em que no fim ninguém assume nada?Empenham-se nisso? Pagam quotas? Pegaram no telefone para convencer este ou aquele do bairro para mudar algo ou colocaram um «que triste povo português que não faz nada» no facebook? Entregaram o cartão do sindicato dizendo «são todos iguais» ou ofereceram-se para construir uma alternativa no vosso local de trabalho?
É que eu sou candidata a viver numa sociedade onde todos contribuímos para ela, não sou candidata a Dona Sebastião nem a desaparecer no nevoeiro da falta de força anímica dos meus queridos amigos. Há – tudo indica – 230 pessoas em São Bento que acham mesmo que se votarem neles tudo vai mudar da noite para o dia, é ver o Siryza que confirma...como dizia o poeta francês Paul Valéry a politica é «arte de fazer com que as pessoas não se metam na própria vida»...Sou candidata a viver numa sociedade onde os de cima não gostam de mandar mas também onde os de baixo deixam de gostar de ser mandados. E onde fazemos da palavra gesto, das ideias acção, quando temos propostas oferecemo-nos para as cumprir, realizar e somos mais duros connosco quando falhamos do que com os outros, mudamos quando erramos em vez de arranjar desculpas cândidas para os nossos falhanços. Engana-se quem acha que o mundo é um lugar péssimo e que nós e os que mais amamos e nos são próximos não reproduzimos, no dia a dia, o pior desse lugar – o empirismo, o individualismo, a superficialidade, o pendurar-se nos outros, a mentira fácil, que a coisa há-se aparecer feita. Enfim, deixo, sem mágoa alguma, apenas reflectindo alto, para uma reflexão domingueira. Aproveitando para explicar assim porque não respondo à maioria das mensagens. Primeiro porque não tenho tempo, segundo porque – era aqui que eu queria chegar -, não há soluções individuais para problemas colectivos.
Como dizia o histórico fundador do movimento cartista que conquistou o direito ao voto na Inglaterra na década de 30 do século XIX, num discurso público pelo qual foi então preso: «organizem-se, organizem-se, organizem-se». Acrescento eu: não há direitos adquiridos, há direitos conquistados.