Trump esconde tantos esqueletos no armário como Clinton. Os de Clinton, contudo, são menos metafóricos do que os do seu homólogo republicano.
A menos de quinze dias das eleições presidenciais nos EUA, duas conclusões têm dominado o espaço mediático: esta é a campanha eleitoral mais acrimoniosa de sempre e é como se Hillary Clinton já tivesse ganho. Ambas são igualmente precipitadas.
A conta dos três debates entre Clinton e Trump redundou numa altercação sórdida, um entretenimento degradante cujos remoques e peguilhas, ora apupados ora aplaudidos da plateia de sitcom, descrevem o grau zero da democracia burguesa. Foram, ao todo, quatro horas com os dois candidatos a provar por que é que o outro é pior: Clinton porque concedeu isenções fiscais aos milionários ou Trump porque as aceitou; a corrupção da Trump Foundation ou a da Clinton Foundation; o escândalo dos crimes sexuais de Trump ou o escândalo dos emails ilegais de Clinton; Hillary porque apoia o terrorismo na Síria ou Donald porque recusa asilo aos refugiados que esse terrorismo criou; o recorde da democrata a deportar imigrantes ou a intenção do republicano construir um muro; empurrar a Rússia para a guerra mundial ou aprofundar o racismo...
Mas apesar da verbosidade da pugna não é correcta a dedução, tantas vezes repetida, de que estas eleições constituem o zénite histórico da divisão entre o Partido Republicano (RP) e o Partido Democrata (RD). Na verdade, pode-se até afirmar que raramente na História dos EUA os dois partidos estiveram tão unidos em torno de alguma coisa como agora estão em torno de Hillary Clinton. No total, são mais de duzentos os altos dirigentes republicanos que já declararam o apoio à actual secretária de Estado. Do ex-presidente George W. Bush (pai) ao congressista Richard Hanna, passando por altos quadros da administração de Bush (filho), Rosario Marin e Richard Armitage, a debandada de republicanos para o lado democrata tornou-se no leitmotiv mais ouvido nos discursos de Clinton que acolhe, orgulhosa, os chefes e as ideias do PR.
Surpresas e volatilidades
A campanha de Trump é uma casa a arder. Mesmo os sectores do PR que não apoiam Clinton adoptaram como estratégia a assunção de que Hillary já venceu as eleições. A 8 de Novembro, para além da presidência, disputa-se o Senado, a Câmara dos Representantes e centenas de escrutínios locais. A estratégia do PR consiste em promover a renovação da sua maioria no Congresso como contrapeso à presidência de Clinton, dando de barato a derrota de Trump. Acossado por inesgotáveis escândalos de assédio sexual, politicamente isolado e esconjurado pelas sondagens, pode parecer que Trump é a melhor coisa que podia ter acontecido a Clinton, mas nos palcos da política-espectáculo nem sempre o mais provável é o mais previsível.
Trump esconde tantos esqueletos no armário como Clinton. Os de Clinton, contudo, são menos metafóricos do que os do seu homólogo republicano. Com três décadas de serviço ao grande capital e ao imperialismo, o cadastro de Clinton começa no Haiti, dá a volta ao mundo e acaba nas Honduras. Da Jugoslávia à Líbia, passando pelo Estado de Nova Iorque e pela fundação a que dá o nome, Clinton deixou por onde passou um rasto de destruição económica, guerra e direitos sociais esmagados.
Com o historial de Clinton, a possibilidade de uma surpresa, um escândalo ou a revelação de segredo não deve ser excluída: é destas emoções que vive a própria democracia burguesa nos EUA. As contradições internas do capitalismo atingiram, neste país, tal grau de volatilidade que pode dar-se um fenómeno eleitoral imprevisível e se desminta o prematuro funeral de Trump. Afinal não há nenhum funeral em causa: só a escolha desapaixonada entre dois cancros terminais.
*Este artigo foi publicado no “Avante!” nº 2239, 27.10.2016