Este sugestivo e desafiante parágrafo é o início de uma viagem mais do que recomendável polo (galego)português à que nos convida o tradutor alentejano Marco Neves. E ligo galego e português com agrado porque, com muito bom critério, é o que o professor de Peniche fai na obra dele: Nom esquece de nós, seus “vizinhos do Norte”, que somos citados ao longo das páginas com a sensibilidade e a inteligência de um dos linguistas que acaba de publicar um dos mais interessantes livros sobre a nossa língua deste século XXI.
Na introduçom, o autor reflete sobre vários temas que serám desenvolvidos posteriormente: A relaçom do português com as variedades brasileira e galega, o sentimento tribal da comunidade linguística lusitana e o discurso escatológico da língua. Encerra esta secçom recomendando uma mudança na atitude dos falantes do português europeu que resume em seis pontos. Entre os quais, destaca o convite à abertura do português lusitano ao galego e ao português do Brasil: “não ver o galego e o português brasileiro como ameaças” aconselha o linguista português.
Na primeira parte, A língua da tribo, Neves reflexiona, entre outras cousas, sobre as palavras “intraduzíveis” da língua portuguesa, o mito do inexistente sotaque lisboeta, os regionalismos e as cansativas brigas por volta do acordo ortográfico onde fai um paralelismo com a falta de consenso no caso da normativa ortográfica para o galego. “Somos mais parecidos com os galegos do que pensamos”, conclui.
Na segunda parte, intitulada A família da língua, aborda mais pormenorizadamente a relaçom do português de Portugal com as falas galegas e brasileiras. Aliás, trata diferentes aspetos como a diversidade linguística peninsular, as ideias erradas que temos sobre as línguas, o curioso fenómeno da “martelada persa” ou a segunda língua oficial de Portugal, a variedade de astur-leonês conhecida como mirandês. O Couto Misto, república independente que ficava entre a Galiza e Portugal até o século XIX, ou os nomes que recebeu o ibero-romance ocidental, hoje conhecido internacionalmente por português, som outros dos conteúdos que ocupam as reflexons do professor.
Um agradável intervalo areja a leitura antes de retomar a intensa terceira parte. A língua e as crianças, discorre sobre palavras e miúdos. Som os sábios pensamentos de um linguista que para além de se dedicar profissionalmente à traduçom e ao ensino é também um pai leigo que fica impressionado com a relaçom dos filhos ou dos sobrinhos pequenos com a língua que estám a começar a falar.
O terceiro capítulo, O vício do pânico, debate sobre os supostos erros do português europeu e a suposta apocalipse de um dos idiomas mais falados do planeta. Utilizando-se dos argumentos da linguística moderna, Marco Neves sacode os corriqueiros preconceitos linguísticos presentes na nossa sociedade e demonstra com rigor que o abafante discurso dos “policiais da língua” sobre a destruiçom da língua portuguesa nom é mais que uma quimera.
Por último, na quarta parte, O que fazer com esta língua?, som fornecidas umas preciosas dicas sobre como melhorar a nossa escrita e como usar o nosso português mais e melhor.
Doze segredos da língua portuguesa é um livro fundamental para todas as pessoas amantes da língua que com diferentes sabores, sotaques e ritmos falamos na Galiza, em Portugal, no Brasil e na África lusófona.