Discutir isto é um linear acto antidemocrático e deve ser tratado como tal.
O ensino privado – que é um negócio como outro qualquer e, portanto, tem como objectivo central a obtenção de lucros –, aproveitou a oportunidade que se lhe abriu (no início dos anos 80) nos locais onde havia carência de escolas públicas, celebrando «contratos de associação» com o Estado para suprir essas falhas, enquanto elas se registarem.
Daí o investimento na construção de novas ou requalificação de antigas escolas ao longo dos anos, visando suprir as carências que deram origem aos contratos de associação e alargar a rede pública.
No governo Passos/Portas, o ministro da Educação, Nuno Crato, mudou o estatuto do Ensino Particular e Cooperativo em 2013, permitindo aos colégios e similares fazer acordos com o Estado mesmo onde exista oferta pública disponível e próxima – o que contraria frontalmente o preceito constitucional de escola pública e o estatuído sobre os objectivos dos contratos de associação – e, no final do seu mandato, Crato celebrou contratos por um período de três anos, consumando uma ilegalidade e projectando-a para o futuro, acompanhada duma gazua ideológica também ilegal e de direita: a do «direito de escolher a escola dos filhos».
Uma gazua ilegal, não porque os pais não possam escolher a escola onde querem meter os filhos – podem fazê-lo, desde que a paguem, caso seja privada, a não ser onde a escola pública não tem condições para acolher esses alunos –, mas uma falácia não consentânea com o preceito constitucional do ensino universal e gratuito e que PSD e CDS, apostados em fomentar uma «guerra», insistem em brandir. Uma falácia e uma hipocrisia tanto mais graves quanto, em Junho de 2015, o Ministério da Educação presidido então por Nuno Crato reconhecia sem sofismas que «qualquer assumpção de compromissos pluri-anuais que obrigue o Estado a fazer contratos quando não há carência é ilegal».
Sejamos claros: este «não problema» dos contratos de associação resulta dum desmando legislativo praticado pelo ministro Crato em fim de mandato e quando já estava com um pé fora do governo.
Invocar esse desmando como «compromisso do Estado» é tão grotesco como achar que legislação aprovada por um governo seja inamovível pelo Executivo seguinte, mesmo que tal legislação haja sido aprovada ao arrepio de normas constitucionais e fundamentos da República democrática.
Daí a falsa polémica sobre «o direito à escolha da escola», que só existe no nosso ordenamento jurídico-constitucional para quem se disponha a pagar os preços e custos das escolas privadas.
Que é o que, pelos vistos, alguns não querem: pagar.
Mas querem que o dinheiro público lhes pague os gostos privados.
Tá bem, abelha.