O novo decreto substitui o Decreto 2.184 que tinha sido promulgado no dia 14 de janeiro de 2016 que permitia ao executivo ampla atuação nas questões econômicas, por fora do controle da Assembleia Nacional, controlada pela direita. A dissolução da Assembleia Nacional existe, mas a brutal crise econômica impediria a estabilização. Muito menos ainda nas condições do aumento das pressões do imperialismo.
Não existem dados oficiais sobre a inflação na Venezuela, mas se calcula que esteja entre os 200% e os 400% anuais. As condições de vida dos trabalhadores enfrentam o desabastecimento crônica e os baixíssimos salários.
O governo chavista se transformou numa espécie de “zumbi político” que somente se mantém por meio do apoio das forças armadas e do Poder Judiciário. A tentativa de buscar uma saída para a crise negociada com a direita agora passou a ser mediada pelo Papa. Mas qualquer negociação se enfrenta com o alto grau de radicalização das massas e o crescimento das tendências revolucionárias. A função do chavismo sempre fez de contenção da organização independente dos trabalhadores. Hoje essa função se tornou ainda mais crítica para a estabilidade do conjunto do regime burguês. Mas o aprofundamento das contradições fazem com que os vários setores do chavismo atuem de maneira muito contraditória.
ALÉM DA “GUERRA ECONÔMICA”
A propaganda do governo chavista tem colocado no centro da crise a “guerra econômica”, inclusive com a queda dos preços do petróleo como um componente específico contra a Venezuela e a Rússia. Esta última questão envolve vários outros elementos, a começar pelo aprofundamento da crise capitalista mundial, a produção de petróleo e gás nos Estados Unidos a partir do xisto e ao aumento das contradições com a Arábia Saudita.
A guerra econômica sempre foi enfrentada pelos governos chavistas, mas, no último período, ficou muito mais difícil de ser enfrentada por causa da brutal queda da renda petrolífera que representa 96% das divisas e 45% do PIB. É preciso considerar também a burocratização da cúpula e das camadas médias do chavismo que se distanciaram das bases, de maneira crescente e até reconhecida publicamente pelo presidente Nicolás Maduro. É preciso considerar as 50 grandes empresas nacionalizadas, prévias indenizações, e que não saíram do chão devido, principalmente, ao burocratismo. Os privilégios da cúpula do setor público que passou a receber 70% das divisas, enquanto no período anterior representavam apenas 30% do total. Boa parte do contrabando dos combustíveis e alimentos, da Venezuela para a Colômbia, era controlado pela oficialidade das forças armadas, até o governo ter declarado o estado de excesso em vários municípios da fronteira e ter expulso do país colombianos que moravam na Venezuela havia anos.
O descontentamento da população com o governo chavista foi às alturas por causa do desabastecimento, mas também pela burocratização do chavismo. O poder de contenção das Misiones, os programas sociais, que hoje consomem 42% do orçamento público, e dos subsídios que consomem mais de 15%, não têm sido suficientes para conter o crescente descontentamento social. No próximo período, veremos até que ponto o chamado de Nicolás Maduro poderá levar o chavismo a renascer. O problema central será como manter a economia funcionando em cima das políticas atuais.
A situação política atual da Venezuela lembra, em certa medida, a situação existente na década de 1980, na Europa Oriental, nos ditos “países socialistas”, quando as políticas sociais ficaram enforcadas pela pressão da crise capitalista que tinha se aberto em 1974. Da mesma maneira, o endividamento aos monopólios ocidentais era brutal; no caso da Venezuela, seria necessário incluir o endividamento com a China. A ineficiência da economia também era gigantesca.
PARA ONDE VAI O CHAVISMO?
Está colocado para o próximo período o aumento da disputa entre a ala esquerda do chavismo e a ala direita.
Os governadores que se agrupam no Movimento 4F foram citados por Henrique Capriles como os principais candidatos à aproximação com a direita. Alguns membros da cúpula do PSUV têm proximidade com esse movimento, como o atual presidente da Assembleia Legislativa, Diosdado Cabello, o governador do Estado de Aragua, Tareck El Aissami, e o chefe da Guarda Nacional Nestor Reverol. Sobre eles três há mandados de prisão e extradição aos Estados Unidos por suposto envolvimento com o tráfego de drogas.
As medidas propostas pelo PSUV e pelos movimentos sociais envolvem a política da radicalização social contra a própria burocracia do PSUV e do estado, o que vai contra os privilégios que existem hoje. A substituição das importações requer colocar em produção empresas eficientes, o que até o momento não conseguiu ser feito apesar dos altos preços do petróleo. E agora o tempo parece está indo muito mais rápido que a capacidade para conter o aprofundamento da crise capitalista.
Uma possibilidade seria declarar a moratória da dívida pública, mais isso geraria uma onda de sanções, inclusive dos sócios chineses que a inviabilizam. O direcionamento para a expropriação dos grandes capitalistas e o rompimento com o imperialismo não está contemplado na Constituição Bolivariana. Nem é a intenção ir além dela conforme o Presidente Maduro o tem repetido até a exaustão. É possível ascender uma vela para deus e outra para o diabo, como diz o dito popular? É altamente improvável. O que é mais provável é o racha do chavismo, com o surgimento de uma ala direitista, mais próxima à direita, e uma ala esquerda mais próxima com o chavismo original, mas que deverá romper com o chavismo para avançar.
Os movimentos sociais é a ala mais radical do chavismo. Mas ainda deverá entrar em cena a classe operária, principalmente os setores da indústria petrolífera que deverão entrar em movimento, impulsionados pela mobilização dos movimentos sociais, contra os ataques da direita. A reação, de fato, já começou.
Os Coletivos também deverão tomar rumos diferentes. Alguns deles, deverão se juntar à ala esquerda, mas há vários que se encontram altamente burocratizados e alguns, inclusive, controlados pela direita.
AS CAUSAS DO COLAPSO ELEITORAL DO CHAVISMO
A arrasadora derrota eleitoral do chavismo, nos próprios redutos chavistas, demostra que a crise do regime tem vários componentes. A guerra econômica é um deles, e está vinculado estreitamente à enorme queda dos preços do petróleo. Maduro tem tentado divulgar que o colapso dos preços do petróleo teria sido promovida artificialmente para afetar a Venezuela e a Rússia em primeiro lugar. Mas o buraco fica mais embaixo e envolve a crise capitalista mundial como um todo, a recessão industrial mundial, a desaceleração na China e o aumento das contradições entre a Arábia Saudita e os Estados Unidos. Estes deixaram de importar petróleo para eles mesmos se converterem em exportadores a partir da produção ultra depredadora a partir do xisto.
Os programas sociais, implementados por meio das Misiones, representam mais de 40% do orçamento público. Somando os subsídios, esse percentual sobe para 60%, o que revela o altíssimo grau de acirramento das contradições sociais e a impossibilidade de dar continuidade a essa política com os atuais preços do petróleo. As divisas obtidas pelo petróleo são responsáveis por 96% do total e por mais de 40% do PIB venezuelano. Por esse motivo, muitas importações têm enfrentado crescentes dificuldades, inclusive de alimentos, medicamentos, peças e insumos, entre outros.
Setores dos capitalistas foram beneficiados com os recursos públicos, tanto nas obras públicas como nas importações a preços subsidiados. Enquanto os dólar paralelo está em torno a 800 bolívares, os capitalistas recebem dólares subsidiados a seis bolívares, embora que em quantias cada vez menores. Obviamente, os desvios têm se tornado muito mais frequentes que as compras para vender os produtos aos preços subsidiados impostos pelo governo. O mercado paralelo, ou como os venezuelanos o chamam “o bachaqueo”, não para de crescer. As filas para obter os componentes da cesta básica são enormes. As pessoas dependem do dia da semana e do RG para realizarem as compras, e, muitas vezes, acontece de não conseguirem os produtos após terem ficado horas nas filas.
A industrialização e a diversificação da economia não saiu do papel, em boa medida, por conta das políticas assistencialistas promovidas pelo próprio Hugo Chávez, em cima dos altos preços do petróleo. Por conta da pressão do imperialismo, do boicote dos grandes empresários, do burocratismo e das limitações do chavismo, assim como pela ação das próprias leis do capitalismo, a economia da Venezuela ter se tornado cada vez mais unilateral e dependente do petróleo.
Agora o chavismo foi colocado contra as cordas, em parte pela direita, mas em primeiro lugar, pela radicalização das massas.
Em abril, aconteceram dois rachas no PSUV. O mais importante deles foi o de Marea Popular, um grupo trotskista encabeçado por dois ex ministros de Hugo Chávez. Mas foi um racha a la Psol. Esse grupo foi responsável pela política econômica do chavismo durante um período. Por outra parte, esse racha refletiu a abertura das contradições conforme aumentavam os problemas. A partir da queda da renda petrolífera, inevitavelmente, a base material do chavismo se enfraquecia.