A Venezuela vive um clima de guerra «sem bombas» (por enquanto). Os agressores chefiados pelos EUA e a sua 5ª coluna de traidores nacionais apostam na criação de uma situação de caos que justifique a intervenção militar directa. Depois deste relatório que publicamos houve já novo ataque de grande escala. Mas os agressores não contavam com um tal nível de resistência popular, nem com a solidariedade de povos de todo o mundo para com a Venezuela bolivariana.
1. O preâmbulo: ameaças de intervenção e o fracasso do “plano Guaidó”
A escalada da desestabilização contra a Venezuela, empreendida nesta nova fase desde Janeiro deste ano, procurou empurrar o país novamente para a guerra.
Por entre ameaças de intervenção militar, em 23 de Janeiro deste ano, os Estados Unidos e seus aliados reconheceram Juan Guaidó como “presidente”, ignorando a Constituição venezuelana e os 6 milhões de venezuelanos que nas eleições de 20 de Maio de 2018 deram a vitória a Nicolás Maduro.
Nos últimos dois meses foram aprofundados todos os mecanismos de asfixia contra o país. Desde contas bancárias até activos da República foram congelados por parte do governo dos EUA. Destacam-se entre esses casos o bloqueio de 1.200 milhões de dólares em ouro propriedade da Venezuela no Banco da Inglaterra e a confiscação da CITGO, filial da PDVSA em solo norte-americano.
Calcula-se em 30 milhares de milhões de dólares a quantia de dinheiro venezuelano que os Estados Unidos sequestraram, utilizando como justificação a “proteção” desses recursos para os entregar ao “governo” artificial de Juan Guaidó.
Aceleraram também mecanismos de cerco diplomático e comunicacional, com o objectivo de isolar o país em espaços internacionais. Tal como nos casos trágicos da Líbia e da Síria, dois países onde os Estados Unidos intervieram, o uso da diplomacia e da propaganda como armas de guerra implica uma mistura explosiva e perigosa.
Mas o plano sofreu vários fracassos. Um deles ocorreu em 23 de Fevereiro, dia em que utilizando a farsa da “ajuda humanitária” tentaram criar uma fractura na Força Armada Nacional Bolivariana (FANB) e, assim, derrubar Nicolas Maduro.
A parafernália “humanitária” com concerto Aid Venezuela em Cúcuta e o suposto carácter pacífico da “bem-intencionada ajuda,” esgotaram-se em poucas horas com a violência nas pontes internacionais e a tentativa de entrada de grupos violentos, que pretendiam emboscar o país a partir da sua fronteira com a Colômbia.
A guerra irregular, mercenária, adquiriu assim um matiz visível e inegável. No entanto, o país preservou sua calma e a instituição militar permaneceu coesa e imperturbável, desgastando e derrotando o roteiro da desestabilização, da promoção do caos e a propagação de um conflito interno.
A partir desse ponto, começou a ser muito mais perceptível o esgotamento que vem sofrendo a agenda do golpe de Estado contra a Venezuela. O jornal financeiro Bloomberg indicou que estando Juan Guaidó na Colômbia estava programado um circuito seu por capitais europeias, mas as autoridades dos EUA ordenaram-lhe que regressasse à Venezuela “para aproveitar o impulso que ainda lhe restava”, e, portanto, “procurar ser preso” para que assim pudessem ser detonadas novas reacções de força por parte dos Estados Unidos. Sabiam que estavam a disputar uma corrida contra o tempo e precisavam de estimular a intervenção militar.
Ao mesmo tempo, assinalava o jornal norte-americanos, era visível o esgotamento do golpe. A presença de Guaidó era cada vez mais reduzida no âmbito interno da Venezuela e no estrangeiro. O país não sucumbia à violência. Ao mesmo tempo, a integridade política da institucionalidade venezuelana mantinha-se alinhada com o presidente Maduro e a possibilidade da chamada “cessação da usurpação” viu-se cada vez mais distante.
Entretanto, no Conselho de Segurança da ONU, a Venezuela infligiu sérias derrotas à agenda dos EUA, através do duplo veto russo e chinês contra um projeto de resolução que aprofundava a ingerência na Venezuela.
Estes elementos descrevem uma corrida contra o tempo em que os Estados Unidos vêm a cada dia que passa a incapacidade de executar o golpe de Estado instantâneo por meio da pressão e da desestabilização. Com acções de guerra que tentam produzir não só o derrubamento de Maduro, promovem também a fractura da sociedade venezuelana para abrir caminho à intervenção.
É por isso que, na Venezuela, estão cada vez mais a tomar forma os elementos precisos de uma guerra irregular em desenvolvimento que tenta escalar para a fase de guerra aberta.
Neste contexto, ocorreu em 7 de Março o recente ataque ao sistema elétrico nacional.
A agudização da guerra contra a Venezuela envolveria a variável de sabotagem em grande escala para produzir um maior desgaste nos componentes de segurança na Venezuela, que seria extensivo à população através da degradação das suas condições de vida. Estes são elementos essenciais para continuar a construir o expediente da “crise humanitária” que possibilite a intervenção militar.
Com efeito, uma semana após o ataque eléctrico à Venezuela, o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, asseverou que o governo do seu país vai insistir na entrada da “ajuda humanitária”, incorporando agora o elemento do caos. Depois, com a sabotagem elétrica, ficámos a saber a que se referia Mike Pompeo.
2. Ataque ao sistema elétrico nacional: dados concretos e irrefutáveis
Por volta das 17h de quinta-feira, 7 de Março, houve um colapso nos sistemas essenciais de fornecimento de electricidade em mais de 80% do território nacional. O apagão foi repentino e geral.
O ministro da Energia Eléctrica, Luis Motta Domínguez, informou pouco depois que o ocorrido correspondia a uma “guerra elétrica” e um acto de sabotagem à principal central hidrelétrica venezuelana na barragem de Guri, no estado de Bolívar. O presidente Maduro, na sua primeira aparição perante o país, informou que o ataque ao sistema eléctrico nacional operara por meio de três modalidades.
A primeira delas, por meio do hackeamento do cérebro e dos sistemas de controlo dos sistemas de transmissão eléctrica. Estes sistemas teriam sido invadidos por via electrónica “deixando negras as telas de computador”, disse o presidente. Para o dia de segunda-feira 11, indicou também que os ataques foram feitos a partir das cidades norte-americanas de Houston e Chicago, sustentando que o próprio governo dos EUA era responsável pelo ataque cibernético.
A segunda modalidade de ataque foi através do uso de dispositivos de impulso eletromagnético. Dispositivos altamente sofisticados de guerra electrónica, que visaram os sistemas de transmissão e a plataforma de controlo para os desactivar, problema que geraria uma sobrecarga do sistema e o seu colapso.
A terceira modalidade de ataque, seria de tipo físico e em directo às plataformas intermedias de distribuição eléctrica. Houve 5 ataques a 4 subestações, com pouco tempo de intervalo entre cada um desses eventos, justamente nos dias em que se tentou levantar e estabilizar o fornecimento de electricidade.
A meio do ataque, a revista norte-americana Forbes publicou uma nota de Kaev Leetrau, onde afirmou que era “muito realista” a afirmação de que o governo dos EUA efectivamente lançou um ataque cibernético contra o sistema eléctrico venezuelano.
Este colunista especializado em assuntos de inteligência artificial e Big Data disse textualmente que “a ideia de que um estado estrangeiro manipule a rede eléctrica para forçar um governo de transição é muito real”. Acrescentou que essas modalidades de ataque “são cada vez mais discutidas nas comunidades de segurança nacional (dos EUA) como tácticas legais e legítimas para minar um Estado estrangeiro”.
Leetrau acrescentou que “dada a preocupação do governo dos EUA com o governo venezuelano, é provável que Washington já tenha uma presença profunda dentro da rede nacional de infraestrutura do país, o que torna relativamente fácil interferir nas suas operações”.
A posição deste autor da Forbes é consistente com o que aconteceu na Venezuela. A sabotagem em larga escala torna-se então um componente essencial de desgaste das autoridades venezuelanas e da população em geral.
Outra confirmação de que o que aconteceu na Venezuela no início de Março não foi simplesmente um apagão causado pela falta de manutenção do sistema elétrico e que, efectivamente por detrás do colapso de todos os serviços de energia estava um ataque em grande escala, chegou pela voz da porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, María Zakhárova, que afirmou que o blackout foi organizado no exterior por pessoas com conhecimento do sistema eléctrico nacional.
Citou fontes com conhecimento dos sistemas técnicos, dizendo que a operação de blackout foi realizada numa “ação complexa à distância” contra o sistema de controlo das principais centrais eléctricas, que possuem equipamentos fabricados no Canadá: “Todos os algoritmos de operação e pontos vulneráveis dos equipamentos desses sistemas eram bem conhecidos pelo organizador directo da agressão. ”
Zakhárova disse também que a responsabilidade pelas consequências do apagão, incluindo a morte de pessoas devido à falta de electricidade nos hospitais, recai sobre aqueles que ordenaram o ataque.
3. Profecias, celebração nos EUA e notícias falsas
Durante os dias do ataque ao sistema eléctrico venezuelano não se fizeram esperar as reacções de júbilo por parte dos principais funcionários norte-americanos que têm estado activos na desestabilização da Venezuela: Mike Pompeo, Secretário de Estado, John Bolton, Assessor de Segurança da Casa Branca e Marco Rubio, senador republicano pelo estado da Flórida.
Rubio fez várias “profecias” do ataque, afirmando na quarta-feira, 6 de Março que nas próximas horas “a população venezuelana sofreria uma severa escassez de comida e gasolina”. Isto foi 48 horas antes do ataque.
Ao meio-dia de 7 de Março, durante uma audiência na Subcomissão de Relações Exteriores do Senado focada na Venezuela, o senador Marco Rubio advertiu que a nação “ia entrar num período de sofrimento que nenhuma nação enfrentou na história moderna”. Isto foi dito cinco horas antes da sabotagem eléctrica que deixou a Venezuela sem o serviço, mostrando que estava informado do que aconteceria à noite.
Mesmo antes de o ministro da Comunicação, Jorge Rodríguez, informar os media sobre o alcance do ataque ao sistema elétrico, Rubio disse no seu Twitter que “geradores de emergência falharam”, sem por um segundo ocultar a sua emoção. A informação privilegiada com que Rubio contava no momento do ataque, além da profecia de horas antes, sugere sua conexão com o ataque eléctrico.
Na sexta-feira 8 e sábado 9 o senador dedicou-se a vitoriar a circunstância do apagão e foi um dos promotores da narrativa que indicava que o colapso do sistema elétrico se devia a “inoperância” do governo venezuelano.
Ao mesmo tempo Juan Guaidó, que também podemos considerar como um funcionário dos EUA, mas em solo venezuelano, afirmava na sua conta no Twitter que “a luz voltaria à Venezuela quando cessasse a usurpação”, num claro ato de extorsão contra a população venezuelana que sofria os impactos do ataque.
Marco Rubio e Juan Guaidó, claramente articulados na sua narrativa, lançaram notícias falsas sobre supostas mortes de recém-nascidos no Hospital Universitário de Maracaibo, no estado de Zulia e em outros hospitais do sistema nacional de saúde pública. Ao mesmo tempo diversas ONG como Codevida e outras, repetiam dirigindo-se ao estrangeiro, a várias publicações e eventos relatos não confirmados de mortes, de caos e de perda da ordem pública no território nacional, criando uma imagem desproporcionada e manipuladora dos acontecimento, sustentando a temática da ” crise humanitária “.
ONGs como Codevida e outras, correspondendo às directrizes de Marco Rubio, afirmaram que 80 recém-nascidos tinham morrido juntamente com mais de 200 pessoas. Este número foi desmentido pela presidente da Associação Médica do estado de Zulia, Dianela Parra.
Mike Pompeo entretanto, anunciava nas redes sociais que a situação na Venezuela era “sem medicamentos, sem comida, agora sem electricidade e em breve, sem Maduro”. Fazendo uma clara apologia das sanções que tem promovido e dos efeitos do ataque eléctrico contra o país.
Entretanto e ainda em tempo do apagão, John Bolton declarou que os militares venezuelanos deviam “aceitar a amnistia de Guaidó” para assestar um golpe de Estado contra o presidente Maduro, tentando mais uma vez quebrar a integridade da FANB e promover movimentos descontrolados num corpo que, pelo contrário, se juntara aos trabalhos de estabilização e protecção do sistema eléctrico nacional.
Para os propósitos dos media estrangeiros e de vários actores políticos alinhados contra a Venezuela, a situação do país naqueles dias de escuridão serviu para aprofundar a argumentação da “crise humanitária” e a indicação do país em “caos”. Componentes essenciais da sua narrativa de intervenção. Diante da quebra da electricidade e de vários dos sistemas de comunicações a partir da Venezuela, era evidente que campeava a desinformação e muitos meios de comunicações se dedicaram a desinformar e difundir as indicações dos funcionários dos EUA.
4. Os dias críticos do apagão: recidivas e recomposição do sistema eléctrico
O apagão coincidiu com o culminar do dia de trabalho para a maioria da população. O tráfego foi afectado pela ausência de semáforos operacionais. Em cidades com metro como Caracas, Los Teques, Valencia e Maracaibo, o transporte terrestre viu-se sobrecarregado com pessoas que não puderam usar esse sistema. Da mesma forma, a inoperactividade do sistema ferroviário que liga os Valles del Tuy com Caracas fez colapsar as unidades terrestres.
O sistema telefónico foi afectado e apenas aqueles que estavam ao alcance de antenas repetidoras com sistema de energia alternativo puderam comunicar por telefone celular. Muitas pessoas souberam, graças às estações de rádio, que o apagão era nacional. Aqueles que tinham transporte privado puderam utilizar os seus veículos como fonte de energia para recarregar telefones e ouvir a rádio.
A informação oficial sobre a sabotagem na Central Hidroeléctrica em Guri foi envolvida com intensa campanha fatalista, especialmente em torno dos centros de saúde, ainda e quando o governo tinha activado desde a primeira noite planos de contingência quanto à segurança, com a polícia e a Guarda Nacional Bolivariana, bem como o sistema de saúde, supervisionando activação e operação dos geradores dispostos para o efeito, e garantindo o abastecimento de água por meio de cisternas.
Para muitos, a primeira noite foi de recolhimento, expectativa e reserva. Sexta-feira 8 começou o dia com a confirmação de que a sabotagem tinha sido de grande alcance, foram suspensas as actividades académicas e laborais, com a notícia de uma recuperação gradual e progressiva do serviço, começando pelos estados do oriente do país, comunicava-se por vias oficiais e extra-oficiais; ainda assim, para muitos houve uma segunda noite às escuras.
No sábado de manhã, com uma recuperação significativa do serviço, houve um novo apagão generalizado. Mais tarde, saber-se-ia que havia sido realizado um novo ataque. Aos inconvenientes da falta de electricidade começaria a juntar-se a impossibilidade de realização de actividades adiadas e que começavam a tornar-se importantes e/ou urgentes como o abastecimento de gasolina, a compra de alimentos e o bombeamento de água potável.
O fornecimento de gasolina foi afectado na medida em que as bombas tinham ou não gerador, o sistema bancário não funcionava ou funcionava mal, afectando a atividade comercial; em Caracas, as lojas viam-se também afectadas por não contarem com o pessoal completo e, por último mas não menos importante, o abastecimento de água potável para a maioria das zonas do país beber foi afectado face à impossibilidade de activar as bombas sem energia eléctrica; somente aquelas comunidades com abastecimento de fontes de água a cotas mais elevadas puderam continuar a contar com o serviço.
Os operadores políticos da oposição venezuelana sob o comando do deputado Juan Guaidó, em vez assumirem uma atitude colaborativa e de apoio à comunidade para superar a crise, aproveitaram a oportunidade para ampliar a ansiedade e angústia e tentar lançar a anarquia nas ruas, encorajando as tentativas de violência e pilhagem, que não chegaram a alastrar.
O ciberataque contra cérebro computorizado de CORPOELEC na hidroeléctrica de Guri e contra o cérebro de condução em Caracas, foi seguido por ataques tipificados pelo Presidente Maduro como operações eletromagnéticos e simultaneamente sabotagens a outras infraestruturas de apoio que reverteram os processos de recuperação com o a fim de elevar a aposta pelo colapso geral e irreversível.
O Presidente Nicolas Maduro, fez especial ênfase em uma das sabotagens directas desta operação em três fases: a explosão de subestações eléctricas em Baruta e El Hatillo, provocando incêndios nas primeiras horas da madrugada de segunda-feira. Grande parte de Caracas sofreu novamente um corte de energia.
O ministro das Comunicações, Jorge Rodríguez, acrescentou ao registo das instalações afectadas pelos ataques programados a sabotagem à central termoeléctrica de Tacoa, localizada em Vargas. Ali cortaram o gás que abastece a estação, causando uma explosão e impedindo a sua operação como um elemento de contingência ao blackout dentro da capital.
Na Venezuela funciona um sistema misto de geração de energia: a hidroeléctrica que abastece a maior parte do país e a termoeléctrica. A capital, por ter uma grande parte da população concentrada, é alimentada por ambas as fontes. Rodríguez explicou que, se o apagão acontecesse por razões fortuitas “facilmente, a Grande Caracas poderia ter podido alimentar-se de Tacoa”.
Foram referidas outras explosões de transformadores no interior do país, afectando principalmente a região oeste. Em Zulia, a explosão foi relatada na terça-feira 12 à tarde, no sector de Las Cabillas do município de Cabimas. Este estado sofreu também com açcões violentas irregulares que afectaram várias lojas. Também no município de Larense, em Cabudare, ocorreu a explosão de outra subestação na segunda-feira 11, causando maiores atrasos na restituição da energia na região.
5. As consequências físicas do blackout e os apelos de Guaidó à violência
As consequências imediatas após o colapso dos sistemas e subsistemas eléctricos surgiram de forma diversificada no território nacional à medida que passaram as horas, gerando sérias situações de adversidade, desconforto na maioria dos casos e de resiliência em muitos outros.
Vários meios de comunicação nacionais como El Universal e El Correo del Orinoco referiram nas suas redes o colapso do tráfego de veículos na capital, uma vez que a perda de fluido elétrico ocorreu na hora de ponta. As operações do Metro de Caracas foram interrompidas e a população teve que se deslocar a pé ou por outros meios para chegar na casa na noite de quinta-feira 7.
A perda de energia eléctrica levou ao colapso das plataformas e sistemas de pagamento electrónico, gerando sérias complicações para os consumidores em todo o país nas horas seguintes ao apagão. Essa queda seria extensiva aos dias posteriores, uma vez que as plataformas bancárias viram por algum tempo esgotar-se os seus serviços de autogeração por geradores eléctricos que sofreram sobrecarga nas horas de funcionamento. Os pontos de venda em colapso combinados com deficiências persistentes no fluxo de dinheiro vivo complicaram durante a sexta-feira e sábado seguintes as compras essenciais entre a população.
Foram também afectadas as vendas e o manuseio de produtos perecíveis, como carnes e vegetais. A Federação Nacional de Criadores de Gado referiu a perda de cerca de 2 milhões de quilos de carne bovina em matadouros e açougues durante o apagão. Nos lares, muitas famílias optaram por fazer churrascos e consumir esses alimentos o mais rápido possível.
Em algumas cidades com elevadas temperaturas os incómodos foram ainda maiores, cidades como Maracaibo, onde o uso de ar condicionado é habitual, a adversidade foi superior à das outras cidades. O serviço de água foi afetado em cidades e vilas que dependem de bombas hidráulicas para o seu fornecimento. Uma imensa parte do território nacional.
Houve também a quebra das plataformas de comunicação telefónica e internet em todo o país, de forma circunstancial e intermitentemente em algumas cidades. Os servidores CANTV, ABA, Movilnet, Digitel e Movistar, que dependem de antenas transmissoras com baterias, viram a queda progressiva dos seus sinais à medida que a potência dos acumuladores das suas antenas se esgotava com a passagem das horas e dos dias. As plataformas de serviço de cabo também foram afectadas, exceptuando-se as plataformas de satélite como DirecTv. Muitas famílias e empresas com geradores de energia puderam aceder a serviços de TV nacionais e estrangeiros a partir desses sinais de satélite.
Em muitas cidades foi referida a queda dos sinais de rádio e televisão de sinal aberto. Muitas estações não têm geradores de electricidade e as que os têm esgotaram o combustível que as fazia funcionar. O blackout, além de eléctrico, foi informativo, uma vez que muitas das poucas emissoras no ar se dedicaram a colocar música violentando a sua obrigação de manter a população informada sobre os acontecimentos em evolução.
As quebras nos sistemas de comunicação e no espectro radioelétrico serviram de caldo para que em várias regiões do país, especialmente na região andina, a incerteza e a desinformação prevalecessem sobre o que estava acontecendo. Um insumo adicional às variáveis de guerra irregular em processo, os rumores, as informações falsas e as distorções sobre os acontecimentos, permearam a sociedade levando, em muitos casos parte da população a reacções de nervosismo.
No estado de Zulia, foi referido o saque por grupos violentos de depósitos da Empresas Polar: foram roubados cerveja, refrigerantes e outras bebidas. Juan Guaidó na sua conta na rede social Twitter, justificou os saques que ocorreram em alguns estabelecimentos apontando que era a “fome” que guiava essas ações.
Muitas estações de serviço não têm um gerador de electricidade para o fornecimento de combustível e isso contribuiu seriamente para o colapso do fornecimento. Foram vistas filas para a gasolina em lugares no país onde não eram comuns e a mobilidade da população foi seriamente afectada. O fluxo de combustível foi também usado para alimentar geradores de eletricidade. A profecia auto-cumprida de Marco Rubio sobre o colapso da gasolina e dos alimentos entraria em vigor. Apesar disso, a continuidade no sistema de abastecimento de combustível por parte da PDVSA nas suas instalações de distribuição e camiões cisterna, atenuou o impacto e o transporte de pessoas e comida permaneceu a meio gás e sem interrupção.
Em algumas cidades foram relatadas barricadas e encerramentos violentos de vias, em uníssono apelos para saquear e executar actos violentos por parte de Guaidó e de outros rostos visíveis da oposição venezuelana, que tentaram instigar reacções entre a população e apelaram aos seus acólitos para espalhar o caos. Foi assim que a componente violenta, amplamente rejeitada pela grande maioria nacional, apareceu circunstancialmente em vários eixos urbanos como reprodução da violência de rua, pano de fundo e cenário favorável para a apresentação do “país em caos” usado como recurso pelos promotores da intervenção na Venezuela. No entanto, a violência não prosperou como alguns esperavam. O apagão serviu para que muitos se entrincheirassem nas suas casas.
E para domingo, as informações oficiais e o restabelecimento parcial e intermitente do fornecimento de electricidade em várias cidades do interior do país, contribuíram enormemente para a calma e a resiliência de uma grande maioria da população, que geriu a conjuntura com as suas famílias através da entreajuda, a solidariedade e o apoio.
Circulavam já em várias plataformas de redes móveis e na TV informações sobre a recuperação do sistema eléctrico, a calma generalizada e ausência de elementos de desestabilização em grande escala que comprometessem a integridade nacional.
Na segunda-feira, o presidente Nicolas Maduro dava conta ao país das ações da Força Armada Nacional Bolivariana na contingência, da implantação dos seus dispositivos de segurança e da derrota declarada do golpe eléctrico. O Presidente deu instruções ao corpo militar no sentido de fornecer combustível aos geradores dos centros de saúde nas zonas ainda afectadas e destacou o retorno progressivo das plataformas de comunicação e demais serviços dependentes do sistema eléctrico.
A partir daí, Maduro deixou claro que era o Governo Bolivariano e nenhum outro, quem dispunha do uso efectivo do poder e da administração para assumir as tarefas de normalização da vida quotidiana. Um enorme revés para o guião expresso nos ataques, que previa uma fragmentação do país e um “enorme” sofrimento da população. Esses objectivos não foram cumpridos. A desarticulação dos ataques, em tempo “recorde”, dada a gravidade dos mesmos, foi fundamental para deixar claro o sentido de segurança estratégica integral que rege a administração bolivariana.
O retorno da normalidade na maior parte do território nacional na terça-feira apontou para a normalização do sistema eléctrico e a superação das grandes vulnerabilidades. A reinstalação e o processo de inicialização manual do fluxo elétrico, recordou a recuperação do cérebro da PDVSA no ano de 2003 durante a sabotagem petroleira, desta vez com maior sentido de urgência e um maior nível de clareza da direcção política do Estado sobre a particularidade e gravidade do evento.
A derrota do golpe eléctrico, assim referido pelo presidente Maduro, significou até hoje um dos eventos mais significativos no resgate da população em geral, que tem sido vítima de um acto terrorista de grande escala, com a intenção de minar a governabilidade, a estabilidade política e a coesão social.
6. A reação do povo: o trabalho conjunto entre povo e governo
A magnitude do ataque eléctrico teria resultado num colapso total do país, materializando o “Estado falhado” que o antichavismo internacional invoca para justificar a agressão militar directa, se não tivesse havido a mobilização imediata do Governo para estabilizar a situação e o ânimo dos venezuelanos para enfrentar os problemas, superá-los e construir soluções criativas.
Os testemunhos de solidariedade transcendem o anedótico. Em todo o território, o consenso geral em não se deixar vencer pela angústia e estabelecer planos familiares e sectoriais para atender às necessidades mais prementes. Ainda que o chavismo assuma a experiência da organização de base e do seu espírito, nos dias do apagão boa parte dos opositores comuns que deviam responder aos apelos a protestos violentos não o fizeram.
Em grupos de vizinhos, as pessoas resolviam o processo de preparação de alimentos, muitas vezes utilizando lenha, porque a reserva de gás esgotou-se. Localizaram zonas próximas onde podiam ter acesso a água limpa para limpeza pessoal e doméstica. Estiveram à disposição os veículos para fazer transferências de emergência e também os telefones celulares e telefones fixos que tinham sinal, para comunicar com parentes e manter-se informados dos progressos relativos aos trabalhos no Complexo Guri.
Há que destacar o trabalho anterior dos Comités Locais de Abastecimento e Produção (CLAP). Em alguns estados, a distribuição de alimentos e gás doméstico prosseguiu mesmo com a dificuldade das comunicações.
Os líderes dos CLAP têm registos de levantamento das características específicas do seu sector: número da população, crianças e idosos, doentes, alimentos, acesso a água potável e gás de todos os membros de cada grupo familiar. Isto serviu de apoio para dispor de um mapa das áreas mais fortes e das mais precárias, permitindo que cada comunidade agisse de acordo. Deste modo, o Governo pôde coordenar com esta organização e reduzir os efeitos prejudiciais.
Outros grupos organizados acompanharam o Estado nas pequenas tarefas para sustentar a vitalidade das pessoas mais expostas a danos. Um exemplo foi o que aconteceu no hospital JM de los Rios, onde além de garantir os cuidados médicos às crianças hospitalizadas foram visitados por gente da cultura e artistas, que proporcionaram efectivamente horas de calma no meio da incerteza.
A união cívico militar esteve igualmente presente na ofensiva do chavismo. O ministro da Defesa, Vladimir Padrino López destacou a presença dos diversos órgãos da Força Armada Nacional Bolivariana tanto para restabelecer os serviços básicos como para proteger a população venezuelana.
Uma imagem extraordinária que o panorama da sabotagem eléctrica deixou foram as noites que, longe de intimidar cidadãos acostumados a estar encerrados nas suas casas iluminadas com televisores e computadores, serviram de adorno às festas de rua improvisadas em que as crianças brincavam no escuro enquanto os adultos trocavam alternativas sobre como proteger os alimentos, socializar informações sobre os pontos de atendimento médico, instalações comerciais e farmácias em funcionamento.
Reuniões indispensáveis para afastar a desmoralização.
Cada história particular revela um comportamento da sociedade que tem sido moldado pelos ensaios do chavismo nas práticas de participação popular tanto como nos traços mais elementares do instinto venezuelano.
Foi essa parte do tecido social com um estilo de vida mais modesto que deu o exemplo de resistência em meio do ataque mais prolongado e maciço da guerra em curso contra a Venezuela. Um forte contraste com o saldo negativo deixado pela introdução do Dólar Today como modelo a emular. As “soluções” desse sector de empresários foram privatizar serviços em momentos críticos, as imagens começaram a circular pelas redes sociais: vendiam gelo, água, velas e fornecimento de electricidade em moeda estrangeira.
7. Estabilização definitiva, balanço de danos e retorno da normalidade
72 horas após o ataque, a cidade de Caracas tinha recuperado a energia na maioria de seus sectores e nas horas seguintes juntaram-se-lhe os estados orientais, centro e sul.
O eixo ocidental teve atrasos, estendendo-se a estabilização até 24 horas mais em Táchira, Mérida, Trujillo, Zulia e Lara.
Cinco dias depois os golpes continuados às demais subestações e as sabotagens paralelas à da barragem do Guri, impedindo a estabilização do Sistema eléctrico nacional, o país inteiro tinha conseguido voltar ao normal.
A mobilização de esforços concentrou-se então em manter uma campanha de uso racional dos dispositivos eléctricos nas habitações, para apoiar o processo de recuperação nacional e repor o serviço de água potável. Os sistemas Tuy I, II e III que abastecem a cidade de Caracas (com a maior população) foram reactivados na madrugada de terça-feira e o abastecimento foi normalizado na quarta-feira.
Procurou-se viralizar nas redes a ideia de que as pessoas não estavam recebendo qualquer medida de auxílio enquanto isto sucedia, mostrando fotos onde parecia que se abasteciam no rio Guaire, um afluente que é impróprio para consumo. Um relatório feito pela equipa de CatiaTV mostrou que tal coisa era falsa.
De facto, foram instaladas cisternas para transportar o serviço de água potável às comunidades, trabalho em que participaram comunidades organizadas em conselhos comunais. No interior as pessoas também não ficaram paralisadas, coordenavam-se entre vizinhos para aceder a fontes de água potável e abastecer suas casas à força de baldes e carrinhos de mão.
Embora o esgotamento daqueles dias se ressentisse em todo o corpo, os programas sociais retomaram o seu curso assim que as comunicações ficaram totalmente operacionais. A política de assistência alimentar dos CLAP foi reforçada por ordem do presidente Nicolás Maduro, com o objectivo de impedir tentativas de agudizar as marcas que ficaram do golpe eléctrico.
Os apelos a gerar saques não tiveram uma recepção massiva. Pelo contrário, na segunda-feira fora já reactivada a distribuição das caixas CLAP.
Ao nível da segurança nacional, foram activados dispositivos populares de inteligência para dispersar grupos de pessoas que, sob a justificação de transferir as culpas da sabotagem eléctrica para o Governo Nacional, organizaram protestos violentos, encerrando ruas e dificultando ainda mais a complexa situação. Perante isto Freddy Bernal apelou à formação de comandos de contingência nas paróquias para pôr fim a essas tentativas de alterar a ordem pública.
Por outro lado, as FANB anunciaram a realização dos exercícios Acção Integral “Ana Karina Rote” para a protecção do povo e dos serviços estratégicos da nação que serão executados no sábado e domingo, para afinar a linha de defesa integral do sistema eléctrico e de águas, prevendo as possíveis repetições da agenda internacional contra a Venezuela, na sua modalidade de guerra cibernética.
O balanço oficial apresentado quarta-feira pelo ministro Jorge Rodríguez foi favorável, apesar do fato de que o ciberataque ao centro de geração de energia eléctrica ter causado perdas de 877 milhões de dólares à nação venezuelana.
Não escapou disto a classe empresarial que confessou a perda económica causada pelo plano antipolítico de mudança de regime que apoiam,. A Federação Nacional dos Ganadeiros da Venezuela (Fedenaga) registou que o custo do apagão foi de 1,4 milhões de dólares.
1 milhão de quilos de queijo e 900.000 quilos de carne entraram em decomposição devido à falta de refrigeração. Outros 6 milhões de litros de leite estragaram-se à espera da restituição eléctrica.
Por seu turno, a empresa Ecoanalítica disse que as perdas para o país foram de 875 milhões de dólares, contabilizando quase 100 milhões de dólares de danos por dia, o que reduziu em 1% o Produto Interno Bruto.
Instalações comerciais também foram alvo de vandalismo, sobretudo no estado de Zulia e, em menor medida, em Lara, Monagas, Miranda e Barinas. Embora a agenda da oposição nacional fosse branquear esses actos criminosos para os expor ao mundo como consequências da crise social que desencadeou o apagão, as forças de segurança nacionais encarregaram-se também de proteger o sector dos pequenos comerciantes.
Longas horas de intenso esforço da maioria da população venezuelana, comandada pelo Executivo Nacional, consolidaram uma resposta efectiva. Uma semana após o ataque, as actividades laborais públicas e privadas, de comércio, de produção e industriais (típicas de um país estável) foram retomadas.
Nas ruas, ficou um rasto de pessoas que supera o esgotamento induzido e o registo na memória coletiva de como agir em um cenário semelhante ao vivido pelos países em confronto militar, mesmo com a ausência das bombas.