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Diário Liberdade
Sábado, 13 Abril 2019 19:23 Última modificação em Terça, 23 Abril 2019 15:01

O império move-se a petróleo

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País: Estados Unidos / Direitos nacionais e imperialismo / Fonte: Abril Abril

[José Goulão] O controlo dos fluxos de energia permite dominar o mundo, sobretudo se não tiver absoluta confiança na supremacia militar. Os EUA travam uma guerra para domesticar o mercado dos combustíveis fósseis.

Sempre que os Estados Unidos da América desencadeiam uma guerra há um exercício prático que pode fazer-se para identificar motivações, prever desenvolvimentos e avaliar consequências: seguir o rasto do petróleo.

Certamente que é uma prática um pouco primária e redutora; outros – provavelmente a esmagadora maioria, tendo em conta o nível de contaminação de ideias e consciências atingido pela informação mainstream – dirão que se trata de estabelecer a democracia, proteger direitos humanos e instaurar uma verdadeira democracia de mercado.

A cada qual as suas razões. Que não se perca de vista nos cálculos e análises, contudo, a existência de uma elaborada política energética ao serviço do complexo militar, industrial e tecnológico que governa os Estados Unidos da América, que vem sendo aprofundada e afinada durante as administrações Obama e Trump. Essa estratégia tem hoje amplitude mundial e traduz o apogeu do globalismo do ponto de vista energético. Nesse domínio, Washington mexe os cordelinhos que realmente contam e ainda não tem rivais, razão pela qual fez da luta pelo controlo das fontes de combustíveis fósseis a mãe de todas as estratégias – à qual se submete, de bom grado, o aparelho militar imperial.

O império move-se, de facto, a petróleo e a gás natural, de preferência liquefeito.

Uma reviravolta em 11 anos

Os Estados Unidos são, actualmente, os maiores produtores mundiais de hidrocarbonetos. Atingiram essa posição, ultrapassando a Arábia Saudita e a Rússia, em apenas uma década graças ao investimento bilionário interno – com repercussões externas – na exploração de gás e petróleo de xisto através de uma actividade designada fracking, altamente contaminadora de águas e poluente de terrenos, além de bastante dispendiosa.

A posição de primeiro classificado na produção é um trunfo, mas não um triunfo. Daí que os grandes arautos da livre concorrência e do mercado capaz de se regular a si próprio estejam agora envolvidos na guerra – é disso que se trata – para domesticar o mercado dos combustíveis fósseis em seu proveito.

Por um lado, porque é preciso rentabilizar o elevado investimento feito no fracking; por outro, porque o controlo dos fluxos de energia permite dominar o mundo, sobretudo se não tiver absoluta confiança na supremacia militar.

Daí que a administração de Donald Trump tenha estabelecido uma nova fase da estratégia petrolífera, orientada sobretudo para o controlo dos fluxos e um balanço harmónico entre os mercados internos e internacional. Embora pouco mediatizada, essa preocupação tem sido determinante, visível até no preenchimento das cadeiras governamentais e de outras em proeminentes agências.

A designação de Rex Tillerson, presidente da Exxon Mobil, como primeiro secretário de Estado e, sobretudo, a nomeação de Michael Pompeo como director da CIA e, posteriormente, como secretário de Estado, têm tudo a ver com a guerra da energia. Sem esquecer que Trump não pode deixar de cumprir as promessas eleitorais feitas aos investidores e produtores de gás e petróleo de xisto. As suas doações ajudam qualquer campanha política.

O papel de Pompeo

Michael Pompeo, com anos de experiência em áreas petrolíferas, com relevo para o fornecimento de equipamentos de exploração1 2, é hoje a peça-chave da guerra norte-americana da energia. Os seus passos diplomáticos como secretário de Estado deixam pegadas de petróleo.

Hoje não há reserva de gás ou petróleo que não esteja cadastrada em Washington para cair sob alçada norte-americana – dos Montes Golã ao Iémen, do Líbano à Venezuela, da Síria à Líbia e às costas do Brasil; e não há movimento «diplomático» junto da União Europeia, de grandes e médias potências mundiais que não implique reivindicações – leia-se exigências - em torno dos fluxos planetários de hidrocarbonetos.

No Departamento de Estado, Michael Pompeo criou um gabinete de recursos energéticos dirigido por um secretário adjunto, Francis Fannon, que orienta a estratégia global de Washington, coordenando-a com a poderosa indústria norte-americana do sector.

Em termos gerais, a estratégia energética global dos Estados Unidos baseia-se numa estabilização do mercado mundial de hidrocarbonetos alcançada com uma quota rentável de matéria-prima produzida pelo sistema de fracking em território norte-americano. Para que esse volume seja alcançado e garanta preços compensadores é necessário que o gás e o petróleo de xisto internos sejam essencialmente para exportação, substituídos, ao nível nacional, pela extracção convencional e, sobretudo, pela dinamização de novas formas de produção energética, incluindo as renováveis; e, ao nível global, é imprescindível abrir espaço para a produção de hidrocarbonetos de xisto made in America, nem que seja «secando» algumas das maiores fontes, controlando a produção de outras, travando projectos de distribuição prometedores para mercados concorrenciais, sobretudo o russo, e manipulando os preços em conjunto com as petroditaduras árabes.

Das sanções às guerras

Existem exemplos abundantes de todas estas variáveis, que deverão convergir num sentido único: o controlo energético global por Washington.

Como se secam algumas das principais fontes de hidrocarbonetos que não são manipuláveis pelos Estados Unidos?

Os métodos são vários.

Os dirigidos contra o Irão e a Venezuela estão à vista: sanções económicas com repercussões também na indústria petrolífera, sabotagem política interna, conspirações para mudar os governos e ameaças de guerra convencional.

O Irão tem um potencial que o coloca entre os principais exportadores da OPEP, a par do Iraque e logo a seguir à Arábia Saudita. Actualmente está submetido a congestionamentos de exportação devido ao cerco internacional, não sendo de excluir a possibilidade de ser vítima de uma guerra de agressão conduzida por Israel e os Estados Unidos. Os resultados das eleições israelitas reforçam essa possibilidade.

A Venezuela tem as maiores reservas de petróleo do mundo e está, neste momento, praticamente fora do mercado internacional devido às pressões económicas, políticas e militares norte-americanas. Os Estados Unidos encaram esta situação como uma fase transitória até que haja em Caracas um governo que mereça confiança absoluta de Washington.

Uma confiança como a que merece agora o governo de Brasília. O fascista Bolsonaro, um súbdito às ordens de Trump, chegou ao poder na sequência de um golpe político desencadeado quando se tornou claro que as reservas petrolíferas – o pré-sal – detectadas em águas territoriais do Brasil catapultaram o país para terceiro potencial do ranking global. É facílimo prever o que vai acontecer-lhes.

Na Síria existem reservas de hidrocarbonetos que multiplicam em muito o potencial de exploração que existia antes da guerra. Estão agora em mãos de empresas estatais russas; e foi a acção de Pompeo, enquanto secretário de Estado, que invalidou a promessa de retirada das tropas norte-americanas do país. Elas vão continuar, possivelmente reforçadas, sobretudo nas zonas leste e nordeste, precisamente onde se situa o maná petrolífero.

A Rússia, por seu lado, não dá sinais de começar a exploração dessas reservas, que seria essencial para a reconstrução do país e a melhoria da situação do povo. Mais do que isso: não dá sinais de levar até ao fim a operação de liquidação dos terroristas alimentados pela NATO, designadamente em Idleb.

Desde 2016, ano em que se tornou membro da OPEP+ (junção de dez países ao núcleo original da OPEP), que a Rússia acompanha o processo de estabelecimento de preços internacionais e evita inundar o mercado para não fazer baixar os preços – o que, na prática, não lhe permite contrariar os Estados Unidos nesta área. Daí a imobilidade quanto à exploração na Síria e os claramente insuficientes apoios ao Irão e à Venezuela para que vençam as barreiras à exportação de hidrocarbonetos.

No Iraque, país fragmentado em consequência da invasão norte-americana, tropas do Pentágono mantêm-se no terreno apesar de as riquezas petrolíferas terem sido privatizadas e, no essencial, estarem sob controlo de Washington. Trata-se, sobretudo, de manter a produção e dominar os fluxos de hidrocarbonetos no Curdistão iraquiano, uma tarefa que tem repercussões colaterais, como as de apoiar os curdos na Síria, nas zonas deste país onde se situam as reservas de petróleo. Apesar de essa opção ter envenenado as tradicionalmente fraternais e atlantistas relações entre os Estados Unidos e a Turquia. Ao que parece, a escolha vale o preço a pagar.

Ainda em relação ao controlo das fontes, claramente aprofundado com Michael Pompeo como principal agente, há que sublinhar acontecimentos recentes: o reconhecimento norte-americano da anexação dos Montes Golã por Israel poucos anos depois de ali terem disso identificadas importantes reservas de gás natural3; e a mais recente ofensiva do secretário de Estado norte-americano contra o Líbano, ameaçando instaurar uma guerra civil se Beirute não marginalizar o Hezbollah, por exemplo cedendo parte das suas reservas de petróleo offshore a Israel, para saírem do controlo do grupo xiita, logo do Irão, segundo a rotulagem de Washington e Telavive.

Daí que não surpreenda o envolvimento claro dos Estados Unidos na guerra de destruição imposta pela Arábia Saudita no Iémen, onde os agressores querem, no fundo, ter acesso aos importantíssimos recursos petrolíferos deste país.

Daí que não surpreenda também a ofensiva em curso do marechal Khalifa Haftar na Líbia, contra um governo apoiado pela ONU, sobretudo se tivermos em conta que se trata de um militar há muito ligado à CIA. Através dele, os Estados Unidos «disciplinarão» a gestão do petróleo líbio – as maiores reservas de África – que tem estado nas mãos de milícias tribais e fundamentalistas desde que a NATO destruiu o país em aliança com o terrorismo islâmico.

O caso Nord Stream 2

Ao reservar para exportação a maior percentagem de gás e petróleo de xisto produzidos internamente, de forma a obter retorno dos enormes investimentos nessa actividade e controlar os fluxos e os preços do mercado internacional, os Estados Unidos necessitam de compradores.

O que não seria fácil, em termos puros de mercado, uma vez que os preços nada têm de convidativos quando se trata de exportação transcontinental via transporte marítimo. Ora quando o mercado não se comporta como deve ser, os fundamentalistas do mercado-livre dão uma ajuda: fazendo imposições e manipulando a concorrência – que supostamente também deveria ser livre.

Daí a oposição frontal norte-americana, em termos bélicos se for necessário, à construção de gasodutos e oleodutos que escapem ao seu controlo, sobretudo se tiverem participações russas ou iranianas.

A exportação do petróleo e do gás de xisto (liquefeito) norte-americanos é feita por transporte marítimo e exige infraestruturas específicas ou adaptadas de recepção e distribuição, que vão onerar ainda mais o processo.

Nada que perturbe a estratégia norte-americana.

O caso mais conhecido passa-se com o gasoduto Nord Stream 2, um negócio entre a Rússia, a Alemanha e outros países europeus que permitirá o abastecimento de gás natural à economia europeia a preços muito favoráveis.

Mas se os interesses das populações do continente não coincidem com os dos magnatas norte-americanos do fracking, que se sacrifiquem os primeiros. Washington pôs a funcionar um arsenal de pressões contra a Europa, incluindo antagonismos existentes na União Europeia, chantagem militar e diplomática, sanções contra empresas e a «ameaça russa» para travar o Nord Stream 2 e impor o seu gás de xisto a preços exorbitantes. Este vale-tudo tem apanhado pelo meio a Alemanha da Senhora Merkel, onde a grande indústria não se importa de consumir gás russo, que garante bem melhores resultados económicos.

Mesmo assim, Washington está longe de desistir, ainda que a eventual tempestade tenha dimensão para abalar a União Europeia. Por isso, dão que pensar as manobras intraeuropeias para designar como próximo presidente da Comissão Europeia o principal rival político de Merkel, embora seu correligionário, o bávaro Martin Weber, grande inimigo do Nord Stream 2.

Quando se trata da guerra pela energia, como se percebe, as apostas são altas, muito altas mesmo. Nesse domínio não têm qualquer valor a vida humana, a soberania dos Estados, a dignidade dos povos, a estabilidade de organizações e alianças, os mecanismos democráticos, os direitos humanos – nem sequer a liberdade do mercado, imagine-se.

Trata-se de poder absoluto e global. Esse não se discute; impõe-no quem tem força e despudor para isso.

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