Refletindo sobre essas notícias, quem pode esquecer Chico Buarque com a sua frágil Geni, a chegada do tenebroso Zepelim e o banqueiro com um milhão?
Cerca de 30 mil pessoas se alojam em albergues improvisados e mais de 10 mil pessoas ainda estão sem refúgio no Haiti. Segundo a ONU, o país vive a maior tragédia desde o terremoto de 2010, cujo epicentro, a 15 quilômetros da capital Porto Príncipe, fez 170 mil mortos. Nesse passado, tão recente, um pronunciamento do governo da vizinha República Dominicana tem tudo a ver com a volta de Geni ao submundo, abrandadas as ameaças naturais. “Não se trata de um aumento da vigilância militar na fronteira. Simplesmente tomamos algumas precauções especiais tendo em vista a desgraça em que vive o Haiti”.
A colônia mais produtiva das Américas, em 1804, tornou-se a primeira nação independente da América Latina, graças à rebelião de seus escravos, em uma das mais heroicas lutas emancipadoras. Como explicar então a trajetória dramática do país, que hoje é um dos mais pobres do mundo? As dificuldades do Haiti se devem, no decorrer dos últimos séculos, à ausência de perspectivas econômicas mais elevadas. Sobretudo, são debitadas ao isolamento que lhe infligiram, inclusive as nações latino-americanas. O bloqueio generalizado exacerbou o atraso e agravou as dificuldades históricas. O atrevimento e a determinação revolucionária cobraram um alto preço: o medo pelo desatamento de uma reação em cadeia. Mais do que por fenômenos naturais, o Haiti foi devastado pela ganância dos que hoje chegam acenando com milhões.
Este luto seletivo, dos que choram com um olho só, ergueu milhares de bandeiras no mundo na campanha “Je Suis Charlie”. Mas infelizmente a “solidariedade” momentânea tem sido efêmera e pouco significativa para retirar os haitianos do estado de miséria e de atraso.
Em 5 de outubro, o efeito destrutivo do Matthew entrou pela parte oriental de Cuba, a 195 km do Haiti, na província de Guantánamo, de onde 71 mil pessoas foram evacuadas. Os detratores da revolução cubana ignoram e desprezam os enormes esforços, que o Estado sempre realizou para mobilizar as organizações de massa e a defesa civil no sentido de poupar vidas.
Em 2015, o Brasil realizou três leilões de arroz para atendimento a Cuba e à Faixa de Gaza. Fez a doação de 625 toneladas de feijão, ações previstas na lei 12.429 de 2011, que autoriza o governo federal a doar estoques públicos de alimentos para assistência humanitária internacional, no programa que é coordenado pelo Ministério das Relações Exteriores.
As organizações de solidariedade e os partidos políticos de esquerda têm o dever de organizar o movimento de ajuda não apenas às vítimas do furacão Matthew, mas principalmente de denúncia à opressão sofrida pelo Haiti e ao criminoso bloqueio a Cuba. Em meio aos tempos tão sombrios do “adeus querida”, qual será a postura do Brasil, ameaçado pelas práticas covardes de avareza que caracterizam os tempos de neoliberalismo?
*Maria do Carmo Luiz Caldas Leite é professora de Física, mestre em Educação, militante do PCdoB e membro da Associação Cultural José Martí