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Diário Liberdade
Sábado, 12 Janeiro 2019 13:11 Última modificação em Segunda, 01 Abril 2019 01:13

Recuperamos entrevista com o revolucionário marxista Jorge Beinstein (1943-2019): "A chegada do socialismo é umha necessidade, nom umha inevitabilidade"

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País: Argentina / Batalha de ideias / Fonte: Diário Liberdade

Acabamos de receber a notícia do falecimento do camarada Jorge Beinstein. Notável teórico marxista, militante revolucionário, amigo da Galiza e apoiante da nossa independência nacional, o economista argentino estivo no nosso país convidado pola esquerda independentista em 2012.

Doutor Ciências Económicas pola Universidade de Franche Comté - Besançon, Francia, Beinstein era especialista em "prospetiva económica e geopolítica". Grande internacionalista, foi durante décadas consultor de organismos internacionais e de governos, dirigindo numerosos programas de pesquisa como titular de cátedras de economia internacional e prospetiva, tanto na Europa como na América Latina.

Atualmente era Professor Emérito da Universidade Nacional de La Plata e Diretor do Centro Internacional de Informaçom Estratégica e Prospetiva dessa universidade argentina.

Colaborador do Diário Liberdade e doutros meios da esquerda de diferentes países, Jorge Beinstein deixa numerosas publicaçons imprescindíveis para as ciências sociais, com claro conteúdo marxista e compromisso revolucionário.

Em maio de 2012, com motivo da sua visita à Galiza convidado polo partido Primeira Linha, tivemos ocasiom de entrevistá-lo. Na altura, participou numhas Jornadas Independentistas, assi como numha palestra organizada pola CIG na sua sede de Ferrol. Também dirigiu atividades formativas para a juventude independentista (Briga e Agir). Julgamos de interesse recuperar aquela entrevista que lhe fijo Maurício Castro e que foi publicada no Diário Liberdade e na Abrente, revista daquele partido. Eis o documento, que recuperamos como homenagem ao velho militante e teórico revolucionário argentino.

Entrevista a Jorge Beinstein: "A chegada do socialismo é umha necessidade, nom umha inevitabilidade"

[Maurício Castro, Ferrol, Galiza, maio de 2012.]

Maurício Castro - A que tipo de crise estamos a assistir?

Jorge Beinstein - Na verdade, estamos numha crise de sobreproduçom que está a se transformar no seu contrário, umha crise de subproduçom.

- Explica-nos isso um pouco.

Devemos partir da teoria de Marx sobre a crise, a única que ajuda a explicar boa parte do que está a acontecer. Ele explicou que a dinámica de concentraçom de rendimentos e o facto de haver umha multidom de capitalistas a concorrerem entre si, fai com que se desenvolva um processo de inovaçom tecnológica que inevitavelmente aumenta a capacidade de produçom.

Esse aumento de produçom, no século XIX, ia acompanhado da reduçom da massa salarial, provocando um desfase entre a oferta e a procura, o que resultava numha crise de sobreproduçom. Assim explicava Marx as crises da sua época, que eram diferentes das pré-capitalistas. Aquelas tinham sido crises de subproduçom próprias das economias agrícolas, pola sobre-exploraçom da terra decorrente do crescimento demográfico, que produzia colapsos na produçom agrária e os derrubamentos económicos, fames, morte de altas percentagens da populaçom, etc.

Marx explica que no capitalismo industrial as crises se devem aos excedentes produtivos e nom à carência como em etapas precedentes.

A partir da crise dos anos 70 do século passado, esta já nom se produz polo desfase entre oferta e procura. O Estado Keynesiano, instrumento fabricado polo capitalismo e que durante décadas lhe foi útil para a regulaçom que permitiu a saída de crises como a de 29 (da qual se saiu 10 anos mais tarde), permite controlar a queda da procura através da transferência de recursos aos assalariados. Se bem os salários se estancam, os desempregados tenhem subsídios e permitem assim manter o consumo e que nom haja revoltas.

Assim, dá a impressom de que as crises se ultrapassam, mas a concorrência entre os capitalistas, que está na base de todas as crises anteriores, gera um aumento do potencial produtivo, mas com umha regulaçom da produçom em funçom da procura existente em cada momento. Assim, nom há excessos de mercadoria sobre o mercado, pois fam estudos sobre o que devem produzir exatamente em cada momento.

Porém, o potencial de produçom é enorme (equipamentos, instalaçons, etc) isso sobe os custos de produçom e a velha regra de que isso fai cair a taxa de lucro volta a impor-se e os capitalistas respondem a essa queda do lucro no seu sistema produtivo e um atalho para manter os lucros que nom existem no negócio produtivo é dedicar-se a negócios financeiros. Para isso, as empresas necessitam fundos, realizando-se empréstimos mutuamente e, entretanto, o Estado Keynesiano, para manter a procura, evita estabelecer impostos e libera papéis ao mercado, pedindo dinheiro emprestado. Parte dos excedentes financeiros vam assim para outras empresas, mas umha parte vai para comprar artigos públicos, gerando-se um circuito financeiro que se expande mais cada vez, derivando na chamada financeirizaçom da economia.

O resultado? Em 1970, a massa financeira global podia ser de 50% do Produto Bruto Mundial. Neste momento, essa massa é de 20 vezes o Produto Bruto Mundial.

A outra saída para manter a taxa de lucro por parte dos capitalistas foi evitar a subida dos salários, claro, mas conceder créditos públicos e privados. Nom aumentam o salário, mas repartem cartons de crédito, com o qual os trabalhadores e trabalhadoras vam diferindo para o futuro os pagamentos. A dívida privada, a dívida das empresas e a dívida pública vam crescendo. Por baixo da expansom financeira, produz-se umha expansom da dívida. Chega umha altura em que essa dívida se converte em impagável e o crescimento da massa financeira fica paralisado. Há quatro anos que estamos aí: a massas financeira nom cresceu mais desde 2008.

Até hoje, conseguírom que essa massa financeira nom se derrube, mas nom cresce mais, daí que estejamos em recessom e que a ideia do crescimento num futuro imediato seja umha quimera. Os estados e as empresas sobre-endividadas, incapazes de pagar...

- Nom pode haver umha nova expansom através da exploraçom de novos territórios e recursos?

Quais? Olha só um exemplo. Quando este desastre começou, a dívida pública japonesa era aproximadamente 25% do Produto Bruto japonês. Nestes momentos, é de 220%. A dívida pública mais a privada desse mesmo país era de 40% e agora é de 500%, tal como a británica; a estado-unidense, 400%; a francesa e a alemá está polos 320-330%...

- Entom qual é a saída?

Umha saída é baixar os custos, comprimindo a massa salarial. Outra é a predaçom de recursos renováveis e nom renováveis. Assim foi que conseguírom baixar o preço do petróleo e baixá-lo durante uns 20 anos através da exploraçom colossal de recursos. O mesmo com o cobre, o ferro, alimentos, etc.

O mesmo figérom com a exploraçom da terra, através das sementes híbridas, transgénicos, fertilizantes, esfoliantes... até arruinar as terras. Assim se fijo e se fai ainda nos Estados Unidos, Brasil, Argentina...

Desde 2005, a produçom petroleira mundial deixou de crescer. Estamos no pico e começa a baixar a produçom nalguns países, mantendo-se globalmente nos 83 milhons de barris diários, mas com perspetiva imediata de descida da produçom. Com o cobre, o ouro, etc, acontece a mesma cousa.

O capitalismo está mostrando que nom era tam original. Pensava-se que as crises de subproduçom eram próprias do pré-capitalismo e que com o capitalismo nom haveria mais, mas agora estám a voltar, igual que em civilizaçons anteriores. O padrom tecnológico capitalista, limitado polas condiçons históricas, deu para o que deu: a exploraçom de recursos até o esgotamento dos mesmos.

- Isso nom foi previsto por Marx... Será que é útil a teoria do decrescimento?

A teoria de Marx é sobre crises de sobreproduçom, mas agora já estamos às portas da crise de subproduçom devido ao esgotamento dos recursos. Samir Amin afirmou que a melhor maneira de ser marxista é avançar a partir de Marx. O próprio Marx afirmou até 12 vezes que ele nom era marxista. A melhor maneira de sermos marxistas é aplicarmos o marxismo nas condiçons atuais, marcadas polos limites históricos do próprio sistema.

É preciso mudar o modelo, nom chega com apelar a um capitalismo sem crescimento, porque isso nom pode existir. O consumismo é a base para manter a procura e através dela a produçom e os lucros. Certamente, há umha produçom supérflua, mas só erradicando o capitalismo poderemos encontrar a alternativa, já que de facto o capitalismo já deixou de crescer.

- Fala-se de pôr os chineses e os indianos a consumir...

Mas isso significa pagar-lhes 1.000 dólares em lugar de 200 e assim, a economia capitalista chinesa deixaria de funcionar. Estamos a entrar na crise de subproduçom porque o capitalismo nom pode desenvolver mais as forças produtivas.

- O capitalismo vai cair por ele próprio?

O grave desta situaçom nom é se cai ou nom cai. O grave é que o capitalismo entra numha etapa de autodestruiçom, sem expansom das forças produtivas, iniciando-se a retraçom das mesmas. O capitalismo opera já como destruidora de força produtiva. Carece já de progressividade histórica, é já um retrocesso.

A questom é que há que destruir o capitalismo porque existe o risco que se destrua sozinho, num processo de autodestruiçom que mate milhons de pessoas em todo o mundo. Isso obriga a um esforço voluntarista para evitar que se gere um nível de barbárie como nunca vimos.

O aumento dos fascismos na Europa, como estamos a ver em França, é um grande perigo que pode estender guerras como a que acabamos de ver na Líbia. Há forças destruidoras latentes que podem desatar-se como já aconteceu noutros períodos históricos de decadência civilizacional. O Império Romano é um exemplo: os escravos nom tomárom o poder para construir umha sociedade melhor. Roma passou de 1 milhom a 30 mil habitantes em 400 anos, demorando 1.000 anos a reconstruçom.

- As experiências socialistas fôrom tentativas de ultrapassar o capitalismo.

No século XX vivemos umha tentativa de superaçom do capitalismo que, visto hoje com perspetiva, dá para entender o fracasso. Aquele era um capitalismo sem crise energética, que ainda nom recorrera ao Keynesianismo, que tinha algumhas margens importantes, apesar da crise entre 1914 e 1945. Daí sai um capitalismo maduro que, nos anos 70, se converte num capitalismo velho.

Nas condiçons da Rússia de inícios do século XX, nom era possível derrotar o capitalismo, mas deviam tentá-lo. Nom se pensava nos desafios do capitalismo senil, da tecnologia, dos seus limites como sistema histórico... porque existia um peso cultural muito forte do próprio do capitalismo que levou os comunistas russos a proporem um modelo de consumo equiparável ao capitalista com um sistema produtivo socialista.

O capitalismo armou-se como sistema num período de quase 1.000 anos, daí que nom seja tam fácil destrui-lo. O socialismo fracassou no século XX e é agora que a própria Rússia pode aspirar a dar essa luita.

Trotsquistas como Mandel formulárom que depois de 1945 estávamos num capitalismo tardio e que foi derrotado pola traiçom da URSS estalinista. Eu acho que nom, que nessa etapa nom havia capitalismo tardio e sim socialismo temperao, imaduro, entre 1917 e 1980. De facto, no século XVII e XVIII também tinha havido capitalismo temperao. A primeira crise com algum cheiro pró-capitalista foi a chamada Longa Crise do Século XVII, que dura quase 100 anos e que destrui o pré-capitalismo na Europa, vindo o século XVIII da Revoluçom Francesa, chegando-se à Revoluçom Industrial. Da mesma forma, o Século XX foi o do socialismo temperao.

Porém, a chegada do socialismo é umha necessidade, mas nom umha inevitabilidade.

- De onde podem vir as energias que empurrem esse socialismo necessário?

A irrupçom do proletariado tem a ver com a massa miserável urbana expulsa das áreas rurais e que já Marx avançou que estava obrigada a crescer e rebentar contra o sistema que a explorava. Porém, já no século XXI que vivemos temos umha massa mundial em expansom onde estám os 250 milhons de operários da China, 100 milhons de operários industriais do resto do mundo, os quase 2.000 milhons de camponeses pobres do mundo, "comerciantes" que nem chega a pequena burguesia, mas sub-proletariado... e umha massa de operários privilegiados de ocidente que se está a proletarizar e empobrecer na própria Europa e nos EUA.

Falamos de entre 3 mil e 4 mil milhons de pessoas que devem rebelar-se contra o capitalismo realmente existente. Os governos progressistas da América Latina som umha expressom dessa incipiente rebeliom, com soluçons intermédias devido à impossibilidade ainda de que essas masssas tomem diretamente o poder. A pressom popular foi suficiente para derrotar a burguesia mais reacionária, mas nom para armar revoluçons populares.

- A ruptura ainda nom se produziu em nengum lugar... Onde poderá produzir-se?

Nom, nom, nem sequer na Venezuela, que é ainda um país capitalista. Pode suceder em qualquer lugar, incluídos os Estados Unidos. Nom há determinismos sociológicos aí. As massas muito empobrecidas que nom conseguem emancipar-se e outras com melhores condiçons mas com mais consciência. Pode ser na Europa, Argentina, Venezuela...

- E pode nom ser?

Pode nom ser, como vemos em África.


"O capitalismo está mostrando que nom era tam original. O padrom tecnológico capitalista, limitado polas condiçons históricas, deu para o que deu: a exploraçom de recursos até o esgotamento dos mesmos"

"É preciso mudar o modelo, nom chega com apelar a um capitalismo sem crescimento, porque isso nom pode existir. O consumismo é a base para manter a procura e através dela a produçom e os lucros. Certamente, há umha produçom supérflua, mas só erradicando o capitalismo poderemos encontrar a alternativa, já que de facto o capitalismo já deixou de crescer"

"O capitalismo entra numha etapa de autodestruiçom, sem expansom das forças produtivas, iniciando-se a retraçom das mesmas. Carece já de progressividade histórica, é já um retrocesso"

"O capitalismo armou-se como sistema num período de quase 1.000 anos, daí que nom seja tam fácil destrui-lo"

"Há entre 3 mil e 4 mil milhons de pessoas que devem rebelar-se contra o capitalismo realmente existente. Os governos progressistas da América Latina som umha expressom dessa incipiente rebeliom, com soluçons intermédias devido à impossibilidade ainda de que essas masssas tomem diretamente o poder. A pressom popular foi suficiente para derrotar a burguesia mais reacionária, mas nom para armar revoluçons populares"

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