Como vai ser o concerto? Apresentarás o último disco?
Desde 2010, desde o disco 'Cores do Atlântico', publiquei mais dois discos. O último, 'Amazônia Entre Águas e Desertos', é sobre a floresta, mas também sobre a riqueza, por oposição à escassez humana. Vou fazer parte do repertório deste CD e outras canções da minha trajectória.
'Cores do Atlântico' são cantigas de amigo. Os teus primeiros discos são 'Cantigas' e 'Cantigas de bem-querer'... Há uma continuidade nisso? Como se produziu? Quando começas uma coisa não sabes onde de vai levar?
No nordeste do Brasil conserva-se poesia de Portugal e da Galiza. Eu a princípio pensava que era só de Portugal, porque no Brasil, a parte da história da lírica medieval referida a Galiza não se nos conta. Pois na zona do sertão há uma forte tradição de cantareiros e cantareiras, de cantigas. Eu são de Paraíba, marchei para São Paulo no 2004 e queria fazer algo que me levasse a Portugal, de onde pouco mais conhecia que a Amália e a Roberto Leal.
Uma amiga neta e bisneta de galegos falou-me das cantigas de amigo. Explicou-me que eram cantigas de mulheres, como é, na Galiza, a tradição das pandeireteiras. Interessou-me aquilo, também porque sempre fui feminista. Comecei a falar com Lia Lemaire e a convencer-me de que tinha que ir a Galiza. Falei depois com a professora Caminho Noia e ela falou-me de Uxía. Fui a Salvador para tomar contacto com a cultura galega e depois vim para a Galiza. Assim começou.
É um disco contra a devastação, ambiental e humana, da Amazônia. Mas também reclama mais humanidade, em geral. De qual modo?
Um amigo que é escritor e educador, Roberto Tranjan, diz que se melhoramos como seres humanos, todos seremos mais felizes. Roberto escreveu um romance, 'O Devir', à que acompanham um disco, um DVD e as ilustrações de Elifas Andreato, um grande artista brasileiro.
Eu encarreguei-me, a proposta de Roberto, da parte da música. A ideia não é falar só da destruição ambiental. É um projeto sensível no tocante à humanidade, ao coração das pessoas, que às vezes é um deserto...
A crítica disse que as canções fogem do tópico da música nordestina. Em que sentido?
Quando se fala de música brasileira pensa-se sobretudo no samba, o forró... Eu o que faço é beneficiar da diversidade da música brasileira, que é muito maior, e que é pouco conhecida, mesmo por nós, os brasileiros. No 2012 recebi o Prêmio da Música Brasileira de Melhor Cantora, e acho que tem a ver com isto. Amazônia é a floresta, o sossego, a beleza..., e para compo-lo fui à Amazônia e gravei os sons da natureza, da mesma maneira que para fazer 'Cores do Atlântico' vim aqui [à Galiza] para tentar pôr no lugar. Queria meter no ambiente, captá-lo, porque penso que ademais assim é uma música mais honesta.
'Saga da Amazônia' concentra, de alguma maneira, o que o disco quer dizer: a devastação da floresta e das pessoas que vivem nela. Outras letras são-lhe próximas, como 'Gaia'...
'Saga da Amazonía', de Vital Farias, é uma canção muito emblemática, que tem 40 anos e só quatro gravações, uma delas a minha. As outras são cantadas mais ao estilo dos trovadores. Eu quis dar-lhe outro ritmo. O disco fala da Amazonía objecto, da foresta arrasada pela depredação económica, e da Amazônia sujeito, que apesar de tudo resiste e é quem de dar-nos água e alimento. Também da festa, como no tema 'A dança'; das lendas da Amazônia, como 'Uirapuru' e 'Tambatajá', e do amor, como 'O Desejo' ou 'Porque é da natureza', que é um reggae, ou 'Amor cósmico', que falta de um amor num sentido mais amplo, planetário.
A tradição, as músicas populares, interessam-lhe muito. Dizia antes que muitas vezes nem os brasileiros a conheciam?
Alguns compositores do Brasil só se interessam por um género, é verdade. Mas Brasil é um país muito grande, com uma riqueza musical enorme. A canção 'Tacacá', de 'Amazônia', é um carimbó O tacacá é uma sopa indígena? Eu o que queria era desterritorializar. José Ramos diz que o universal é regional, que o universal é o regional que alguém apanha e leva pelo resto do mundo, fazendo-o universal. No Brasil é habitual desprezar o local, o regional, e valorar o que vem da América do Norte ou Europa, sem dar-se conta de que o universal é o regional espalhado. Assim foi com o rock, ou com o samba, com as músicas regionais que se espalharam malia a pressão do poder económico e mediático. Como dizia antes, eu beneficio da diversidade.
Depois de 'Cantigas' e antes de 'Cores do Atlântico' vieram os discos 'Intersecção', 'As Liras Pedem Socorro' e 'No terreiro da Casa de Mãe Joana'. Uma das linhas de continuidade do teu trabalho é o feminismo, de que falávamos antes. Que outros fios unem estes discos?
'Intersecção' recolhe o que fui gravando quando cheguei a São Paulo. São discos sem um tema específico. 'No terreiro da Casa de Mãe Joana' é um disco mais danzante, que contempla a diversidade étnica. É um show que se converteu em disco. São discos mais simples que os mais recentes. Também tenho, de depois de Cores do Atlântico, 'Singelo tratado sobre a Delicadeza', dedicado a isso, a delicadeza. De 'Amazônia' fizemos um DVD com dois temas adicionais, um deles de é 'Delicado' e outro é 'Poema didáctico', feito em colaboração com Mia Couto.
Mais alguma coisa?
Adoro a Galiza. Não conheço outra parte de Espanha*, mas aqui sinto-me muito bem. As pessoas que vêm do Brasil sentem-se muito bem aqui, e eu quero agradecer especialmente a Uxía, a Carlos, a Sérgio, a Ponte nas Ondas, que editou 'Cores do Atlântico'...
*Nota do Diário Liberdade: Essa frase corresponde a um engano da entrevistada, que erroneamente coloca a Galiza na Espanha. Embora a Galiza esteja atualmente sob administração de Madri, é um país diferente.