Não há dúvidas de que o capitalismo possibilita variados esquemas de corrupção. Uma crítica sobre este tema é insuficiente se permanecer apenas no aspecto moral. Daí a necessidade de buscar também na base produtiva elementos que demonstrem a promiscuidade entre o interesse da classe burguesa e a função pública desempenhada por seus membros e representantes no Estado.
O que se pretende aqui é bem menos pretensioso. O objetivo é pôr em evidência a controvertida figura de Blairo Maggi, novo Ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento.
Havíamos nos pronunciado, com as ressalvas cabíveis, sobre o quão perigoso seria o impedimento da ex-presidenta Dilma Rousseff para a classe trabalhadora [1]. Não pelo que o PT representou nos interesses desta, mas pelo que estaria por vir com a sua saída por meio do impedimento. Blairo Maggi, inimigo declarado dos trabalhadores, é uma das máximas expressões desse perigo.
Semanas antes da votação do impedimento da presidente Dilma Rousseff pela Câmara dos Deputados, Blairo Maggi concedeu entrevista ao jornal O Estado de São Paulo na qual afirmou que a saída do PT do Governo Federal significava a oportunidade de “arrumar a casa”, ou seja, a chance de reformar a legislação previdenciária e trabalhista [2].
Dentre suas proposições legislativas, está o PLS 208/2012 que pretende aprofundar ainda mais a precarização do trabalhador rural, extinguindo direitos e elevando a jornada de trabalho [3].
Nascido em 1956, Blairo Maggi graduou-se em agronomia na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e foi para o Mato Grosso trabalhar com o pai, André Maggi, fundador do Grupo André Maggi [4]. Em 2014, o grupo passou a se chamar Amaggi, tornando-se uma das 20 maiores exportadoras de commodities do Brasil e a 4ª do Estado.
Blairo, que já foi o maior produtor individual de soja do mundo [5], não por coincidência, é um dos principais acionistas do Grupo Amaggi [6], que somente no Mato Grosso é responsável por administrar 252, 3 mil hectares de terras para agricultura [7], o equivalente a aproximadamente 252 mil campos de futebol.
Maggi e sua família concentram terras em 45.115 hectares, distribuídas por 29 propriedades rurais, das quais 11 são consideradas improdutivas [8].
Em 2003, Blairo manifestou sua opinião sobre o desmatamento da Amazônia. Segundo declaração concedida ao The New York Times, “um aumento de 40% no desmatamento não significa nada; não sinto a menor culpa pelo que estamos fazendo aqui. Estamos falando de uma área maior que a Europa toda e que foi muito pouco explorada. Não há nenhuma razão para se preocupar” [9].
O Greenpeace, em 2005, ofereceu a Blairo o prêmio motosserra de ouro por sua contribuição à destruição da Amazônia. O ex-presidente Lula, curiosamente, ficou em segundo lugar [10]. Ainda, segundo o Greenpeace, Blairo é responsável por pelo menos metade da devastação ambiental brasileira entre os anos de 2003 e 2004 [11].
Na última quinta-feira (12), dois dias após o Supremo Tribunal Federal (STF) mandar arquivar um denúncia contra ele por lavagem de dinheiro e corrupção, investigação deflagrada pela Operação Ararath, Blairo Maggi foi nomeado ministro da Agricultura para o governo de Michel Temer [13].
Além do inquérito arquivado, Maggi responde a mais três processos, estando um deles relacionado à improbidade administrativa. [14].
Blairo Maggi não está sozinho. Sua família é dona de um “império” [15]. O primo de Blairo, Eraí Maggi, dono do Grupo Bom Futuro, do qual Blairo detém parte significativa, foi autuado pelo Ministério do Trabalho, quando descobriu-se, numa das fazendas arrendadas pelo grupo, 41 pessoas em trabalho análogo à escravidão, passando inclusive a constar na lista suja do trabalho escravo entre 2005 e 2007 [16].
Em 2014, a revista Forbes se dirigiu a Blairo Maggi, segundo colocado no ranking dos políticos brasileiros mais ricos, como um homem poderoso da agricultura e político promissor. Naquele ano, a revista estimava a fortuna de Blairo em 960 milhões de dólares [17].
Apenas entre 2006 e 2010, período em que foi governador do Mato Grosso, o patrimônio de Blairo Maggi saltou de R$ 33 para R$ 152 milhões. Também em 2010, Blairo informou à Justiça Eleitoral possuir 2.277,12 hectares de terra, avaliados em R$ R$ 2.346.919,00 [18].
Esses dados já são suficientes para demonstrar a aproximação promíscua entre a vida privada de Blairo Maggi e sua família com a política brasileira. Um expressivo representante do agronegócio, tal como sua antecessora, Kátia Abreu, a frente do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Blairo é o anfitrião dos empresários do agronegócio brasileiro.
A derrubada de Dilma, sob inúmeros argumentos divulgados por parcela da burguesia insatisfeita com seu governo, não trará solução para a corrupção. Tampouco resolverá os problemas econômicos, até porque o seu fim está muito além da troca de governantes, está na verdadeira tomada do poder por trabalhadoras e trabalhadores.
No final dessa história, quem está realmente feliz com esse cenário todo, e em particular com a nomeação de Blairo Maggi, são as corporações que financiaram sua campanha ao Senado. Nas eleições de 2010, Blairo Maggi recebeu um total de R$ 5.648.397,85 em doações de empresas do ramo agropecuário, da agroindústria e do setor sucroalcooleiro [19].
O golpe aconteceu, não no último dia 12, mas desde que o PT resolveu abandonar a classe trabalhadora em prol do governismo. Agora, porém, a porrada virá mais forte. E nós, trabalhadoras e trabalhadores, como iremos reagir?
*João Guilherme é militante do PCB. Estudante bolsista (ProUni) e pesquisador da Faculdade de Direito da PUC-SP. Coordenador do Grupo de Pesquisa Marxismo e Direito e membro do Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital/USP.
[NOTAS]
[1] “O impeachment e a ampliação do ataque à classe trabalhadora” Disponível em: http://www.diarioliberdade.org/artigos-em-destaque/401-resenhas/60942-o-impeachment-e-a-amplia%C3%A7%C3%A3o-do-ataque-%C3%A0-classe-trabalhadora.html.
[2] "Se não arrumar a casa, vai entrar em colapso” Disponível em: http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,se-nao-arrumar-a-casa--vai-entrar-em-colapso,10000021728
[3] “A precarização do trabalhador rural nos Projetos de Lei 208/2012 e 627/2015” Disponível em: http://www.diarioliberdade.org/275-publicacom-aberta/59989-a-precariza%C3%A7%C3%A3o-do-trabalhador-rural-nos-projetos-de-lei-208-2012-e-627-2015.html
[4] Sobre a história da família Maggi, conferir: www.feth.ggf.br/Maggi.htm#_ftn1
[5] “Plantio de soja avança sobre Amazônia” Disponível em: http://www.ioc.fiocruz.br/pages/diretoria/noticias/setembro/mat1701.htm
[6] “Grupo André Maggi agora é AMAGGI; Empresa passa a usar nome de sua trading” Disponível em: http://www.olhardireto.com.br/agro/noticias/exibir.asp?id=16376
[7] “O império da família Maggi” Disponível em: http://dinheirorural.com.br/secao/agronegocios/o-imperio-da-familia-maggi
[8] "A questão agrária no Brasil e a bancada ruralista no congresso nacional" Disponível em http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8136/tde-08012013-143125/pt-br.php p. 263
[9] “Relentless Foe of the Amazon Jungle: Soybeans” Disponível em: http://www.nytimes.com/2003/09/17/world/relentless-foe-of-the-amazon-jungle-soybeans.html
[10] “Blairo Maggi é premiado com Motosserra de Ouro do Greenpeace” Disponível em: http://revistagloborural.globo.com/GloboRural/0,6993,EEC981966-1934,00.html
[11] Disponível em: http://www.republicadosruralistas.com.br/ruralista/18
[12] “Blairo Maggi deixa governo de MT para concorrer ao Senado” Disponível em: http://noticias.terra.com.br/brasil/politica/blairo-maggi-deixa-governo-de-mt-para-concorrer-ao-senado,238a63fc8940b310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html
[13] “Ministro do STF arquiva inquérito para investigar senador Blairo Maggi” Disponível em: http://g1.globo.com/mato-grosso/noticia/2016/05/ministro-do-supremo-arquiva-inquerito-contra-senador-blairo-maggi.html
[14] Disponível em: http://www.excelencias.org.br/@parl.php?id=70074&cs=2&est=0&part=0
[15] “O império da família Maggi” Disponível em: http://dinheirorural.com.br/secao/agronegocios/o-imperio-da-familia-maggi
[16] Disponível em: http://reporterbrasil.org.br/2008/01/trabalho-degradante-e-flagrado-em-megafazenda-no-mato-grosso/ / http://reporterbrasil.org.br/2008/01/trabalho-degradante-e-flagrado-em-megafazenda-no-mato-grosso/
[17] Disponível em: http://www.forbes.com/sites/andersonantunes/2014/02/03/the-richest-politicians-in-brazil/2/#559f0d614cef
[18] Disponível em: http://www.republicadosruralistas.com.br/ruralista/18
[19] Disponível em: http://www.republicadosruralistas.com.br/ruralista/18