Não faz muito tempo em que as mulheres conseguiram o direito de escrever e ler, não faz mesmo. Imaginar uma mulher letrada no Brasil, no século XIX, em uma realidade escravocrata, predominantemente rural, era, no mínimo, desequilibrar os esquemas táticos que os grandes latifundiários usavam para se manterem no poder.
Com a tal da proclamação da “independência”, idealizou-se que a imagem atribuída ao país mudaria para distanciar-se do caráter colonial, primitivo. Porém, a quem esse papel iria atender senão aos que já estavam na condução deste processo? Aos homens e aos seus grupos sociais, eureca! Caminhamos para outro século e ainda temos um índice de analfabetismo entre o sexo feminino, superior ao masculino e mais ainda quando se refere a mulheres negras.
As mulheres em seu contexto histórico sempre ocuparam atividades que a sociedade ajuizava não necessitar de conhecimento intelectual e isso era mais frequente com aquelas mais empobrecidas. Eram lavadeiras, cozinheiras, prostitutas. A elas o analfabetismo não era uma opção, não tinham acesso à escola, ou a qualquer meio que oportunizasse a mudança quanto a essa condição. Segundo o critico literário Antônio Candido, no Brasil, em 1890, cerca de 84% da população era analfabeta, de acordo com o livro Literatura e Sociedade: Estudos de Teoria e História Literária: 2002, 50. No Brasil, as mulheres tiveram a ‘permissão’ de se matricularem em escolas em 1827 e apenas 52 anos depois, de cursar uma universidade.
As que tiveram a ousadia de desafiar este sistema predominantemente masculino, tiveram que se esconder atrás de pseudônimos e tiveram carreiras cheias de dificuldades, marcadas por preconceitos e estigmas. Há quem hoje insista em desqualificar e silenciar aquelas que se ‘atrevam’ a falar, escrever, se manifestar de modo geral. Nossos direitos políticos precisam ser defendidos frequentemente, há pouco a mais de 80 anos foi conquistado esse direito especificamente em 3 de maio de 1933. A luta por esta conquista durou mais de 100 anos, ou seja, se iniciou essa discussão no século XIX com a introdução da dita literatura feminina.
Muita alegações infundadas foram atribuídas às mulheres, dentre elas a associação de um desequilíbrio às questões de cunho hormonal, chamar de irracional, louca e histérica, por exemplo, e perguntar se você está de TPM são desqualificações e discursos banais. Frase do tipo: “Você é bonita para uma feminista” são clássicos do machismo escondidos supostamente atrás de um “elogio”. Justificados na tipologia da imagem, avaliam o corpo feminino (altura, cabelo, peso) como se fôssemos meros enfeites e penduricalhos de suas necessidades.
Existe aquele que tenta deslegitimar seu discurso, sua militância, alegando que sua fala feminista é chata, não agrega e que afasta possíveis homens a ingressar em uma organização política. O paternalismo se estende nos desconfiados adjetivos e, por sua vez, são exemplos de homexplicanismo. Outros termos, como “Você é racional demais para uma mulher”, ou “Você precisa é de homem”, ou “É uma mal amada”, ou “Vai lavar uma trocha de roupa” são apenas alguns dentre muitos que a mulher cresce ouvindo. Mulher boa é a mulher calada.
Infelizmente, tal opressão afeta inclusive nossa militância política. Quando de certa forma acreditamos que somos incapazes de conduzir uma discussão, de construir uma intervenção, um panfleto que seja, lembremos: “O proletariado não pode atingir a liberdade completa sem conquistar a plena liberdade para a mulher” (Lênin). Não podemos mesmo, porém não dá para desvincular a liberdade da mulher apenas com o fim do capitalismo e enquanto isso não ocorre “vou seguir com o machismo”!
Não adianta se dizer de esquerda se atribui à mulher o vitimismo e alega que somos “mimizentas”. Não adianta falar de revolução se tem práticas opressoras com quem milita lado a lado contigo. Não adianta dizer que não é machista, se utiliza de sua boa oratória e de certo modo do prestigismo para pegar a “carne nova” no partido. Não quero de modo alguns ofender a esquerda e tão pouco aqueles que divido sonhos, mas é preciso avaliar, é preciso ter balanço de nossas ações para que, com um olhar amplo, juntos possamos reescrever a história, respeitando cada camarada, sua fala, seu texto, sua presença na luta. Pois não vamos nos deixar calar. Chega!
Foto: Paulo Pinto/ AGPT