Praticamente todos, desde a década de 1950, ressaltam as possibilidades do Brasil alcançar a autossuficiência e também de abrir o setor do petróleo para empresas estrangeiras.
Preocupação com parceria entre Brasil e URSS
Alguns documentos mostram que os Estados Unidos acompanhavam com atenção as negociações entre Brasil e União Soviética no setor petrolífero pouco antes do golpe de 1964.
Na virada da década de 1950 para a década de 1960, a URSS estava expandindo suas exportações de petróleo para os países capitalistas. Um documento datado de 9 de junho de 1960 evidencia a preocupação da CIA com a atividade soviética na América Latina.
Moscou “aparentemente está usando o petróleo como um meio para explorar o sentimento nacionalista contra os investimentos dos EUA na indústria petrolífera da América Latina e para romper os padrões de mercado das companhias estadunidenses na área”, comenta o informe.
O mesmo relatório aponta que o Brasil havia importado em 1959 cerca de 420 mil barris de óleo cru da URSS em troca da exportação de cacau. Um acordo de dezembro do mesmo ano havia proporcionado ao país sul-americano mais de 4 milhões de barris anualmente durante três anos (aproximadamente 4% de todo o consumo brasileiro), embora o Brasil não tivesse certeza se completaria o acordo.
O serviço de inteligência dos EUA destaca que, em 1959, “uma grande delegação” de negócios do Brasil, incluindo membros da Petrobras, foi a Moscou para ver se era possível adquirir equipamento soviético especializado. Depois, quatro técnicos soviéticos visitaram São Paulo para aconselhar uma empresa privada a extrair xisto.
Outro documento, de 28 de agosto de 1961, aponta que “os vastos depósitos de óleo de xisto no Brasil continuam a ser de interesse da URSS”. Embora a Petrobras tivesse pedido um empréstimo do Export-Import Bank dos EUA para financiar a construção de uma usina piloto de óleo de xisto no Paraná, engenheiros da Petrobras visitariam o país socialista para estudar as operações soviéticas relacionadas com o óleo de xisto.
Logo depois, a Companhia Industrial de Rochas Betuminosas (CIRB) contratou técnicos soviéticos para fazerem estudos geológicos e técnicos a fim de determinar a viabilidade do desenvolvimento comercial dos depósitos de óleo de xisto no Vale do Paraíba, em São Paulo. Pelo acordo, em meados de 1962 a União Soviética forneceu equipamento e assistência técnica para a construção da usina de produção de gás de xisto em Pindamonhangaba, município da região. No final de 1960, especialistas soviéticos já haviam ficado três meses no local, com a aprovação do antigo Conselho Nacional do Petróleo.
Estimava-se que o sudeste do Brasil continha reservas de 102 bilhões de barris de óleo de xisto, menor apenas do que as dos Estados Unidos.
Relatório de 16 de março de 1962 (Arquivo: CIA)
A produção brasileira de petróleo vinha aumentando a cada ano, embora o país necessitasse importar a maior parte do que consumia. Mesmo assim, a CIA comentava, em 16 de março de 1962: “as condições parecem favoráveis para o desenvolvimento de óleo de xisto.”
A URSS utilizava o óleo de xisto na fabricação de produtos químicos a partir de seus derivados e também em locomotivas e usinas termoelétricas.
“A capacidade soviética para fornecer assistência tecnológica no desenvolvimento de uma indústria de óleo de xisto no Brasil é baseada em mais de 40 anos de experiência na área, incluindo produção de petróleo, gás e produtos químicos do xisto e seu uso como um combustível sólido”, relata a agência.
Assim, o Kremlin poderia fornecer ao Brasil qualquer tipo de equipamento para a indústria de óleo de xisto encontrado no Ocidente e outros exclusivamente soviéticos. A União Soviética também era o único país que desenvolvia uma indústria de gás de xisto.
A exploração das reservas de óleo de xisto era levada em consideração por altos oficiais, possivelmente com o auxílio dos EUA ou da URSS, segundo informou um agente em 23 de março de 1962. “Esse programa, se prometer ser bem-sucedido, teria forte apoio de líderes políticos e militares que há tempos se opõem à dependência de fontes estrangeiras de petróleo.”
A preocupação da concorrência com a URSS ainda é mais acentuada, no mesmo relatório, afirmando-se que o governo do então presidente João Goulart tem dado continuidade à política “de desenvolver relações próximas com o bloco sino-soviético” do governo anterior de Jânio Quadros, a quem o agente se referiu como tendo desempenhado “atividades anti-EUA”.
Quadros assumira o mandato em janeiro de 1961 e renunciara apenas sete meses depois, denunciando inclusive a participação estrangeira em conspirações contra ele. João Goulart, então vice-presidente, tomou posse em seu lugar e dois meses depois reatou relações diplomáticas do Brasil com a URSS após 13 anos.
Poucos dias depois do último comunicado, a CIA escreve outro, vendo a possibilidade de Moscou utilizar o projeto “como uma oportunidade para demonstrar a eficiência dos técnicos soviéticos e como os precursores de extensa ajuda para o desenvolvimento do xisto em cooperação com a Petrobras”.
Em outubro de 1963, a espionagem estadunidense envia um relatório sobre as atividades econômicas do bloco sino-soviético em países do Terceiro Mundo. É dedicada uma página inteira às recentes atividades no Brasil, mas somente o resumo de um parágrafo foi disponibilizado no site da CIA. Informava das potencialidades para o desenvolvimento de petróleo na Amazônia e no nordeste do país, segundo um comunicado soviético enviado à Petrobras.
Golpe militar e esfriamento das relações com a URSS
Relatório de 19 de março de 1964 (Arquivo: CIA)
As refinarias privadas de Capuava, Ipiranga, Manguinhos, Amazonas e Destilaria Riograndense seriam encampadas a partir de 15 de abril de 1964, de acordo com decreto assinado por João Goulart no comício da Central do Brasil, em 13 de março do mesmo ano, como parte das Refomas de Base. A essa altura, Jango já se apoiava nas forças populares para se defender dos ataques conservadores que o acuavam cada vez mais.
Na semana seguinte, a CIA mostrava preocupação com as medidas nacionalistas do presidente brasileiro. “Há rumores na imprensa de que o próximo passo de Goulart será expropriar companhias privadas de distribuição de petróleo que têm pesados investimentos europeus e dos EUA”, relata um agente. E continua: “A embaixada dos EUA duvida que Goulart vá tão longe em provocar os EUA e outros governos nesse momento, mas diz que a possibilidade não pode ser descartada.”
Em 1º de abril, Jango e suas reformas são derrubados por um golpe militar. Posteriormente, descobrem-se provas de que os Estados Unidos desempenharam importante papel nos acontecimentos. Washington apoiou o golpismo de diversas formas, desde o financiamento de políticos opositores, meios de comunicação, entidades da sociedade civil, até o deslocamento de navios próximos à costa brasileira.
Militares participantes do golpe e do restante do período foram treinados por instrutores estadunidenses na Escola das Américas, no Panamá.
De acordo com o ministro do Trabalho do Governo Jango, Almino Affonso, o monopólio estatal do petróleo era uma questão central do golpe militar que vinha desde o governo de Getúlio Vargas, quando foi criada a Petrobras, em 1953.
“A criação da Petrobras e da Eletrobras [estatal de energia elétrica], proposta por Vargas, confrontava interesses norte-americanos de maneira absoluta, porque ambas feriam os interesses que eles gostariam de ver triunfar no Brasil. Ou seja: gostariam de participar da exploração direta do petróleo, sozinhos ou como parte da Petrobras”, declarou em uma entrevista em 2014. Ele não descartou a influência de “interesses escusos” sobre políticos da oposição, que desde a década de 1950 vinham pressionando por uma maior liberalização do setor.
O historiador e cientista político Roberto Bitencourt da Silva lembra também que no final dos anos 1950 uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) encabeçada por parlamentares da esquerda nacionalista denunciou o envolvimento direto das petrolíferas multinacionais Esso e Shell “por condicionarem a imprensa brasileira em um sentido entreguista, via vultuosas propagandas, possivelmente conformando os maiores gastos de anunciantes no Brasil”. A Esso patrocinava um programa de rádio e TV, “Repórter Esso”, que veiculava o ponto de vista contrário da empresa ao monopólio estatal do petróleo, assim como à limitação de remessa de lucros para o exterior.
O regime pós-64 não rompeu com o bloco comunista, mas esfriou suas relações, limitando-as mais ainda ao comércio e a acordos de cooperação de pouca importância. Além disso, perseguiu com mão de ferro as ideias de esquerda dentro do país. Mas no âmbito das relações internacionais, havia um certo pragmatismo.
No entanto, o que parecia ser uma firme parceria no setor do petróleo acabou por desmoronar-se. Logo nos primeiros anos do regime militar, a Petrobras cortou relações com a União Soviética sobre a lavra do xisto e, para construir a usina piloto de São Mateus do Sul, no Paraná, aproximou-se da empresa estadunidense Cameron & Jones Company, que desde 1958 havia se interessado no projeto. A companhia era ligada ao Escritório de Minas do Governo dos EUA em operações de óleo de xisto no Colorado.
Um ano após o golpe, o governo aprovou o investimento privado de qualquer origem na indústria petroquímica. Isso beneficiou empresas como a Union Carbide, a Phillips Petroleum e o grupo Rockefeller, além da Dow Chemical – presidida no Brasil pelo general Golbery do Couto e Silva, uma das principais figuras do regime e ex-diretor do IPES (Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais), que conspirou contra Jango e era financiado pelo governo dos EUA.
Foi a realização parcial do interesse expresso desde os anos 1950 de privatização ou participação de capital privado estrangeiro em empresas estatais, especialmente de petróleo.
Logo depois, franqueou-se o aproveitamento do xisto betuminoso da região sul que até então era reservado à Petrobras.
Curiosamente, por outro lado, a União Soviética continuou desenvolvendo pesquisas para a construção do complexo de xisto da CIRB em São Paulo, pelo menos até 1968, conforme dois relatórios da CIA.
Relatórios detalhados sobre riquezas naturais brasileiras
Nas décadas de 1970 e 1980 a CIA manteve a produção de informes sobre as relações do Brasil com diversos países e sua produção e exploração de riquezas naturais. O principal interesse continuou sendo o petróleo.
Um relatório de 1975 diz que o então presidente Ernesto Geisel era favorável à ideia de ter empresas estrangeiras trabalhando no setor petrolífero. De fato, o governo foi afrouxando a partir da década de 1970 o monopólio estatal da Petrobras.
Os principais responsáveis por essa política foram o então ministro de Minas e Energia, Shigeaki Ueki, e o economista e ex-ministro do Planejamento no governo de Castelo Branco, Roberto Campos, que defenderam “arduamente” os chamados contratos de risco, segundo Carlos Alberto Lucena, em seu livro “Tempos de destruição: educação, trabalho e indústria do petróleo no Brasil”.
Em março de 1970 o Brasil havia declarado que seu território marítimo era até 200 milhas da costa, o que contraria os interesses dos EUA. Relatório de 1974 intitulado “Estudo da Lei do Mar – Brasil”, com informações pormenorizadas, mas que não foi totalmente disponibilizado na internet, ressalta que esse posicionamento do governo brasileiro restringia atividades de pesca dos EUA. O país norte-americano acabou fazendo um acordo para continuar operando nas águas da região norte do Brasil, apesar de algumas limitações e do pagamento de 200 mil dólares anuais.
Em 1979, Ueki assumiu a presidência da Petrobras até o fim do regime militar (1984) e o caminho para a abertura da companhia ao capital estrangeiro continuou sendo trilhado. Na metade da década de 1980, a empresa já havia começado a trabalhar junto com companhias estrangeiras. Por meio de decretos-leis e do sucateamento da Petrobras, o governo buscou iniciar as privatizações das estatais, que se tornariam realidade no final dos anos 1980 e durante a década de 1990.
Documentos da CIA de 1986 também apontavam nessa direção. Um deles dizia que as políticas adotadas por organizações comerciais estatais (State Trading Organizations, STOs na sigla em inglês) de países do Terceiro Mundo, como o bloqueio de investimentos estrangeiros, afetam os interesses dos EUA ao reduzir a competitividade de suas companhias e serem hostis ao livre comércio.
O relatório sugere ainda que os EUA deveriam pressinar por reformas nessas empresas estatais (como a Petrobras e a Vale do Rio Doce, algumas das maiores e mais importantes STOs citadas) através de diversos organismos internacionais, porque seu desmantelamento favoreceria os interesses comerciais e políticos do governo estadunidense.
O outro, do mesmo ano, afirmava que as novas descobertas de campos de petróleo brasileiros no final dos anos de 1980 “têm o potencial de, no início dos anos de 1990, reduzir, senão eliminar, a dependência do país na importação de petróleo”.
Segundo esse último relatório, as implicações do desenvolvimento da área petrolífera da Bacia de Campos (onde, em 1984, foi descoberto o primeiro campo gigante em águas profundas, o de Albacora) e outras águas profundas para os EUA eram os seguintes: assistência de companhias de engenharia estrangeiras na exploração do que fosse encontrado em águas profundas; oportunidades para empresas estadunidenses vencerem contratos de perfuração na exploração adicional de offshores; e concessões comerciais do Brasil, facilitando as chances para exportações dos EUA entrarem no país.
O relatório adverte, entretanto, que empresas dos EUA enfrentariam a competição de outros países para operar em parceria com a Petrobras e que as companhias brasileiras poderiam ficar em uma posição muito forte para competir no mercado offshore mundial na década de 1990.
Entre os arquivos que citam a Petrobras, nenhum dos que estão disponíveis é datado da década de 1990 para frente.
Em 1995, o monopólio estatal da Petrobras foi quebrado pelo Congresso brasileiro, o que permitiu a abertura do setor petrolífero à iniciativa privada em 1997 pelo presidente Fernando Henrique Cardoso. No mesmo ano, o governo privatizou a Vale.
A história se repete?
Em entrevista concedida no início deste ano ao jornalista Fernando Morais, o fundador do Wikileaks, Julian Assange, afirmou que o Brasil é o país da América Latina mais espionado pelos Estados Unidos.
Como publicou o jornal Folha de S. Paulo em setembro de 2013, agentes da CIA atuam livremente no Brasil. Eles colaboram em diversas operações da Polícia Federal, principalmente através da parceria de fachada entre a embaixada dos EUA e a PF formalizada em 2010. Agentes trabalham em regiões estratégicas do país, como São Paulo (maior polo industrial e financeiro), Amazonas e Foz do Iguaço (ambas com recursos naturais invejáveis).
“Zona cinza – assim são chamadas pelos policiais federais algumas técnicas dos espiões americanos no país: invasão de sistemas, compra de informações e suborno de funcionários de empresas públicas ou privadas”, informa a reportagem.
Mas a CIA não é a única agência de espionagem dos EUA atuando no país. Ainda em 2013, o analista Edward Snowden vazou documentos que provaram que a NSA (Agência de Segurança Nacional dos EUA) espionou a Petrobras e a então presidenta da República, Dilma Rousseff.
Um dos motivos da espionagem foi possivelmente para que petrolíferas estadunidenses obtivessem vantagem no leilão do Campo de Libra, na Bacia de Santos, maior reserva do pré-sal – que, por sua vez, é a maior reserva de petróleo descoberta em todo o mundo nas últimas décadas.
As gigantes companhias dos EUA, Exxon Mobil e Chevron, acabaram ficando de fora da exploração daquele campo. O leilão foi vencido por consórcio liderado pela Petrobras (com 40% de participação – sendo 30% obrigatórios por lei) e formado por duas empresas chinesas, além da Shell e da francesa Total.
As multinacionais norte-americanas foram passadas para trás na competição pelo petróleo brasileiro. Mas o Wikileaks já havia revelado em 2010 que Exxon Mobil e Chevron faziam lobby junto ao Congresso para flexibilizar ainda mais o regime de exploração do pré-sal. Diplomatas dos EUA e o então senador José Serra estavam envolvidos.
Em 2016, Serra elaborou um projeto de lei que retira a obrigatoriedade da participação da Petrobras na exploração do pré-sal e sua exclusividade na operação dos campos.
No mesmo ano, Dilma Rousseff foi derrubada por um golpe judicial-parlamentar-midiático que vinha sendo tramado desde 2014. Grandes manifestações por todo o Brasil apoiaram sua destituição. Algumas pediam intervenção militar, outras pediam intervenção dos EUA.
Uma das principais entidades organizadoras dos protestos foi o Movimento Brasil Livre (MBL), do qual nunca se havia ouvido falar. Alguns de seus principais membros são ligados a instituições financiadas pelos irmãos Charles e David Koch, bilionários estadunidenses da indústria do petróleo.
Além disso, a Operação Lava Jato, que investiga crimes de corrupção envolvendo a Petrobras, foi o carro-chefe que embalou o impeachment da presidenta, apesar dela nunca ter sido relacionada a ações de corrupção.
A operação, levada a cabo pela Polícia Federal, contou com apoio direto dos Estados Unidos no fornecimento de dados sigilosos sobre a companhia e afetou especialmente os setores nacionais da Petrobras, não os estrangeiros. A empresa, que até aquele momento tinha enorme prestígio internacional, sofreu crise de grandes proporções e o atual governo já iniciou novo desmonte do que restou da estatal.
Juízes que comandam a Lava Jato e policiais federais foram treinados por instrutores estadunidenses. Os primeiros, no Brasil, e os segundos, nos EUA.
Ainda em 2016, o recém-empossado ministro das Relações Exteriores, José Serra, viu aprovado em outubro o seu projeto de lei na Câmara dos Deputados. Ele ainda deverá ser sancionado pelo presidente Michel Temer.
Em janeiro deste ano, foi anunciado o leilão de 21 campos de óleo e gás da Petrobras a partir de 2018 e licitação para uma obra no Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro com a participação de 30 empresas estrangeiras e nenhuma nacional.
Será uma ótima oportunidade para as companhias estadunidenses.