O Perímetro Irrigado Jaguaribe-Apodi teve sua primeira etapa iniciada em 1987, responsável por conflitos socioambientais decorrentes do uso de agrotóxicos e da contaminação das águas e das populações rurais do entorno do projeto, além de conflitos socioterritoriais em virtude da desapropriação de comunidades camponesas da região, inclusive com a ocorrência do assassinato de uma liderança comunitária e mortes decorrentes de doenças em virtude da contaminação por agrotóxicos (RIGOTTO, 2011).
Um dos maiores impactos do Perímetro Irrigado Jaguaribe-Apodi diz respeito à saúde dos trabalhadores. Um trabalho pioneiro desenvolvido pelo Núcleo Trabalho, Meio Ambiente e Saúde para a Sustentabilidade (TRAMAS), tem sido de extrema relevância para a região do Baixo Jaguaribe sobre os efeitos do uso de agrotóxicos na saúde das populações dos municípios que sediam as grandes empresas nacionais e estrangeiras de produção agrícola. Os resultados do Estudo epidemiológico da população da região do Baixo Jaguaribe exposta à contaminação ambiental em área de uso de agrotóxicos (RIGOTTO et. al., 2010), delinearam “um quadro de grave problema de saúde pública: mais de 97% dos trabalhadores do agronegócio e dos agricultores familiares dos municípios de Limoeiro do Norte, Quixeré e Russas estão expostos a agrotóxicos. Em menor medida, este problema atinge também os assentamentos de reforma agrária. O contato é direto em cerca de 30% dos trabalhadores do agronegócio e em 60% dos agricultores familiares camponeses, envolvendo a preparação de misturas, a pulverização costal, o trabalho exercido em área recém-pulverizada, o armazenamento e transporte, o descarte de embalagens e a limpeza de roupas” (CARNEIRO, RIGOTTO e PIGNATI, 2012, p. 9). O Estudo Epidemiológico comprova que “Além das intoxicações agudas, há também efeitos de longo prazo, como o aborto, e outros que ainda estão sendo estudados, tais quais cânceres, malformações congênitas, doenças endócrinas, doenças imunológicas, etc” (RIGOTTO et. al., 2010, p. 28), sendo a incidência de câncer 38% maior do que em outras regiões onde não existem empresas do agronegócio.
Essa vulnerabilidade dos trabalhadores do agronegócio e das comunidades camponesas à exposição dos agrotóxicos e também a luta e organização destes tornou possível a implantação do Centro de Referência em Saúde, Trabalhado e Ambiente – CERESTA RURAL Zé Maria do Tomé, sediado em Limoeiro do Norte, através da Portaria do Ministério da Saúde n. 41/2012.
O CERESTA recebeu o nome de Zé Maria do Tomé em memória do trabalhador rural, líder comunitário e ambientalista José Maria Filho, da comunidade de Tomé, em Limoeiro do Norte-CE, assassinado em 21 de abril de 2010 com 25 tiros de pistola em virtude de sua luta contra a pulverização aérea de agrotóxicos, da contaminação da água para o consumo humano/animal e expulsão de agricultores de comunidades da Chapada do Apodi, bem como contra a grilagem de terras públicas no Perímetro Irrigado Jaguaribe/Apodi. Sua morte mobilizou diversos setores da sociedade civil, políticos, universidades e igreja em torno da problemática ambiental da região, tendo grande repercussão nacional e visibilidade internacional, resultando em várias matérias e reportagens, entre elas, uma reportagem da Agência de Notícias Reuters[2], Conexão Repórter[3], do SBT, Profissão Repórter[4], da Rede Globo, Jornal Brasil de Fato[5], Carta Capital[6].
Em 26 de junho de 2012 a juíza Flávia Setúbal, da Comarca de Limoeiro do Norte, aceita a denúncia do Ministério Público contra João Teixeira Júnior, empresário, proprietário da Frutacor Comercialização e Produção de Frutas, acusado de autoria intelectual do crime; José Aldair Gomes Costa, gerente da empresa Frutacor, também seria autor intelectual; Francisco Marcos Lima Barros, que teria dado apoio à emboscada, morador do Tomé e Antônio Wellington Ferreira Lima. Suposto executor e morador do Tomé. Em 19 de agosto de 2015 a Justiça de Limoeiro do Norte pronuncia ou manda a júri popular João Teixeira Júnior, José Aldair Gomes Costa, Francisco Marcos Lima Barros e Antônio Wellington Ferreira Lima.
De acordo com uma Linha do Tempo elaborada pelo jornalista Dimitri Túlio[7], do jornal O Povo, desde então ocorreram os seguintes fatos:
25/1/2016 - Os advogados Paulo Quezado e João Marcelo Pedrosa, defensores dos réus, entram com um recurso contra a decisão da Justiça de Limoeiro do Norte.
14/12/2016 - O recurso, segundo o desembargador e relator Francisco Martônio, estava pronto para ser julgado pela 2ª Câmara Criminal. No entanto, foi retirado da pauta a pedido dos advogados de defesa dos réus. Primeiro adiamento.
25/1/2017 – O recurso voltou à pauta da 2ª Câmara Criminal dia 25 e, depois, em 1/2/2017. Mas as datas coincidiram com as férias (9/1 a 7/2) do desembargador Francisco Martônio.
8/2/2017 - Ao retornar das férias, o desembargador Francisco Martônio pautou o processo para a sessão de 8/2. Porém, segundo o TJCE, ele teve de retirá-lo para fazer adaptações no voto. O advogado Cláudio Silva, da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (Renap), o Movimento 21 de Abril e a Cáritas do Ceará, denunciam os constantes adiamentos e a morosidade da Justiça cearense.
15/2/2017 - Feitas as mudanças, seria apreciado nesta data. No entanto, foi retirado da pauta em cumprimento ao Regimento Interno do TJCE.
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No entanto, no dia 22 de fevereiro de 2017, na Sessão da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) o desembargador cearense Francisco Martônio Vasconcelos, relator do recurso impetrado pela defesa, votou pela absolvição dos acusados pelo assassinato do líder rural José Maria de Tomé. A sessão foi suspensa quando o desembargador Haroldo Máximo, presidente da Câmara, pediu vistas do Processo.
O processo voltará à pauta no próximo dia 15 de março, a partir das 13h30min. Nessa sessão o desembargador que pediu vistas deve apresentar seu voto. Segundo o advogado Cláudio Silva, da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (Renap), caso os dois desembargadores que faltam proferir o voto concordem com o voto do relator, o recurso será julgado provido em favor dos réus.
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“Os que num momento dado dominam são os herdeiros de todos os que venceram antes. A empatia com o vencedor beneficia sempre, portanto, esses dominadores”.
Walter Benjamin, Sobre o Conceito de História.
No dia 21 de abril de 2017 completará 7 anos da morte de Zé Maria do Tomé. Um assassinato bárbaro que tirou a vida de uma liderança comunitária, cujas ações se voltaram para a denúncia das atrocidades das empresas do agronegócio e da atuação predatória do Estado. A terra da Chapada do Apodi ficou banhada com o sangue desse lutador e passou a alimentar as lutas contra o agronegócio, os projetos de infraestrutura hídrica e projetos públicos de irrigação que têm contribuindo para a reconfiguração do espaço social na região com a expulsão ou despossessão de comunidades camponesas e a apropriação privada do patrimônio natural.
Os problemas socioambientais que motivaram a luta de Zé Maria do Tomé se intensificaram nos últimos anos, inclusive com muitos casos de morte de trabalhadores rurais em virtude da contaminação por agrotóxicos. O aumento da incidência de câncer em trabalhadores do agronegócio e das populações do entorno dos projetos públicos de irrigação tornou-se um problema gravíssimo.
As violações de direitos constituem a regra de atuação do Estado e das empresas do agronegócio. Estão sendo violados os direitos: à participação política; à terra, ao território e aos direitos culturais; à água; ao meio ambiente; ao trabalho e; à saúde[8].
A decisão do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE), se confirmada em favor dos réus, legitimará todas as violações de direitos que vêm ocorrendo na região. Fiquemos atentos ao desfecho desse caso, pois conforme o filósofo alemão Walter Benjamin as novas gerações têm uma responsabilidade não apenas sobre o presente e o futuro, mas também sobre o passado, pois este “traz consigo um índice misterioso, que o impele à redenção. Pois não somos tocados por um sopro do ar que foi respirado antes? Não existem nas vozes que escutamos, ecos das vozes que emudeceram? (...) Se assim é, existe um encontro secreto, marcado entre as gerações precedentes e a nossa. Alguém na terra está a nossa espera”, pois “nada do que um dia aconteceu pode ser considerado perdido para a história” (BENJAMIN, 1987, p. 223). Não podemos deixar que continue o cortejo triunfal dos vencedores de hoje, permitindo que os corpos dos que estão prostrados no chão sejam espezinhados e sobre os quais sejam levados os despojos saqueados pelos dominadores.
Limoeiro do Norte-CE, 13 de março de 2017
Movimento 21 – M21
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS