A construção do porto segue embargada judicialmente em razão de não se adequar ao atual Plano Diretor de São Luís, que veda atividade portuária na Praia de Parnauaçu – localidade do Cajueiro onde vive a família, que inclusive se encontra dentro do espaço da Reserva Extrativista de Tauá-Mirim, cujo processo aguarda, há anos, finalização de trâmites burocráticos para seu reconhecimento – como a anuência do Governo do Estado (recentemente, industriais da capital maranhense reuniram-se com o ministro do Meio Ambiente do governo Temer e dele obtiveram a declaração de que, enquanto for ministro, a reserva não sairá do papel).
Dessa forma, a WPR beneficia-se da falta de empregos para pressionar por suas instalações em São Luís. Outro detalhe não menos importante é que a quantidade de empregos gerada não corresponde à expectativa e promessas do empreendimento de que contribuiria para diminuir o desemprego no Maranhão, justificativa utilizada há décadas por empresas para remover comunidades tradicionais na Ilha de São Luís: o EIA-RIMA (Estudo de Impacto Ambiental e seu respectivo relatório, peças indispensáveis para esse tipo de instalação e produzidas pela própria empresa) indica somente a geração de 800 empregos no período de construção do porto, que seriam reduzidos a 180 em seu funcionamento.
AMEAÇAS VÊM DESDE O GOVERNO ROSEANA
Desde 2014, o modo de a WTorre se relacionar com a sociedade maranhense é na base da pressão. Sua subsidiária chegou na região de Cajueiro impondo aos moradores o cerceamento de seu direito de ir e vir, com a tentativa de instalação de uma cancela restringindo os pescadores da comunidade de acessarem seu local de trabalho. Simultaneamente, contrataram uma empresa de segurança para patrulhar a área – posteriormente se descobriu que a empresa era irregular, e os moradores pressionaram para que ela fosse afastada da localidade.
Quinze dias após assumir o governo do Estado, Flávio Dino publicou em sua página no microblogue Twitter a suspensão da licença concedida às pressas pelo seu antecessor ao empreendimento: no apagar das luzes de seu governo-tampão, Arnaldo Melo (que governou nos últimos meses de 2014 após a renúncia de Roseana Sarney) concedeu licença prévia para a WPR/WTorre seguir com seus intentos.
Agora, em 5 de abril de 2017, Flávio Dino, atual governador, anunciou, também através do Twitter, sua participação, juntamente com seus secretários, em cerimônia de assinatura de convênio entre a WPR e a China Communications Construction Company (CCCC) para a construção do porto. Quanto ao processo de licenciamento, esse segue o padrão estabelecido durante o governo Roseana, que é o de falta de publicidade.
A única audiência pública obrigatória para andamento do processo de licenciamento foi realizada ainda durante o governo Roseana Sarney, no quartel da Polícia Militar, impondo constrangimentos à participação da comunidade. Dar andamento agora ao processo, portanto, significa acatar todo o autoritarismo que marcou o interesse da WTorre no projeto.
PRESSÕES CONTINUAM
A tentativa de isolamento e a pressão desmedida sobre um casal de idosos não foi o primeiro passo dado pela tal Comissão de Desempregados. No final de janeiro deste ano, a ofensiva foi contra o Grupo de Pesquisa: Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA), da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), que realiza trabalhos de pesquisa e extensão universitária na região e ouve os moradores que, em boa parte, não desejam deixar suas casas. Nesse período, foi distribuído nas dependências da UFMA um panfleto ameaçador contra o GEDMMA e um de seus coordenadores, o Prof. Dr. Horácio Antunes, que registrou as ameaças na Polícia Federal:
Ameaças contidas em panfletos distribuídos na Universidade onde trabalha levaram coordenador do GEDMMA a dar queixa na Polícia Federal
No panfleto, a CTDCCP chega a dizer que “estarão no local cerca de 1.600 trabalhadores desempregados para o que dê e vier” (sic). Na última sexta-feira, o número de pessoas que foi reunido na porta de Seu Joca e Dona Diná não chegou nem perto disso (se chegasse talvez teriam de disputar ferozmente as poucas vagas temporárias registradas pela empresa em seu EIA/RIMA na fase de construção do pretendido porto), mas assustou o casal, que teve de recorrer a remédios para hipertensão além de tentar registrar a agressão na Delegacia de Idosos (terão de retornar em outro momento, pois o sistema estava fora do ar; além disso, outra delegacia procurada não registrou a ocorrência, mesmo com o casal contando o ocorrido ao delegado que respondia, nessa sexta-feira, pela Delegacia do Bairro Anjo da Guarda).
PESQUISADORES NA MIRA
Além dos panfletos colocados no início deste ano no local de trabalho e estudo dos pesquisadores do GEDMMA (que desde 2014 acompanham a violenta tentativa de instalação do empreendimento no Cajueiro), no dia seguinte ao ato na porta de Seu Joca e Dona Diná começou a circular nas redes sociais uma anônima “carta aberta da comunidade do Cajueiro ao senhor Horácio Antunes” (um dos coordenadores do GEDMMA).
Além de muito citado, segundo quem estava presente, durante a ação na porta do casal no Cajueiro e no panfleto distribuído em seu local de trabalho, o professor da Universidade Federal é visto pelos autores como o responsável individual pela “Carta de Repúdio ao Apoio do Governo do Maranhão para construção de Um porto na Comunidade Cajueiro, em São Luís-MA”, a quem essa nova carta tenta responder. Na verdade, o manifesto de repúdio a que faz referência, como pode ser visto, denuncia a mudança de posição do governo do Estado sobre o porto (que contraria inclusive discurso de posse do governador, na qual ressaltava respeito às comunidades tradicionais), e foi redigido coletivamente por membros do Movimento de Defesa da Ilha, do qual o professor faz parte. Além disso, o manifesto é subscrito por centenas de cidadãos de várias partes do país e mesmo do exterior, além de movimentos sociais, grupos de pesquisa, povos e comunidades tradicionais (que vivem ou viveram situação semelhante ao Cajueiro), e diversos outros tipos de instituições, como pode ser visto abertamente no documento, como forma de solidariedade àqueles que resistem às pressões da empresa e seus novos aliados.
O que a carta divulgada após o ato contra idosos na sexta não explica, por exemplo, é por que, ao falar em nome do Cajueiro (sem constar assinatura de qualquer morador) e, mais uma vez atacar quem acompanha a situação desde 2014 (a pedido da própria comunidade), nada diz sobre o violento ataque desferido contra uma família vulnerável da região e, em vez disso, defende frontalmente a corporação que procura se beneficiar desses ataques aos moradores.
O documento silencia sobre os casos de intimidação registrados quando da chegada da empresa na região e a derrubada de várias casas no Cajueiro – a derrubada, inclusive, foi classificada pelos homens da CTDCCP como mentirosa, mesmo estando eles a poucos metros das ruínas.
Cíndia Brustolin, também professora da Universidade Federal do Maranhão e coordenadora do GEDMMA, rebate as acusações feitas de intromissão do grupo de pesquisa no Cajueiro. “A carta não relembra que o Grupo foi chamado por moradores quando a empresa apresentou documento (contestado na justiça) dizendo que o que estava fazendo era uma desapropriação. O histórico de violações de direitos que estão na entrada do GEDMMA na discussão mais recente sobre o Cajueiro some”, lembra a professora.
A divulgação dessa carta logo após ao ataque à família de Seu Joca faz suspeitar de ação orquestrada, planejada, em favor do empreendimento, que segue executando violenta pressão como modus operandi. A tentativa de fazer do professor universitário o inimigo a ser combatido, tanto por pretensos moradores que teriam redigido o novo ataque quanto pela comissão de desempregados que seriam beneficiados pela instalação do empreendimento (sem que tenham garantia alguma disso) reforça essa suspeita.
Não é a primeira vez, inclusive, que se tenta mobilizar a opinião pública em beneficio da empresa. Em maio de 2016, a autointitulada “mobilizadora social” Iêda Maria da Silva procurou o Jornal Pequeno, que circula em São Luís, afirmando que moradores queriam a construção do porto. Ela esteve na redação do jornal junto com outro morador, alegando que levantamento feito junto a mais de 200 famílias da comunidade apontava que o empreendimento seria benéfico à localidade, contrariando inclusive o que está publicado no EIA/RIMA do porto. Ela não citou fonte de tal levantamento. No dia seguinte à essa publicação, o jornal abriu espaço para a réplica da Associação que representa os moradores da comunidade, afirmando que estes não querem porto na região:
VIOLÊNCIA PLANEJADA CONTRA IDOSOS
A pressão psicológica sobre os idosos foi feita desde a véspera, com os boatos de que haveria a tal manifestação. Preventivamente, as secretarias estaduais de Direitos Humanos e de Segurança Pública foram acionadas, e assim, enquanto realizavam seu protesto (no qual o GEDMMA e seu coordenador foram novamente atacados), os homens da CTDCCP foram acompanhados por uma viatura da Polícia, o que pode ter evitado que o casal fosse perturbado de forma ainda mais ostensiva – entretanto, eles saíram prometendo voltar outra vez.
“Eu não estava acreditando que eles viriam pra cá. Pra se entender com quem aqui? Aqui não tinha ninguém chamando eles, nem morando aqui sem ser nós, por que escolheram vir para cá? Estão querendo o que? Me expulsar daqui? Só pode ser isso que eles estão querendo”, indigna-se Seu Joca.
Sempre mais calada, Dona Diná, ao ver o movimento em frente à sua casa, também se posicionou: “Eu perguntei pra eles: vocês querem emprego? Eu também tenho filhos, empregados e desempregados. Eu não tenho emprego pra dar pra vocês. Aqui não é prefeitura, aqui não é palácio pra vocês virem pra cá fazer manifestação na minha porta. Vocês querem emprego e querem meu desassossego, é isso? O que vocês estão fazendo na minha porta? Aqui não tem nenhum emprego, aqui não tem nenhum emprego, então pra que vocês vieram pra cá?”, indagou aos homens que chegaram, segundo Seu Joca, em 12 carros e 14 motocicletas. Os carros ainda puderam ser vistos ao deixar o local, e todos os veículos estavam cheios de homens.
O Casal, que sustentou 12 filhos e 3 netos com o que Seu Joca produz no Cajueiro e vende em feiras da cidade, lembrou que uma das casas derrubadas no final de 2014 na região, em nome do empreendimento, era de um dos filhos, que mudaria durante as festas de final de ano para a casa nova, construída em terreno doado pelo pai. Os dois lembraram ainda que esse tipo de pressão marca a atuação da WPR, defendida pela CTDCCP, na região: “Sempre foi assim. Minha cerca cortaram. A casa do meu filho, derrubaram. A empresa sempre mandou fazer isso. É sufoco aqui com essa empresa. É sempre adversário que eles querem”, diz Dona Diná.
Eles destacaram que as falas ditas durante a ação da CTDCCP também davam a entender que a resistência do casal em permanecer no local em que moram há quase quatro décadas se dá porque estariam ganhando dinheiro. “Eles dizem que nós é que queremos dinheiro, mas quem deve estar ganhando dinheiro é quem tá fazendo esse tipo de coisa, que pode estar ganhando alguma mixaria dessa empresa. Eu não tô indo pedir dinheiro, e não estou ganhando dinheiro às custas de ninguém”, desabafa a septuagenária.
Sobre o protesto, ela continua a questionar: “Eles querem nos ameaçar, nos amedrontar, é isso?”, e desabafa: “Nós estamos sossegados vivendo aqui. Não sei quanto tempo ainda tenho de vida, mas todo mundo tem direito a seu lugarzinho e ao seu sossego”. Por sua vez, Seu Joca lembra: “Eu disse pra eles ainda: essa velhinha sofre do coração. Vamos ver se ela cai aqui e morre o que vocês vão fazer”, disse, apontando para a esposa, que segue questionando o motivo de tal ação: “Eu disse pra eles: ‘por que vocês pararam aí’? Pra que eles fizeram isso? Acho esquisito”.