A Constituição passou longe da Reforma Trabalhista. Acordos e Convenções das Nações Unidas e da Organização Internacional do Trabalho também. Se a Reforma for levada à pleno, a Justiça do Trabalho simplesmente deixa de existir, pois contrariando a regra constitucional que garante ao trabalhador a possibilidade de ingressar com demanda trabalhista em até 2 anos depois da despedida ou saída do emprego, o projeto aprovado cria a regra da quitação anual. Tal regra, digo com antecedência, é letra morta, não tem valor jurídico e morre na primeira demanda judicial. Mas é apenas um dos exemplos mais grotescos de um diploma jurídico que autoriza a inclusão de trabalhadoras grávidas em ambientes insalubres, curiosamente em norma aprovada com louvor pela bancada evangélica que condena o aborto derivado de estupro. Em síntese, se uma mulher for estuprada, o aborto é um pecado, mas se ela perder o filho por aborto derivado de contaminação em ambiente insalubre, é um fato justo e admitido pela lei dos homens, é um mero percalço da vida.
O ataque à organização sindical é gritante e vai muito além do fim imposto sindical e de outras vantagens organizativas das entidades. Os dissídios, pelos norma proposta, passam a ser individuais em vários pontos, como no debate sobre horas extras e férias. Não há nada de que favoreça os acordos coletivos, ao contrário, as regras coletivas são trocadas por um individualismo absoluto. Não se discute mais equivalência de atividade, pois o patrão pode escolher quanto paga ao trabalhador de acordo com o seu agrado. Também não se fala mais em piso, salário base ou qualquer outra vantagem, quiçá participação nos lucros. Quem define a forma de remuneração do trabalho é, exclusivamente, a empresa. Então, àqueles que apregoam as vantagens dos acordos trabalhistas e da negociação coletiva no trabalho, esqueçam, nada disto foi privilegiado na Reforma. É livre negociação mesmo entre patrão, com o dinheiro e os meios de produção na mão, e trabalhador vendendo literalmente a sua força de trabalho.
Banco de horas, férias coletivas, dispensas em massa e uma série de outras medidas onde hoje temos a atuação dos sindicatos, passam ao livre arbítrio do empregador ou à negociação direta com o empregado. Acreditem, o uniforme do trabalhador pode virar um outdoor publicitário e este será obrigado a custear a manutenção do mesmo! Ou seja, a empresa define o uniforme, o trabalhador paga e a empresa ainda ganha com a publicidade de terceiros no vestuário. Segurança do trabalho? Para que?
Poderia passar horas descrevendo os absurdos da Reforma Trabalhista, como o fim da jornada de 8 horas, a possibilidade de pagamento de remuneração abaixo do salário mínimo, dentre outras, várias das quais vão cair no judiciário por meio de jurisprudência da justiça do trabalho, pois até as súmulas, prerrogativa constitucional do TST, pela proposta, deixam de existir. Mas o que pretendo mostrar aqui é o tamanho do absurdo que foi aprovado pelo Congresso Nacional e pelos ditos representantes do povo. Não acredito que um empresário sério, em sã consciência, com o mínimo de dignidade, aceite pacificamente tamanha barbárie! Retornarmos ao século XIX e retornarmos oficialmente com a escravidão só falta ao Parlamento aprovar um lei que autorize os castigos corporais, pois o resto já retornou.
*Advogado, mestre em ciências sociais.