A Verdade – O governo e o Banco Central aumentaram a taxa de juros dizendo que seria para reduzir a inflação. Mas a inflação continua crescendo e, mesmo assim, a taxa de juros não caiu. Por quê?
Maria Lúcia Fattorelli – De fato, das eleições de 2014 até meados de 2015, a taxa básica de juros (Selic) subiu aceleradamente (cerca de 30%) e alcançou 14,25% ao ano, permanecendo neste patamar até os dias atuais. A explicação para esse absurdo tem sido o argumento de “controlar a inflação”. A questão é que o tipo de inflação que existe no Brasil não é afetada quando os juros se elevam, pois o que provoca inflação no Brasil é o elevado preço de tarifas de energia, telefonia, combustível, transporte e tarifas bancárias, entre outras, além do preço de alimentos, devido a erros na política agrícola. Quando os juros sobem, esses preços não caem. Assim, além de não controlar a inflação, os juros elevados têm afetado negativamente não só a economia pública ‒ provocando o crescimento exponencial da dívida pública, que exige crescentes cortes em investimentos essenciais ‒, mas também tem afetado negativamente a indústria, o comércio e a geração de empregos. Além da adoção de juros elevados, o Banco Central do Brasil tem aplicado uma política monetária fundada na redução da base monetária, que corresponde ao volume de moeda em circulação. Esse instrumento utiliza mecanismos que enxugam cerca de um trilhão de reais dos bancos, instituindo cenário de profunda escassez de recursos, o que acirra a elevação das taxas de juros de mercado e empurra o País para uma profunda crise socioeconômica. Tratei desse tema em recente artigo, “O Banco Central está suicidando o Brasil”, que foi publicado pela Gazeta do Povo e pode ser acessado na internet. Utilizei esse termo porque o famoso economista francês Thomas Piketty afirmou que seria um suicídio deixar de utilizar, em momentos de crise, o instrumento de emissão de moeda e a prática de juros baixos. No Brasil, o Banco Central tem feito o contrário e, adicionalmente, ainda alimenta o mercado com ração muito cara: operações de swap cambial que têm gerado centenas de bilhões de reais de prejuízos que são pagos à custa de emissão de mais títulos da dívida pública! Tudo isso acontece porque o Banco Central segue recomendações ditadas pelo FMI e Banco Mundial que só interessam ao setor financeiro nacional e internacional, utilizando a dívida pública para transferir recursos públicos para esse setor.
O ajuste fiscal é necessário? No seu entender, quais seriam as medidas corretas que o governo deveria adotar para ajustar suas contas?
As obrigações da dívida têm sido consideradas prioridade do governo brasileiro há décadas. A política de “ajuste fiscal” ou “austeridade” se encaixa perfeitamente no funcionamento do Sistema da Dívida, que funciona como uma subtração de recursos nacionais principalmente para mãos de bancos e outras instituições financeiras. O ajuste fiscal é obtido mediante o corte de gastos e investimentos públicos (em infraestrutura, educação, saúde e segurança, etc.), corte de direitos sociais (como a recém-anunciada Reforma da Previdência e retirada de direitos trabalhistas), privatizações de patrimônio público, além de aumento de tributos que recaem sobre os trabalhadores e os mais pobres. Assim, toda a política econômica fica orientada para essas medidas, que visam a gerar uma sobra de recursos – o superávit primário – que se destina ao pagamento de juros da dívida pública brasileira. Isso afeta diretamente a vida de cada brasileiro e brasileira, além de amarrar o funcionamento do País. O verdadeiro ajuste deveria ser feito no pagamento dos juros mais elevados do mundo, pagos sobre uma dívida repleta de ilegalidades, ilegitimidades e até suspeitas de fraudes. Por isso é tão importante lutar pela auditoria dessa dívida e mudar o rumo da política econômica para garantir vida digna para todas as pessoas.
Quais as verdadeiras causas do chamado déficit público? Por que o governo corta verbas da educação e da saúde?
O déficit está localizado nos gastos financeiros, nos juros abusivos pagos tanto sobre títulos da dívida como sobre a sobra de caixa dos bancos nas operações “compromissadas”, além do pagamento de prejuízos do Banco Central, de cerca de R$ 200 bilhões, referentes à variação do dólar nas operações de swap cambial. A crise atual foi provocada por essa política monetária insana, que gera uma escassez imensa tanto no setor público como na economia do País, amarrando o setor produtivo e provocando desemprego. Os sucessivos cortes nas verbas destinadas à saúde e à educação decorrem exatamente da necessidade de recursos para alimentar a ciranda financeira gerada pela suicida política monetária do Banco Central.
Em sua opinião, por que a presidenta Dilma vetou o dispositivo do Plano Plurianual (PPA 2016-2019), que incluía a realização de uma auditoria da dívida pública com participação da sociedade civil?
Esse veto foi um grande equívoco e decorre da subserviência aos interesses do capital financeiro. Estamos lutando para derrubar esse veto, pois a indicação da iniciativa de auditoria da dívida pública no PPA é um passo muito importante para a almejada transparência nas contas públicas.
Como participar da Auditoria Cidadã da Dívida?
Nosso movimento é aberto à participação tanto de representantes de entidades da sociedade civil organizada (sindicatos, associações e demais movimentos sociais), como para cidadãos interessados em compreender o Sistema da Dívida e atuar de forma voluntária para ajudar a disseminar o conhecimento e a necessária mobilização que levará ao enfrentamento desse sistema. As entidades e cidadãos podem fazer parte do conselho político e participar das diversas ações que promovemos, como pode ser visto em nossa página http://www.auditoriacidada.org.br/como-participar.