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Quinta, 07 Julho 2016 07:07 Última modificação em Segunda, 11 Julho 2016 17:16

O acordo da dívida pública dos estados no Brasil, a incidência dos juros sobre os juros e a preservação da ciranda financeira

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País: Brasil / Laboral/Economia / Fonte: Diário Liberdade

[Hélio Rodrigues] A recente polêmica acerca das dívidas dos estados por meio da cobrança de juros compostos (juros sobre juros) evidencia a permanente tentativa do capital financeiro em “normalizar” a ciranda, a especulação e os lucros fictícios, por meio do aparelho ideológico midiático. Trata-se da renegociação das dívidas dos estados recentemente pactuada entre União e alguns estados-membros, na Federação brasileira.

A decisão liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) permitiu que o estado de Santa Catarina pagasse sua dívida, renegociada com a União, corrigida por juros simples e não por juros compostos. Tal decisão abriu precedente para que outros estados ajuizassem ações semelhantes visando a modificar a correção das suas dívidas com a União. Passo seguinte, o STF suspendeu por 60 dias o julgamento de outras ações que discutem os termos da repactuação da dívida dos estados com a União, e prorrogou pelo mesmo prazo as liminares já concedidas. Esclareça-se: as liminares impedem a União de impor sanções, em especial o bloqueio de repasses de recursos federais, caso os estados paguem as parcelas com base no seu próprio entendimento sobre o cálculo dos juros.

No contexto dessas decisões, jornais de grande circulação e comentaristas acentuaram que “as liminares concedidas pelo STF a favor de Estados elevam déficit da União e causam perplexidade”; ”para especialistas, juros simples é irresponsável”; ou que “a decisão do Supremo dificulta ajuste das contas públicas”. São expressões utilizadas para adjetivar de modo pejorativo a decisão do STF, que permitiu a aplicação de juros simples: “preocupante”, “loucura”, “nonsense”, acentuando em geral que “o problema maior é o risco à segurança jurídica e a ameaça a regras básicas de financiamento do país”.

Os especialistas ouvidos pelos jornais são os tocadores de uma nota só, sempre melodicamente favoráveis ao capital financeiro e harmonicamente ligados às instituições financeiras por laços econômicos e/ou ideológicos, sob o pálio argumentativo de “opinião de experts”, a saber:

Marcos Lisboa: “(...) Do ponto de vista econômico os juros simples são um ‘nonsense’, uma prática inusual dentro do que é correto fazer economicamente. (...) Com essa decisão, diz ele, se aplica no país um sistema peculiar diferente do resto do mundo. (...) Se a regra de juros simples vale para a dívida dos Estados com a União, por que não vale para os títulos da União? Mas os títulos da dívida com a União estão a poupança das famílias, os fundos de investimentos, os fundos de previdência, as aplicações das empresas (...). Se a dívida dos Estados com a União se aplica juros simples, por que não aplicar juros simples na poupança e nas aplicações financeiras das famílias. (...)”.

Marcos Mendes: “(...) os Estados que buscam a aplicação dos juros simples têm ‘atitude irresponsável’. É uma loucura, isso pode trazer repercussões terríveis à segurança. Por que alguém não poderia arguir que a dívida da União também ter os juros simples? Isso afetaria a remuneração dos fundos de previdência. Todo mundo que tem um título do tesouro direto na mão ficaria sujeito a ter correção por juros simples. Queria ver se um secretário de fazenda concederia financiamentos para receber juros simples ou se um ministro do Supremo contrataria um plano de previdência remunerado a juros simples (...)”. (sic)

Armínio Fraga: “(...) a adoção de juros simples nas dívidas estaduais com a União teria impactos enormes e negativos para a economia brasileira como um todo. Em momento em que instrumentos de dívida estão submetidos a esse tipo de incerteza, o Brasil vai passar a ter muita dificuldade de se financiar, e os Estados também. (...)”.

Salta aos olhos que tais matérias jornalísticas não têm qualquer caráter informativo. Ao contrário, elas exploram a ideologia da financeirização da vida contemporânea, uma vez que buscam afirmar como dogma de mercado e verdade econômica-científica a suposta normalidade cotidiana na cobrança de juros sobre juros. Logo, de forma fictícia dizem os jornais: não seria correto, não seria usual, não seria aceita a incidência de juros sobre o estoque das dívidas através de forma simples (ou linear), e sim a forma composta ou capitalizada (juros sobre juros). Dizem os jornais de modo não textual, como as mensagens ideológicas costumam ser: não se pode questionar tal clarividente pressuposto econômico, científico e comum às regras de mercado. De maneira que é flagrante a tentativa de normalizar a extravagância, no caso, a aplicação de juros sobre juros.

E não é só: as pseudo-notícias escondem os verdadeiros credores da dívida pública (da União, dos estados e dos municípios) e interessados na preservação da ciranda financeira, quais sejam, os bancos e os rentistas, ao formular de modo propositadamente falso que a incidência de juros simples pelo mercado prejudicaria as poupanças familiares e as previdências complementares. Valendo-se da contradição dos próprios jornais, estes em matéria quase que em rodapé , cita relatório da Goldman Sachs nos seguintes termos: “A dívida externa dos Estados cresceu 156% entre 2010 e março de 2016, de US$ 11,3 bilhões para US$ 29,1 bilhões. Em reais, essa dívida aumentou 452%, de R$ 18,9 bilhões para R$ 105 bilhões, resultado do efeito combinado da depreciação cambial e do crescimento do débito em dólar. (...) a dívida externa dos Estados cresceu de 0,5% do PIB em 2010 para 1,8% do PIB atualmente. A maior parte dessa dívida – 76% – nos Estados e municípios é com instituições multilaterais. (...)”.

Como de sabença, a ideologia tem a finalidade de esconder a realidade, no caso concreto, visa a ocultar as relações econômicas dos rentistas e dos bancos para com a dívida pública, que é paga via punção no orçamento dos entes públicos, razão pela qual os rentistas e os bancos são os principais interessados e beneficiados com a remuneração do capital por meio dos juros compostos. E aqui sobressai de modo eloquente que a aplicação na ciranda financeira, desde que regulada pelo poder estatal e protegida no orçamento público, retira capital dos investimentos produtivos – voltados para geração de emprego, renda, modernização das plantas/parques industriais e inovação produtiva. O risco é menor e o ganho muito mais certo e superior. Trata-se de uma das facetas dos mecanismos engendrados pela acumulação de capital de empréstimos a juros, na feliz categoria utilizada por François Chesnais .

E mais: para tentar transformar em senso comum a aplicação dos juros compostos nas dívidas, a ideologia em análise se vale, por meio de seu aparato midiático, do misto de chantagem e ameaça (dificuldades do ajuste fiscal ou impacto enorme e negativo para a economia) e das ironias (comparativo do plano de previdência de Ministro do STF). A finalidade é transmitir a falsa ideia de que o uso dos juros compostos são instrumentos por demais óbvios, daí ser aceito, por todos, e ser inquestionável.

Diga-se, ademais, que é pífio o argumento de que a decisão do STF, que impede a cobrança de juros sobre juros, é “surpresa, que altera as regras do jogo de mercado”. Basta lembrar que as decisões sustentam-se nos princípios da Súmula 121 do STF, datado de 1963, que consigna: “é vedada a capitalização de juros, ainda que expressamente convencionada”. A cobrança de juros sobre juros é uma exigência (ou acréscimo) extravagante de remuneração, pois transforma parcelas de juros em nova dívida, sobre a qual passam a incidir novos juros, caracterizando, assim, a prática de anatocismo. Por sua vez, também está vigente desde longa data (desde 1933) a Lei da Usura (Decreto 22.626, de 7 de abril de 1933, revigorado pelo Decreto s/n de 29 de novembro de 1991), que expressa a reprovação moral e legal da cobrança de juros de modo abusivo.

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