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Quarta, 27 Julho 2016 20:48 Última modificação em Quinta, 28 Julho 2016 17:31

A política externa brasileira entre o expansionismo regional e o entreguismo

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País: Brasil / Direitos nacionais e imperialismo / Fonte: Diário Liberdade

[João Guilherme A. de Farias] Com o refluxo dos governos progressistas na América Latina e consequente restauração das forças políticas tradicionais, no plano político atual, torna-se cada vez mais presente a retirada de direitos sociais, especialmente na esfera trabalhista e da seguridade social; no plano econômico, resguardadas as particularidades de cada país, as medidas neoliberais ganham forte impulso.

Se, por um lado, os Estados abrem mão de serviços públicos essenciais, como saúde e educação, por outro, há forte intervenção no domínio econômico, ao contrário do que ordeiramente se diz, para atrair e fomentar atividades econômicas privadas.

Internamente, países da Região, como Paraguai, Argentina, Brasil e mais recentemente o Peru, assistem à guinada institucional do conservadorismo político com práticas econômicas liberais. No plano internacional, a integração entre os países latino-americanos, que já não contava com qualquer elemento alternativo ao modelo meramente comercial capitalista, também passa por importante alteração.

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Na última década, o Brasil colocou-se na posição de “liderança” do processo de integração política e econômica da Região, papel visto de maneira favorável por alguns ex-chefes de Estado [1].

Com o objetivo de fazer frente à histórica prática de intervenção das potências centrais na América-Latina, a política externa brasileira incentivou o expansionismo econômico por meio de concessão de linhas de crédito, instalação de multinacionais e plantas produtivas nos países vizinhos.

Os inúmeros documentos e dados do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) são, nesse sentido, bastante expressivos. Segundo dados da instituição, entre 2001 e 2010, o financiamento de obras na América Latina, sem contar a linha de crédito para internacionalização das multinacionais brasileiras, cresceu 1.082%, chegando a US$ 860 milhões apenas em 2011 [2].

Em 2006, o então presidente do BNDES, Demian Fiocca, preparou para o seminário “As novas multinacionais brasileiras” uma exposição com algumas das diretrizes da instituição no processo de integração impulsionado pela política externa do Partido dos Trabalhadores (PT), a partir de 2003.

Dentre os objetivos ali constantes, estava a determinação de se “enfatizar a importância da internacionalização das empresas brasileiras para a competividade e o desenvolvimento econômico de nosso país”. Esse, processo de internacionalização, segundo o documento, deveria dar-se em razão de representar “o aumento da competitividade externa e interna das empresas brasileiras” [3].

O que se viu, portanto, na prática, foi uma política externa repleta de contradições que teve como objetivo central o envio de elevadas cifras para financiar obras e serviços na Região, possibilitando a proliferação das multinacionais brasileiras na América Latina, aprofundando ainda mais a dependência econômica dos países vizinhos agora em relação ao Brasil.

É sintomático o relatório de 2013 produzido pela Fundação Dom Cabral, segundo o qual dos sete países com maior presença de empresas brasileiras no mundo, cinco estão na América do Sul. Foram mais de 160 multinacionais brasileiras instaladas nesses países nos últimos dez anos [4].

Se, no plano político, o Brasil buscou posicionar-se “em pé de igualdade” com as tradicionais potências, sempre, é claro, com o devido cuidado e tradicional mediação para não frustrar seu objetivo de compor o cobiçado Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), foi no plano econômico que mais expressivamente manteve com relação às economias centrais a mesma relação de dependência.

A política externa do PT, pautada no pacto com a burguesia, teve como carro chefe a superação dos entraves existentes no processo de acumulação de capital. Objetivou-se expandir econômica e politicamente a influência do Brasil e das empresas nacionais principalmente sobre os países vizinhos e seus mercados e, ao mesmo tempo, integrar-se às tradicionais potências centrais.

O caráter de absoluta dependência que historicamente marcou a relação do Brasil com os países centrais, todavia, sofreu parcial e importante redução com os governos petistas de Lula e Dilma. Por outro lado, sua principal característica, sem dúvida, foi o expansionismo econômico e político sobre a Região.

Não se tratou, portanto, de negar o servilismo tradicional, mas de dar a ele uma nova roupagem. A matriz de dependência econômica nacional perante as economias centrais foi mantida. Contudo, buscou-se reproduzir e exercer sobre os Estados vizinhos a mesma política imperialista que os países do Norte direcionam ao Brasil.

A dependência brasileira aos Estados Unidos jamais deixou de existir, apenas passou a ser compartilhada, principalmente, com os países da Ásia, Região que presenciou um aumento comercial entre 2002 e 2010 de quase sete vezes [5].

Seria equivocado, porém, igualar a estratégia política do petismo e da coalizão do governo interino PMDB-PSDB.

A única e principal convergência está em que tanto o PT como a coalizão PMDB-PSDB concordam que o comércio é o elemento central das relações exteriores. Quem tiver dúvida disso, consulte os dados disponibilizados pelo Instituto Lula [6].

Se o PT percebeu a “estratégica” vantagem em combinar o crescimento brasileiro com a dependência dos países vizinhos, a aliança PSDB-PMDB, ao contrário, opta pelo entreguismo do Brasil às potências centrais ao mesmo tempo que ignora os vizinhos latino-americanos, com exceção daqueles que passam atualmente por processos similares de alinhamento político, como Argentina, Paraguai e Peru.

Luiz Felipe Lampreia, Ministro de Relações Exteriores de Fernando Henrique Cardoso entre 1995 e 2001, como expoente expressivo do caráter servil e abominável da burguesia nacional, sintetizou esse processo numa de suas falas quando afirmou que "O Brasil não pode querer ser mais do que é".

Processo que hoje retorna potencializado com o governo interino de Michel Temer e a nomeação de José Serra para o Ministério das Relações Exteriores, que já manifestou tal postura desde o seu discurso de posse.

No que diz respeito estritamente à Região, a essencial mudança nas relações com os vizinhos latino-americanos está no manifesto interesse de Serra em alterar a estrutura do Mercosul; assumir postura inflexível e evitar o diálogo com governos progressistas como a Venezuela; atar relações multilaterais com países alinhados aos Estados Unidos como é o caso da Aliança do Pacífico; abandonar o projeto de construção e fortalecimento dos blocos regionais como ficou claro em seu discurso de posse e suas diretrizes [7].

Não é de estranhar, dessa forma, a aproximação que Serra vem realizando com os países que já experimentaram o tal refluxo da política progressista. Ainda em maio, Serra foi à Argentina para reunir-se com o presidente Mauricio Macri, país com o qual, conforme afirmou, possui preferência na “reorganização da política e da economia” [8]. Em junho, recebeu o chanceler Paraguaio, Eladio Loizaga, quem também manifestou preocupação sobre a Venezuela assumir a presidência do Mersocul e concorda com a necessidade de ampliar as relações do bloco com a Europa [9]. Nesta quinta-feira (28), Serra tem programada visita ao Peru, onde irá presenciar a cerimônia de posse do novo presidente eleito, Pedro Pablo Kuczynski, conhecido também como PPK ou el gringo.

PPK é ex-funcionário do Banco Mundial e está fortemente alinhado com o empresariado internacional. Seu pai é alemão e sua mãe franco-suíça. Cresceu entre Estados Unidos e Europa, o que lhe rendeu a dupla cidadania e o apelido de el gringo.

A nomeação de José Serra e a eleição de PKK no Peru representam, a título exemplificativo, no plano concreto da conjuntura brasileira e latino-americana, o abandono de qualquer intento de soberania nacional e independência regional em relação ao imperialismo.

A crítica ao governo interino de Temer e seu alinhamento de política externa com as economias centrais, no entanto, é irrelevante se tiver como solução ou alternativa a política externa praticada nos últimos dez anos pelo PT.

A diferença está em que o "petismo" visou a expansão política e econômica sobre a América Latina para consolidar-se como a “potência” da Região e, desse modo, afirmar-se como país “capaz” de confrontar as economias centrais, respaldado, é claro, pela submissão dos Estados latino-americanos.

Ao contrário, a coalizão atual do governo interino, atingida por uma espessa névoa de imbecilidade, pretende abrir completamente as barreiras comerciais do Brasil para entregar o país diretamente aos Estados Unidos, como consta na oitava diretriz assumida por José Serra em seu discurso de posse.

Isso não significa que inexista um programa com relação à América Latina na política externa atual. Mas tão somente que o foco de futuras aproximações terá em comum não o fortalecimento nacional ou regional, mas, ao contrário, a completa submissão às potências econômicas. 

O que um constitucionalista (Temer) e um economista (Serra) não conseguem ter é a expertise do operário sobre a vantagem de diversificação produtiva do país e da necessidade de ampliação dos Estados com os quais comercializa.

Não se nega, todavia, a atuação nas relações exteriores do PT em outras áreas, como a educação. Porém, a construção das duas principais universidades para a integração dos povos latino-americanos e africanos (Unila e Unilab), cujo objetivo foi contribuir com a formação de “mão-de-obra” qualificada, não foi suficiente para ultrapassar a lógica que compõe sua estratégia na liderança brasileira do processo de integração Sul-Sul.

As relações exteriores deslocam-se de um programa de expansão dependente sobre países da América Latina para assumir um caráter de entreguismo perante as economias centrais.

Michel Temer e José Serra representam a retomada de uma política externa tradicionalmente conhecida e cujo significado subsume-se à frase tão miserável quanto seu autor, o Embaixador do ditador Castelo Branco, Juraci Montenegro Magalhães: "O que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil".

*João Guilherme é militante político, estudante de Direito e pesquisador da PUC-SP, coordenador do Grupo de Pesquisa Marxismo e Direito (GPMD) e integrante do Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital (GPTC/USP).

Notas:

[1] “Brasil tem que liderar a integração regional, defende presidente eleito do Uruguai”:http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/mundo/2010/02/28/interna_mundo,176491/brasil-tem-que-liderar-a-integracao-regional-defende-presidente-eleito-do-uruguai.shtml

[2] "BNDES impulsiona maior presença brasileira na América Latina”: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2011/11/111109_mundo_bndes_mdb.shtml

[3] Cf.http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/empresa/download/apresentacoes/apresentacao_fiocca_firjan.pdf

[4] Cf.https://www.fdc.org.br/imprensa/Documents/2013/ranking_multinacionais_brasileiras2013.pdf

[5] Cf.http://1.bp.blogspot.com/--wN88KVUsVk/U_h5l6mAL5I/AAAAAAABp1w/awFl20Z6_p8/s1600/comercio%2Bbr.jpg

[6] Cf.http://2.bp.blogspot.com/-aKJGEeW7uME/U_h520gXHuI/AAAAAAABp14/dQ6RWT-dJgQ/s1600/comercio%2Bexterno%2Bbr.jpg

[7] ”Discurso do ministro José Serra por ocasião da cerimônia de transmissão do cargo de ministro de estado das Relações Exteriores – Brasília, 18 de maio de 2016”Cf.http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/discursos-artigos-e-entrevistas-categoria/ministro-das-relacoes-exteriores-discursos/14038-discurso-do-ministro-jose-serra-por-ocasiao-da-cerimonia-de-transmissao-do-cargo-de-ministro-de-estado-das-relacoes-exteriores-brasilia-18-de-maio-de-2016

[8] ”José Serra chega à Argentina para afinar aliança com Mauricio Macri” http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2016/05/1773995-jose-serra-chega-a-argentina-para-afinar-alianca-com-mauricio-macri.shtml

[9] “Serra recebe ministro paraguaio e fala sobre situação na Venezuela” http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2016/06/1779671-serra-recebe-ministro-paraguaio-e-fala-sobre-situacao-na-venezuela.shtml

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