[Rodrigo Valle Barradas] Trago na memória a nostalgia de um país que ousou ser algo além do que foi delimitado pelo poder. Era poder também, claro. E com o poder não se brinca. Com o poder não se alia. Ele é rasteiro, traiçoeiro, como um cão que não nos olha nos olhos e só ataca quando damos as costas, ou quando estão escondidos, nas sombras, esperando para dar o bote.
Mas somos ingênuos. Nos achamos espertos, dotados de um intelecto altamente desenvolvido e detentores de um polegar opositor que faz toda a diferença como espécie, como se fôssemos a linha entre o divino e o animalesco. E acreditamos naquele ditado, que foi cantado e dizem alguns até previsto por Nostradamus: “o Brasil é o país do futuro.” Mas o futuro é uma representação simbólica de tempo. Pois é sempre o presente. E ainda mais hoje, com aquele velho cheiro de mofo do passado.
É que agora começa a existir censura. Não que já não existisse nos confins, comunidades, favelas, morros. Nesses locais, sempre meio que imperou um regime de exceção. Lá, tortura, fuzil em punho, metralhadas de helicóptero. Lá, as balas “perdidas” sempre encontraram alguém pelo caminho. É que agora a coisa vai se expandindo mais. E imagina isso: se a realidade já é ruim, o “comum” vira ruim, e o ruim vira o mundo abissal.
Esses últimos anos foram de escancaração de verdades “sempre ocultas”. Descobrimos finalmente que não éramos uma democracia racial. Nem Gilberto Freyre havia afirmado isso de forma contundente. A gente que entende tudo errado. É que os que têm, sempre se valeram de coisas assim para manter a massa dormindo e aceitando estados de exceções onde moram. Descobrimos o real sentido do homem cordial de Sérgio Buarque de Holanda, que também só conhecíamos através de senso comum. As coisas foram postas de forma clara na mesa. E descobrimos o óbvio ululante: nós nos odiamos.
Hoje somos uma odiocracia, em que o termômetro de ódio como símbolo nacional, vai sendo medido através de postagens de internet, rasas, mas que contém a verdade absoluta geral, que são individuais, claro. É que somos tão etnocentristas. Ah, século XIX, porque viestes com ideias de progressismo? A gente gosta mesmo é da caverna. E dois séculos depois, percebemos o quanto somos esquizofrênicos. É que nunca nos decidimos entre o ufanismo e o viralatismo. É que ismo aqui denota patologia, mesmo. E com o ataque ao SUS pelo governo golpista, acho que vai faltar remédio para tratarmos desse mal.
E aí, vamos deixar?