Rousseff foi impedida por supostamente tentar maquiar as contas do governo através do atraso de pagamentos ao Banco do Brasil, para cobrir a queda do orçamento federal durante as eleições de 2014. Esta é uma prática corrente de muitos presidentes de antes, incluindo de muitos governadores no Brasil, para parecerem mais competentes aos olhos dos eleitores. Ainda que o promotor federal tenha deixado claro que isto não constituía um crime, três quartos dos senadores votaram para tirá-la do cargo e abrir espaço para o antigo vice-presidente Michel Temer tomar a presidência.
O verdadeiro motivo para o impeachment foi revelado através de escutas de conversas telefônicas entre um antigo senador e um antigo executivo da Petrobras, que discutiam sobre a necessidade de se remover Dilma Rousseff do poder para impedir investigações de corrupção que comprometeriam conhecidos caciques políticos do país. De fato, 49 dos 81 senadores que votaram pela saída de Rousseff estão sendo investigados por crime de corrupção ou já foram acusados de corrupção. O próprio Temer é acusado de haver recebido milhões de reais em propina e em fundos de campanha ilegais, e está proibido de concorrer a qualquer cargo público por oito anos, por violar leis eleitorais.
Através deste golpe parlamentar, Temer usurpou o principal cargo público no Brasil e assegurou imediatamente aos oligarcas do país e ao capital financeiro internacional que seu governo reverteria todos os programas sociais e a política externa independente do PT desde o ano de 2003, com fins de se aumentar o saque sobre o país, bem como de retomar os níveis de acumulação de capital.
Rousseff já havia começado a tomar medidas de austeridade desde que o boom das commodities – que, no passado, financiara programa sociais – entrou em colapso, por conta da crise financeira global. Porém, Temer e seus ministros estão prometendo cortes ainda maiores em despesas com saúde, moradias populares, e sobre o programa Bolsa Família; grilar ainda mais territórios indígenas e florestas para grandes latifundiários e capitalistas agroindustriais; entregar patrimônios do Estado como aeroportos e infraestrutura; estimular ainda mais as parcerias público-privadas em projetos de desenvolvimento de infraestrutura; entregar a indústria de petróleo e gás, linhas aéreas, terras e recursos naturais para capitalistas monopolistas estrangeiros; e “modernizar” as leis trabalhistas e o sistema de pensões do país para fazer operários trabalharem ainda mais horas, mais anos, e recebendo menos.
De forma ainda mais significativa, o golpe governamental marcou sua intenção de realinhar a política externa do Brasil com os interesses do imperialismo norte-americano. Sob o governo do PT, o Brasil se uniu a outros governos progressistas para repudiar a ALCA (“Área de Livre Comércio das Américas”) em 2005, frustrando as tentativas de Washington de colocar todo o hemisfério sob as regras do comércio e investimento neoliberais. Lula, antecessor de Dilma Rousseff, também se opôs às tentativas do governo dos Estados Unidos de isolar a Venezuela na comunidade internacional, bem como de retirar Hugo Chavéz do poder. Os governos brasileiros precedentes também se opuseram ao golpe militar em Honduras, bancado pelo imperialismo norte-americano, e se opôs à instalação de bases militares norte-americanas na Colômbia em 2009.
Durante a última década, o Brasil esteve à frente de iniciativas políticas como a CELAC (Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos), da UNASUL (União das Nações Sul-Americanas), dos BRICS (junto à Rússia, Índia, China e África do Sul), e de outras, com o fim de se promover a solidariedade entre os países emergentes, bem como a independência sob o imperialismo norte-americano.
Não há dúvidas de que o Departamento de Estado dos Estados Unidos estão entre os principais apoiadores do golpe governamental dirigido por Temer, e que estes tenham se encontrado com altos funcionários antes mesmo de o Senado confirmar o impeachment de Dilma.
O povo brasileiro é a última vítima das tentativas de “mudança de regime” por parte do imperialismo norte-americano na América Latina, que buscam reverter avanços feitos por governos progressistas ou “de esquerda” na região desde o início do século. Hugo Chavéz, na Venezuela, foi o primeiro alvo de tentativa de golpe, que fracassou em 2002. O país continua a ser desestabilizado por forças reacionárias que contam com o apoio dos Estados Unidos, que tentam derrubar o presidente Nicolas Maduro. Em 2004, o presidente haitiano Jean-Bertrand Aristide foi forçado a se exilar após um golpe militar bancado pelos Estados Unidos. Da mesma maneira, o presidente hondurenho Manuel Zelaya foi removido de forma forçada de seu cargo pelo exército no ano de 2009. No Equador, um motim político foi quase vitorioso em remover Rafael Correa da presidência em 2010.
Enquanto isto, o presidente paraguaio Fernando Lugo foi também removido de seu cargo por um procedimento de impeachment no ano de 2012, de forma similar ao atual golpe parlamentar concluído no Brasil. Em ambas as instâncias, presidentes eleitos democraticamente foram derrubados pela oligarquia e pelo capital financeiro internacional que controla o parlamento, o judiciário e a imprensa com o apoio de ONGs, associações cívicas, sindicatos pelegos e partidos políticos bancados pelo USAID e outras extensões do Departamento de Estado norte-americano.
A Liga Internacional de Luta dos Povos (ILPS) condena nos mais fortes termos possíveis o golpe parlamentar bancado pelos Estados Unidos no Brasil, bem como a contínuas tentativas de intervenção e desestabilização pela América Latina. Apoiamos a luta do povo brasileiro e de toda a região para defender e salvaguardar seus direitos contra a renovada ofensiva neoliberal levada a cabo pelos capitalistas monopolistas e oligarcas. Juntamo-nos aos povos latino-americanos em sua luta para derrotar o imperialismo norte-americano e na luta pela democracia, justiça e libertação nacional e social.
José Maria Sison
Presidente da Liga Internacional de Luta dos Povos (ILPS)