O dia 22 de março de 2017, apresentou-se publicamente o Manifesto Abrolhar https://manifestoabrolhar., apoiado por vozes diversas da sociedade civil galega. Que se pretende com este Manifesto? Que se pede nele?
A finalidade principal do manifesto é seguir a socializar a denúncia da montagem policial, judicial e mediática de que somos objeto como figemos desde novembro de 2015 e, sobretodo, expandir a convocatória de manifestaçom nacional convocada para o domingo 23 de abril. Isto fijo-se através do contato direto com os principais agentes sociais, sindicais e políticos deste País, mas também por meio da relaçom com centenas de pessoas. Quanto ao seu conteúdo, o manifesto reclama a plenitude nunca alcançada das liberdades democrático-formais, o arquivo do sumário em que estamos encausadas e o cessamento deste tipo de operativos repressivos que apontam ao independentismo galego.
- Levades um longo ano de campanha reclamando os vossos direitos, a anulação o Auto e a reparação pública de Causa Galiza, tendes apoio? percebestes alguma reação coletiva ao vosso favor?
Se de algo nos podemos parabenizar em relaçom ao labor de socializaçom e denúncia da montagem que desenvolveu o nosso coletivo neste ano e meio, é de termos desmontado perante amplos setores sociais o discurso do Ministerio de Interior em relaçom ao nosso processo. Que mais de 80 agentes de todo o tipo condenassem publicamente a ilegalizaçom fática de Causa Galiza e o processo de que somos objeto é um dado eloquente ao respeito e demonstra a escassa ou nula credibilidade que tivo a montagem, o crescente rechaço que suscita e a absoluta falta de legitimaçom do regime atual para este tipo de medidas repressivas.
- Informastes da situação no Parlamento galego, europeu, tivestes apoios de corporações municipais, do BNG, CIG, de parlamentares e partidos catalães... de quem mais?
Em geral, o arroupamento de que fumos e somos objeto é importante. Isso visibilizará-se, ainda com mais força neste 23 de abril. Logramos rachar o cinturom sanitário que pretendia tecer a operaçom e colocar amplos setores sociais e políticos na tesitura de que este regime nom é democrático e utiliza os seus aparatos policiais, judiciais e também mediáticos para perseguir e punir a dissidência política. Se trazemos em conta as limitaçons de recursos económicos, materiais e humanos com que enfrentamos este processo desde o minuto zero, o resultado poderia-se dizer que foi encomiável. A manifestaçom nacional de 23 de abril demonstrará que, se passar o que se passar finalmente com nós, o independentismo foi quem de lhe respostar e dar a volta à agressom, segue em pé e, aliás, a meio de importantes dificuldades, seguirá a trabalhar pesar a quem pesar.
O manifesto subtitula-se: A SOCIEDADE GALEGA CONTRA A CRIMINALIZAÇOM DAS IDEIAS E A PERSECUÇOM DO INDEPENDENTISMO... Para que ilegalizar Causa Galiza? Para que ilegalizar pessoas? A quem interessam estas montagens?
Compreender o sentido da operaçom policial, judicial e mediática exige colocar-se na posiçom do Estado ou, quando menos, de certos aparatos do Estado que, como a Guardia Civil, atuam por via de facto com grande autonomia e mantenhem a tese de que o independentismo é o que eles chamam “terrorismo”. Desde essa posiçom, parece evidente que existindo umha crise irresolúvel do modelo autonómico e um debate aberto no nacionalismo e no independentismo sobre as vias de desenvolvimento futuro para o País, há setores do Estado que pretendem condicionar este debate e as suas previsíveis evoluiçons: bate-se sobre umha organizaçom política minoritária nom pola sua “perigosidade” atual, mas para constranger na residualidade a posiçom que essa organizaçom defende e que, hoje, conta com máximos históricos de apoio social. Temo-lo definido como “segar a erva de raiz”. O inimigo real nom é Causa Galiza, mas a possibilidade de se assentar neste País um projeto político independentista que ative um estado de opiniom crescente, embora minoritário, de construçom nacional e rutura com Espanha.
Este ritual de violência policial, mediático e judicial faz sentido?
Tudo depende da ótica e dos interesses desde os que se atua. Desde a ótica e desde os interesses dum Estado em crise, com umha realidade social, económica, demográfica, laboral, etc. como a galega, sem vias de soluçom neste quadro autonómico, a satanizaçom do independentismo e o constrangimento dos setores nacionalistas a posiçons de reforma do modelo territorial estatal, é completamente funcional. Utiliza-se o pánico à repressom e a criminalizaçom para modelar condutas políticas e aferrolhar-nos a um pragmatismo suicida. O facto de destacados dirigentes do BNG serem citados publicamente nesta causa é um facto com umhas conotaçons políticas bastante evidentes.
Existe uma campanha mediático-policial para criminalizar o independentismo galego ?
Existe um tratamento mediático, judicial, policial, e também penitenciário, de exceçom que, com maior ou menor intensidade, é permanente e acompanha a militáncia independentista galega como umha sombra. Nom fago “vitimismo” com isto, mas apenas descrevo umha realidade. O Estado está consciente de que o independentismo é, na Galiza, o seu potencial “inimigo interno”, um fator potencial de desestablizaçom, umha posiçom política que deve manter em parámetros residuais ou marginais. E atua em consequência, utilizando a artilharia que precisa em cada contexto e tratando de impossiilitar que um estado de opiniom a cada mais amplo e livre de ambigüidades cristalice em organizaçom e em estratégia.
E das pessoas envolvidas neste processo de criminalização? Tendes sensação de indefensão jurídica? E socialmente, quais são as repercussões?
A nossa sensaçom de “indefensom jurídica”, por dize-lo assim, é absoluta porque sabemos onde pisamos e, aliás, constata-se em factos concretos. Primeiro, porque estamos plenamente conscientes de que estamos processados e processadas num tribunal político de exceçom que se constituiu no mesmo dia que se disolvia o TOP da Ditadura Militar. Um tribunal que se configurou em 1977 antes do processo de debate constitucional espanhol e que se especializa na repressom da dissidência política. Segundo, porque o “fundamento provatório” do nosso processo é ridículo -organizar homenagens aos Mártires de Carral de 1846 e atos públicos de memória histórica da luita independentista- e, terceiro, porque por cima de todo isto, que é discutido por quem acreditam no caráter democrático do regime atual, contemplamos in situ, através dos nossos advogados, notáveis irregularidades no processo como é, por exemplo, a vulneraçom da cadeia de custódia dos materiais retirados dos nossos domicílios em 2015, que invalidaria qualquera investigaçom judicial rigorosa, ou a unanimidade mediática que acompanhou a operaçom.
Qual é a situação hoje de Causa Galiza?
Embora nós sigamos processadas por presuntos delitos que poderiam supor penas de prisom de 7 a 17 anos, a organizaçom política que foi o alvo da operaçom da Guardia Civil retornou finalmente à condiçom de organizaçom política legal em 14 de dezembro de 2015 graças a um auto do mesmo juíz que decretou a sua “suspensom de atividades”. Agora, Causa Galiza é legal, está-se a se reativar como organizaçom política numha situaçom de responsáveis processados, um prolongado período de congelaçom e a necessidade de seguir destinando recursos à defesa das e dos seus militantes e a denúncia do processo.
O vindouro 23 de Abril, há convocada uma manifestação... que expectativas tendes? Por que é importante participar destes manifestos e convocatórias?
A manifestaçom nacional de 23 de abril coincide com um momento crítico da montagem: agora é quando, supostamente, rematam as “investigaçons”, e nos encontrariamos, de nom haver prórrogas, com a perspetiva de resoluçom do processo. Esta pode ser, ou o arquivo da causa aberta, ou a dataçom dum juízo político na Audiencia Nacional com todas ou com parte das pessoas processadas, e com umhas imputaçons delitivas que hoje desconhecemos e podem ser as que temos atualmente, ou outras. Todo depende da construçom e a funcionalidade política que se pretenda dar à causa.
A importáncia da mobilizaçom, e do momento em que se produz, parecem óbvias: trata-se de afirmar a pé de rua que, por cima de diferenças ideoĺógicas ou táticas, nos agentes sociais e políticos que dam vida a este País existe a leitura compartilhada de que o Estado espanhol pretende laminar, manu militari, umha perspetiva para a Galiza que é incómoda para os seus interesses e carece de “encaixe institucional”. O mínimo comum denominador de quem nos manifestaremos em 23 de abril é a negativa frontal a assumir como “normalidade” a detençom de militantes políticas e políticos em operaçons de comando, a sua “desapariçom” durante dias, ou o seu processamento em tribunais carentes de garantias jurídicas como é a Audiencia Nacional.
Por último, nós interpretamos, humildemente, que somos dalgum modo como aqueles “comunistas” do poema daquel pastor luterano chamado Martin Niemöller, aos que vinheram deter os nazistas e polas que ninguém protestou. O que hoje sucede com umha pequena organizaçom e com a sua militáncia é um simbólico laboratório de práticas que, amanhá, podem ser de aplicaçom mais ou menos generalizada... Que a gente resposte, que se perda o medo, que nom se dé carta de “normalidade” a este tipo de atuaçons, condicionará provavelmente como sejam as cousas no futuro. A única certeza real que nos mostra o passado deste País som os cenários que resultam de condutas políticas regidas e orientadas polo medo.
O que se passará se, finalmente, esta montagem deriva num juízo?
Se a perspetiva é essa, comportaremo-nos como o que sempre fumos e o que modestamente somos: militantes ao serviço da independência nacional deste País, porque entendemos que a única via real de soluçom às suas problemáticas sociais, laborais, económicas, ambientais, de género, demográficas, etc. é a possessom dum Estado próprio ao serviço da maioria social. Aliás, procuraremos que esse hipotético processo ponha em pé a sociedade galega e sirva para continuar afortalando a posiçom independentista na Galiza, que é para o que estamos nós aqui.
Ernesto V. Souza (A Crunha, 1970) Doutor em Filologia Galega, especialista em História da Literatura; trabalha como bibliotecário na Univ. de Valladolid (Espanha), Académico da AGLP, atualmente é diretor do PGL.