O mundo passa por um momento em que lutar por direitos virou objeto de crítica. A opinião pública, inscrita na ditadura dos meios de comunicação de massa oligopolistas, clama por deveres. Por mecanismos de repressão. Por violência, proclamando o ódio como nova carta constitucional.
Em todos os cantos, trabalhadoras e trabalhadores veem as suas possibilidades de resistências serem contidas pela ação agressiva de cassetetes, balas de borrachas e metralhadoras. Dizem não haver guerras, contudo um jovem que levanta a mão para a defesa de um princípio é excluído do meio social, como se fosse a origem de uma doença que afeta o mundo, e não a sua cura.
Vivemos tempos turbulentos, onde a opressão virou bandeira e as pessoas estão dominadas pelo medo. Há evidente medo de falar, de ouvir, de se expressar, de caminhar pela rua, como se esta não fosse um espaço público. Praças são cercadas para afastar a população. As plantas são criadas em cativeiro, porque os jardins se tornaram contaminados. Aliás, pedras substituem flores, gritos de dor substituem versos, a verdade sucumbe diante da manipulação… a natureza, antes provedora, hoje é vista como obstáculo ao desenvolvimento, muito embora a sua destruição esteja eliminando as possibilidades de vida no planeta…
As pessoas circulam como autômatos e tratam a manifestação de sentimentos como algo desprezível, não eficiente, e não rentável… as relações sociais tornam-se relações de troca, mas não de abraços, de afeto ou de amizade, e sim puras trocas de favores!
Mas todas essas ações odiosas, que destroem a nossa liberdade dia a dia, não conseguiram, em momento algum, eliminar, por completo, o direito de sonhar. Este segue resistente, protegido pelo nosso íntimo e ainda nos permite a possibilidade de olhar criticamente aos fatos que corrompem a democracia, alijam a liberdade, a igualdade e a solidariedade, transformam os verdadeiros heróis em vilões, e os vilões, privilegiados pelo poder, em heróis.
Hoje, sonhar, é a primeira e mais suprema atitude revolucionária, pois nos permite dar o primeiro passo para romper com as amarras que oprimem. Os sonhos criam a possibilidade imaginar um mundo diferente, acreditar em nós mesmos, ver as alternativas criadas pela esperança e, acreditem, até a materialização de utopias!
Precisamos, mais do que nunca, voltar a sonhar. Precisamos voltar a acreditar, a semear a coragem em corações reprimidos, e a vontade em quem já desistiu. Os verdadeiros sonhadores e sonhadoras são, antes de tudo, incontroláveis. São, por natureza, insurgentes, amantes, guerreiros e guerreiras com alma indomável e, portanto, a nova vanguarda da luta social.
Quem sonha, e não desiste de sonhar, leva consigo a chama inabalável que ilumina as ruas, e a força criativa que falta às geladeiras controladas pela mecânica do mercado. Quem sonhar quer mais, e por isto luta contra as barreiras individuais e coletivas, inclusive aquelas criadas pelo próprio íntimo.
Conta uma fábula que, certa vez, num mundo distante (talvez, não tão distante), governado ditatorialmente, nasceu uma criança iluminada por sonhos. Foi escondida durante muito tempo, até que um dia descobriu que podia caminhar. Saiu pela rua sorrindo em ruas cinzentas, dominadas pelo breu, cinzas e fumaça. Rapidamente foi identificada pela força policial e aprisionada. Foi agredida, torturada, violentada de todas as maneiras, até que a sua luz se apagasse. Quando a luz se apagou, foi solta, pois não representava mais uma ameaça aos poderosos. Saiu andando pela rua perdida, mas já não era mais uma criança, o tempo havia passado, e o mundo continuava cinzento. Entretanto, ao encontrar um risco de luz pelo caminho, o seu corpo novamente começou a brilhar. E aquele brilho ficou ainda mais forte e foi contaminando quem passava sua volta. A luz cresceu tanto que ofuscou os olhos da repressão. Não havia mais como prendê-la, e esta criança, agora jovem, plantou a primeira semente para a mudança do mundo. Entretanto, tudo isso somente foi possível por um único motivo: enquanto era agredida, a criança refugiou-se em seus pensamentos, lutando bravamente contra o ódio. Contudo, em nenhum momento, desistiu do seu direito mais íntimo, tão secreto que nunca foi violado que era o seu infinito direito de sonhar…
*Advogado, mestre em ciências sociais.