Fortemente influenciado pelas duas grandes Declarações Iluministas, o documento das Nações Unidades declara que todos os seres humanos são dotados de razão e consciência, que nascem livre e iguais em dignidade e direitos, e devem agir em relação aos outros com espírito de fraternidade.
A mesma Declaração afirma que ninguém será preso arbitrariamente, e que todos e todas têm pleno direito ao tratamento digno pelos tribunais, que não terão seus direitos violados, e serão presumidamente inocentes até que se prove o contrário.
A Declaração também reconhece o direito à vida, à infância, a um padrão de vida que garanta condições para receber educação, saúde, habitação, proteção contra a velhice, limitação das horas de trabalhos e férias remuneradas e periódicas, além da justa e satisfatória remuneração. Também é garantido o pleno direito à participação das decisões políticas, numa consagração da participação social como direito fundamental.
Como observamos, diariamente todos estes direitos estão sendo ameaçados. Começa quando o próprio órgão responsável pela conservação destes direitos, o Poder Judiciário, reiteradamente ofende as bases estruturantes da Declaração. A orgia de prisões cautelares, a inversão do ônus da prova no processo penal, com a utilização equivocada da “teoria do domínio do fato” como mecanismo para a presunção da culpa, ou, ainda, o descumprimento do básico devido processo legal, conduzem as garantias da Carta das Nações Unidas à condição de letra morta.
Outro agente responsável pela tutela dos direitos fundamentais, o Estado, dominado pelo pensamento neoliberal e pela cultura do ajuste fiscal, coloca em cheque a garantia do cumprimento de deveres que são seus, como a proteção à velhice, à infância, à vida, ao trabalho digno, à participação social, à habitação, dentre outros.
As políticas impostas pelos conservadores para o exclusivo controle da despesa pública jogam milhões de pessoas na miséria sem nenhum tipo de proteção. A o espírito de seguridade e de bem-estar social que conduziu a Declaração em 1948 foi massacrado pelas hostes neoliberais, e hoje vários países sofrem com a imposição de uma agenda voltada ao corte de garantias sociais, ampliação da idade mínima para aposentadoria, corte de investimentos em saúde e educação, dentre outros. A ideologia de restrição à atuação do estado na execução de políticas públicas tem sido responsável pela universalização da pobreza e da exclusão social, inclusive em países que haviam superado este problema, como a Itália do pós-guerras. Hoje, liberdade real, apenas é reconhecida ao capital financeiro.
No Brasil, depois do golpe de estado parlamentar executado em 2016, o governo golpista tenta impor com a sua máquina conservadora a criação de uma regra constitucional que fixa limites às despesas públicas nas políticas sociais, inclusive com o congelamento orçamentário por 20 anos, o que ofende claramente princípios fundantes da Constituição Federal, como a dignidade da pessoa humana e o combate à pobreza e à discriminação social. Para tanto, contam com a omissão expressa de setores do Poder Judiciário e do Ministério Público.
Com relação aos direitos à vida e à equidade, temos a preservação da cultura do estupro contra mulheres e crianças, cultura esta que é protegida pelo silêncio do ambiente doméstico. Ao contrário do arquétipo midiático, os principais responsáveis por este tipo de violência não são os psicopatas literários, mas pais, tios, irmãos, avós, que passariam perfeitamente por cidadãos de bem diante da esfera pública.
Outra forma de violência, que atinge diretamente às mulheres, e a criminalização do aborto, que condena milhões de mulheres à morte, mutilações ou a lesões incuráveis dentro de clínicas clandestinas sem a mínima assepsia, inclusive algumas vítimas de estupro doméstico. Trata-se de uma violência dupla, pois além do peso psicológico, do abandono, sem o devido acompanhamento, temos a violência física exercida sobre o corpo por profissionais, muitas vezes, sem a menor formação.
No campo do trabalho, estamos retornando a discursos e práticas dignas do período pré-fordista, com vários governos defendendo o desmantelamento dos direitos dos trabalhadores, inclusive o fim do controle da jornada, de férias, proteção contra o desemprego e outras garantias. Uma espécie de novo feudalismo com a criação de centros de poder paraestatais dentre de empresas.
Todavia, apesar deste pequeno relatório trágico, e mesmo com todos estes ataques à Declaração Universal dos Direitos Humanos, mais do que nunca esta demonstra o seu valor. A defesa de uma sociedade democrática passa, imperativamente, ao reconhecimento dos valores inscritos neste documento. O seu fim enquanto base de princípios, pode, também, ser o fim da civilização.