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Diário Liberdade
Segunda, 26 Dezembro 2016 01:00 Última modificação em Quarta, 28 Dezembro 2016 15:27

James Petras: Pela primeira vez, EUA experimentam o golpismo ao estilo latino-americano Destaque

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País: Brasil / Reportagens / Fonte: Carta Maior

Entrevista realizada pelo jornalista uruguaio Efraín Chury Iribarne com o sociólogo estadunidense James Petras, professor da Universidade de Binghamton.

(NY) e autor de vários trabalhos sobre questões políticas da América Latina e Oriente Médio, para a Rádio Centenário, do Uruguai.

Pergunta: você sabe que as notícias que difundimos na América Latina são surpreendentes, porque falam de uma alteração nas eleições norte-americanas através da intromissão da Rússia. Como se está vendo isso nos Estados Unidos? Qual é a opinião de Trump? O que dizem os democratas? O que disse Hillary Clinton a respeito?

Petras: Bom, poderíamos começar enfatizando a importante gravidade do que está ocorrendo. Não é nada que um golpe. Um golpe institucional, que busca negar a eleição de Donald Trump. Está sendo orquestrado por instituições como a CIA, como forma de ilegitimar o novo governo e tentar acusá-lo de traidor do país.

Ou seja, querem transformar Trump num traidor, um cúmplice da Rússia, e dizer que os serviços de inteligência estão envolvidos, e que não só enganaram o público sobre as eleições, com dados conseguidos pela inteligência russa, mas que querem penetrar o Estado, influenciando nas nomeações para o gabinete de Trump. E para esse golpe, estão mobilizando o Congresso e todos os partidos da direita, do centro e da esquerda, para negar o que ocorre nas eleições.

Ou seja, dizer que Trump é cúmplice da Rússia e que todos os seus colaboradores estão envolvidos nessa farsa. Nada disso está comprovado, são informações inventadas pela CIA, que está se metendo na política doméstica, participando desta conspiração para negar a decisão constitucional.

É um modelo que utilizaram no Brasil, no Paraguai e em Honduras. Países onde um setor dos governos atuais utilizou algum mecanismo falsificado para derrubar o presidente legítimo e tomar o poder. O caso que vemos agora nos Estados Unidos é inclusive pior, porque acusam o presidente eleito de traidor, de possuir ligação com um poder estrangeiro que é inimigo dos Estados Unidos. Barack Obama, um presidente que se meteu em todos os problemas mundiais, intervindo em todos os golpes, agora quer repetir o mesmo cenário em seu próprio país. E, pela primeira vez na história, temos uma versão do golpismo latino-americano dentro dos Estados Unidos.

A imprensa burguesa, a imprensa liberal e a imprensa supostamente de centro-esquerda, estão implicadas, e repetem todas as acusações de traição, de conspiração russa, sem apresentar nenhuma prova definitiva, ou mesmo uma questionável, nada.

Trump está respondendo de uma maneira específica, está preenchendo os cargos com militares e multimilionários, como contrapeso às instituições que Obama lançou contra ele. Existe uma disputa de poder interessante aí, uma luta de elites.

Com os militares nomeados em cargos ligados à segurança, Trump está criando um poder de militares que poderiam resistir ao golpe organizado pela CIA. Com os multimilionários, está justificando suas relações com a Rússia, e as demais propostas que tem sobre a mesa. Precisamente, o novo chanceler é ex-diretor da Exxon, a empresa petroleira mais importante do mundo, bastante vinculada no comércio com a Rússia, e isso também significa marcar uma posição forte.

Finalmente, Trump fez uma viagem por diferentes cidades, enchendo estádios, para reagir aos setores de esquerda e centro-esquerda que se lançaram como comparsas dos golpistas.

Estamos numa situação que parece uma guerra civil clandestina, porque está ocorrendo, em grande parte, dentro da institucionalidade. Uma guerra do FBI contra a CIA, os militares contra os congressistas, os multimilionários entre si, um setor contra outro. E isso não fala em nenhum meio de comunicação, nem os críticos nem os que apoiadores do processo político atual.

Acreditamos que esta é a realidade porque estamos acostumados a ver o que acontece na América Latina nos últimos anos, e observamos que há uma réplica norte-americana desse processo, que podemos entender melhor tendo estudado os últimos golpes institucionais latino-americanos.

Pergunta: Outro tema relevante é a importância, para a União Europeia, dos movimentos políticos e das mudanças governamentais que vêm ocorrendo na Itália Como você vê isso?

Petras: É uma mescla de forças. Nós temos, por um lado, o Movimento Cinco Estrelas (de Beppe Grillo), que é um partido heterogêneo, mais ou menos de centro-esquerda, mas que criticava o governo de Matteo Renzi, já que os ex-comunistas se direitizaram bastante, poderíamos até dizer que se tornaram de centro-direita. Além deles, temos a Força Social, o grupo de Berlusconi, e a Liga Norte, que são agrupações muito de direita. Então, houve uma aliança da centro-esquerda e da direita contra o governo de centro-direita de Renzi.

Agora, entre os opositores de Renzi e os opositores do referendo há também muitas empresas locais, setores que temem uma centralização do poder, marginando as pequenas e médias indústrias e os profissionais que estão vinculados com o aparato do Estado, como consequência do referendo – do dia 4 de dezembro, sobre a reforma constitucional, que terminou com derrota do governo e renúncia do primeiro-ministro Matteo Renzi.

Então, também existem forças na oposição que estão contra a União Europeia e a oligarquia de Bruxelas. Embora haja também outros grupos que continuam apoiando a União Europeia.

Pergunta: Falando agora sobre a Turquia e a Síria. Por que esse empenho em derrubar Bashar al-Assad, que vemos por parte da União Europeia, dos Estados Unidos, da Turquia e de outros países? Como se vê a situação da Síria neste momento?

Petras: Há várias razões. Por exemplo, a Turquia quer conquistar parte da Síria, o norte do país, e talvez também o do Iraque. Então, há uma política de imperialismo regional da Turquia, que vem tentando reivindicar algo da imagem otomana do passado. Os Estados Unidos, como na Líbia e no Iraque, quer derrubar o governo sem ter muita ideia de quem poderia substitui-lo. Porém, Israel também quer uma Síria dividida, fragmentada, frágil, e também está ganhando influência. A Arábia Saudita também está contra Bashar al-Assad, por ser um governo secular, democrático e popular, e apoia a sua queda por causa dessa inimizade.

Então, há uma comunhão de vários elementos da reação mundial entre Israel, Turquia e Arábia Saudita, encabeçados, dirigidos e financiados tanto pela Arábia Saudita quanto pelos Estados Unidos, que já enviaram mais de mil soldados de forças especiais para apoiar os terroristas e mercenários, que são equivocadamente chamados de rebeldes. É uma das propagandas que a direita utiliza para disfarçar os terroristas invasores e mercenários.

O problema é que a imprensa de centro-esquerda, como o Página/12 (da Argentina), como o La Jornada (do México), utilizam a retórica estadunidense, e citam reportagens produzidas em Washington. Devemos reconhecer a grande vitória de Bashar al-Assad e de seus aliados do Irã e do Líbano, com a ajuda da Rússia, ao reconquistar a cidade de Alepo.

Enquanto as forças pró-Síria avançam e conseguem a liberação de Alepo, Washington facilita a saída dos terroristas do Iraque para lançar uma ofensiva contra Palmira, no sudeste da Síria. Não é casualidade o fato do Daesh (versão iraquiana do Estado Islâmico) conseguir mais de 4 mil homens para invadir, tomando uma grande parte de Palmira, onde há uma guerra feroz atualmente. De onde vieram? Como transportaram tantas armas pesadas rapidamente? Como entraram com elas no país? Obviamente, uma porcentagem importante dos terroristas vieram do Iraque e outros lugares, onde recebem apoio das forças especiais dos Estados Unidos.

Pergunta: Para terminar, acredito que você também está trabalhando em outros temas, deixo este espaço em aberto para que você os comente, para poder arredondar toda esta entrevista…

Petras: Sim, poderíamos terminar. Já falamos sobre os Estados Unidos e o Oriente Médio, e para terminar devemos discutir a experiência na Argentina. Os meios de comunicação nos Estados Unidos e na Europa, e talvez um setor importante da América Latina, pensavam que com o governo de Macri haveria um avanço importante da economia, aumentaria o desenvolvimento e se obteriam lucros enormes, o que se refletiria em apoio popular.

Só que estas suposições não estão se concretizando. No momento, há mais de 400 mil desempregados novos, o número de pobres aumentou em 4 milhões. E o pior de tudo, do ponto de vista econômico poderíamos dizer que o endividamento e a diminuição dos impostos na Argentina não atraiu o capital, como se esperava. Inclusive, no último período houve uma fuga de capitais, de cerca de 12 bilhões de pesos, que foram a Londres, a Washington, e alguns estão se transferindo ao Uruguai.

As exportações caíram em 6%, o PIB também teve queda, de 4,7%, e a dívida cresceu em 87 bilhões (de pesos). Então, a dívida aumenta, a economia está caindo e naturalmente nenhum capitalista racional vai investir na Argentina, especialmente com uma inflação de 4% ao mês, com uma dívida fiscal de mais de 9%. Não há nenhuma razão para que um capitalista minimamente inteligente pense em se envolver com a Argentina nestes próximos anos.

Em termos sociais e econômicos, Macri é um desastre total. Ao contrário de qualquer outro governo que conhecemos, não há nenhum aspecto de seu pensamento e de suas práticas que se possa justificar. Mas a grande imprensa continua tentando inventar alguma coisa positiva. Os especuladores de Nova York (os fundos abutre) cobraram o seu dinheiro, encheram os seus bolsos foram embora – o discurso de Macri era o de que a Argentina pagaria os fundos abutre, numa crítica aberta à postura de Cristina Kirchner sobre o tema, e que isso traria novos investimentos ao país, mas isso não aconteceu.

Então, o que podemos esperar? Que amplos setores da sociedade se posicionem contra Macri. Não há nenhuma possibilidade de manter ou ganhar alguma força no parlamento. Esperamos que o governo seja desestabilizado por seus próprios erros, ou que seja forçado a deixar o poder – como aconteceu com Fernando de la Rúa – por causa da comoção social. A instabilidade está crescendo. Macri se mantém no poder porque os burocratas corruptos da CGT (uma das centrais sindicais da Argentina) continua buscando uma saída negociada, que é impossível. Se não fosse pelos burocratas sindicais, este governo estaria paralisado internamente, e poderia cair.

O que mantém Macri no poder não é a sua política, nem suas medidas em economia, tampouco o respaldo dos militares. O que o está salvando é o fato de que o movimento popular está buscando uma saída política, mas faltam os mecanismos do sindicalismo para realizar esta tarefa.

Tradução: Victor Farinelli

Texto original: http://www.lahaine.org/por-primera-vez-tenemos-una

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