A propaganda é uma técnica militar que se distingue da astúcia. A primeira visa enganar o próprio campo, geralmente para obter o seu apoio. A segunda, cujo velho arquétipo é o cavalo de Tróia, visa enganar o adversário. Como de costume, esta técnica militar conheceu inúmeras aplicações civis, tanto no domínio comercial como no político.
Embora, inicialmente, os regimes monárquicos e oligárquicos se contentassem em encenar o seu poder à vista, nomeadamente através de cerimoniais e de uma arquitetura pública, os regimes democráticos, desde o seu aparecimento, lançaram a propaganda. Assim, a democracia ateniense valorizou o sofismo, isto é uma escola de pensamento que tentava apresentar como lógico fosse qual fosse o pressuposto.
No século XVI, uma família de comerciantes, os Médici, imaginou um modo de reescrever a sua história e inventar, para si, uma origem patrícia. Para o fazer, ela recorreu ao «mecenato artístico», contratando os maiores artistas do país para materializar a sua mentira através das suas obras.
Posteriormente, enquanto as guerras religiosas se generalizavam na Europa, o Papa Gregório XV criou um departamento ( «dicastério») para defender, e estender, a fé católica face ao avanço do protestantismo, a Congregação para a Propagação da Fé ( «Congregatio de Propaganda Fide»), de onde vem a palavra «propaganda».
A propaganda na era industrial
A era industrial provocou um êxodo rural maciço, a criação de vastos agrupamentos urbanos e da classe operária. Quando as «massas» entraram na política, o sociólogo francês Gustave Le Bon estudou a psicologia das «multidões», quer dizer a infantilização do indivíduo no seio de um amplo grupo. Ao fazê-lo, ele identificou o princípio básico da propaganda moderna : — para ser manipulável, o indivíduo tem primeiro de ser imerso numa multidão.
No início da Primeira Guerra Mundial, em Setembro de 1914, os Britânicos criaram, secretamente, o Gabinete da Propaganda de guerra ( «Wellington House») no seio do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Retomando o modelo dos Médici, eles recrutaram os grandes escritores da época, —como Arthur Conan Doyle, HG Wells e Rudyard Kipling— para publicar textos atribuindo crimes imaginários ao inimigo alemão, assim como pintores para os colocarem em imagens. Em seguida, eles recrutaram, igualmente, os patrões dos principais jornais diários —The Times, Daily Mail, Daily Express, Daily Chronicle— para que os seus jornais repetissem essas falsificações.
Este modelo foi retomado pelo presidente Woodrow Wilson, o qual criou, em Abril de 1917, o Comité de Informação Pública («Committee on Public Information»). Este órgão é célebre por ter empregado milhares de líderes locais afim que eles espalhassem a informação certa (os «Four Minute Men»). Ele desenvolveu a propaganda visual criando, para isso, um departamento encarregue de cartazes, o qual produziu, nomeadamente, o célebre «I want you!», e um outro que tentou produzir filmes. Acima de tudo, substituiu o recrutamento de grandes escritores por um grupo de psicólogos e jornalistas, em torno de Edward Bernays (o sobrinho de Sigmund Freud) e Walter Lippmann, encarregue de inventar, a cada dia, histórias extraordinárias, terríveis e edificantes, que eles difundiram junto dos patrões da imprensa. Desta forma passou-se, da orientação dada pelo Poder, para artistas da narração de histórias («storytelling») fabricadas, sistematicamente, segundo regras científicas.
Enquanto os Anglo-Saxónicos visavam apenas atingir imaginações e fazer da adesão à guerra um fenómeno de moda, os Alemães ensaiaram a maneira de fazer participar as pessoas em histórias imaginárias que se lhes contava. Eles fizeram uso generalizado de uniformes, os quais permitiam ao indivíduo jogar um papel, e encenações grandiosas —políticas e desportivas— que manifestavam a opinião maioritária. É, sem nenhuma dúvida, neste momento que se elabora a «propaganda moderna», quer dizer a difusão de crenças que não podemos criticar e acerca das quais não se podem fazer reavaliações. O indivíduo que participou nas marchas de tocha, em uniforme negro, não mais poderá pôr em causa as suas crenças nazis sem se colocar em causa a si mesmo, e ter de repensar, ao mesmo tempo, o passado e a sua visão do futuro. Por outro lado, Joseph Goebbels instituiu um “briefing” diário no Ministério da Informação, no decurso do qual ele definia os «elementos de linguagem» que os jornalistas deveriam usar. Simplesmente, não mais se tratava de convencer, mas, antes de modificar as referências de massas. Além disso, os Alemães foram os primeiros a dominar, com mestria, os novos meios de comunicação que eram o rádio e o cinema. Eles fizeram-se até de convidados para a casa das pessoas afim de aí instalar a televisão.
Goebbels considerava a arte de propaganda como um combate contra o individualismo. Ele sublinhou a importância da repetição, da «lavagem cerebral», para vencer as resistências intelectuais. O problema era tanto mais importante quanto o uso da televisão remetia da massa para o indivíduo, de novo.
Após a Segunda Guerra Mundial, a Assembleia Geral da ONU, sob o impulso da URSS e da França, adoptou uma série de resoluções (110 [1], 381 [2] e 819 [3]) interditando a propaganda e garantindo o acesso a informações contraditórias. Cada Estado-membro transcreveu estes princípios para o seu Direito nacional. Mas, em geral, as demandas contra a propaganda não podem ser accionadas senão pelo Ministério Público, ou seja, pelo Estado, quando a propaganda é antes de mais uma prática dos Estados. Nada mudou portanto.
Durante a Guerra Fria, os Norte-americanos e os Soviéticos rivalizaram em matéria de propaganda. Contrariamente a uma ideia feita, estes últimos inovaram pouco, excepto em matéria de rescrita do passado. Eles apagaram, assim, esta ou aquela corrente de pensamento retocando para tal as fotografias oficiais e daí fazendo desaparecer os líderes que as encarnavam. Os Norte-americanos, por sua vez, desenvolveram a rádio destinada aos Soviéticos (Radio Free Europe) e o cinema destinado aos Aliados (Hollywood). Simultaneamente, eles inovaram criando para isso organismos permanentes —pretensamente privados e científicos— encarregues de justificar a posteriori as políticas públicas, os laboratórios de ideias («think-tanks»). Como o seu nome indica, a sua função não é a de estudar e de propôr tal como o fariam os académicos, mas, sim testar argumentários no sentido sofista do termo.
Mais interessante, confrontado com insurreições nacionalistas, no Terceiro Mundo, o Exército dos EU empregou técnicas de propaganda para intimidar as rebeliões comunistas e manter regimes neo-coloniais. Até então, a guerra psicológica empenhava-se em fazer crer aos inimigos que eles não podiam ter confiança no seu próprio comando e que deviam antecipar uma derrota inevitável. Por exemplo, nas Filipinas, o general Edward Lansdale inventa e encena um monstro mitológico, que assombrava a floresta e devorava os seres humanos. Deste modo, ele desencorajou a população de ir levar ajuda aos resistentes que se escondiam na floresta.
A propaganda na era dos satélites e do digital
Três fenómenos se conjugaram no decurso dos vinte e cinco últimos anos : a sociedade do espectáculo, os satélites, e a chegada do digital.
1- A sociedade do espectáculo
Uma vez que a televisão é um espectáculo a propaganda implica, antes de tudo, a montagem de eventos espectaculares.
Por exemplo, para apresentar a reunificação do Kuweit e do Iraque como uma guerra de agressão (1990), o Departamento de Defesa dos E. U. empregou um gabinete de relações públicas, Hill & Knowlton, que encenou a audiência de uma suposta enfermeira. Ela atestou ter visto soldados iraquianos roubar as incubadoras de uma maternidade kuweitiana, deixando, assim, morrer 312 bebés que estavam lá.
Em 1999, foi avançado um passo : a OTAN organiza um gigantesco acontecimento para que as agências de notícias o filmassem e impõe imediatamente a sua interpretação. Em três dias, 290.000 albaneses migraram para a Macedónia. As imagens que daí resultaram permitiram assimilar a repressão do terrorismo do UÇK, pela Jugoslávia, a um plano de extermínio dos muçulmanos (o plano «ferradura», uma invenção do ministro da Defesa alemão, Rudolf Scharping) e, por conseguinte, justificar a guerra do Kosovo.
Ainda em maior escala : em 2001, dois aviões atingiram as duas Torres gémeas do World Trade Center, de Nova Iorque, que se desmoronaram. Outros eventos inexplicáveis rodearam estes acontecimentos: um incêndio destruiu os escritórios do Vice-Presidente, duas explosões sobrevieram no Pentágono, e um terceiro edifício desmoronou-se em Nova Iorque. A incoerência da narrativa foi utilizada para afastar qualquer questionamento, com as autoridades refugiando-se atrás das contradições imputáveis à transmissão em directo. Durante dias a fio, as televisões difundiram em contínuo nada mais que as imagens de dois aviões atirando-se contra as duas torres, até ao esgotamento do espírito crítico dos telespectadores. Sob o efeito do choque, o Congresso aprovou o Estado de Emergência Permanente (Patriot Act) e uma série de guerras puderam ser lançadas.
A manipulação atinge a perfeição quando mostra repetidamente a mensagem, convida os espectadores a aderir, depois lhes revela que os estão a enganar e os força a seguir o que eles, agora, sabem ser uma mentira.
Assim, em 2003, o mundo viu os Iraquianos destruir uma estátua de Saddam Hussein. O presidente George W. Bush comentou, em directo, que um manifestante que martelava a massa dos pés da estátua lhe lembrava imagens semelhantes aquando da queda do Muro de Berlim. A mensagem era que a queda do presidente Saddam Hussein era uma libertação. Viu-se então, na pantalha, um plano alargado da Praça que deixou entrever que ela estava fechada pelo Exército dos E.U. e que os manifestantes eram, na realidade, apenas um pequeno grupo de actores. Em seguida, os comentaristas prosseguiram como se nada se tivesse passado [4].
2- Os satélites
Usando os novos satélites de comunicação, o Exército dos E.U. transformou, em 1989, uma estação de televisão local, em Atlanta, na primeira cadeia internacional de «informação contínua». Tratava-se de utilizar o direto para certificar a veracidade das imagens que a falta de tempo não permite manipular. Na realidade, o directo não permite analisá-las e confirmá-las [5].
A CNN fez passar a tentativa de golpe de Estado do antigo Primeiro-ministro Zhao Ziyang, na China, por uma revolta popular esmagada em sangue, na Praça Tiananmen [6]. Ela amplificou a «revolução de veludo», na República Checa, fazendo crer que a polícia tinha morto um manifestante. Ela validou a descoberta da vala comum de Timisoara com cadáveres saídos de uma morgue, que ela apresentou como tendo sido mortos pela polícia durante uma manifestação, ou vítimas de torturas, para justificar o golpe de Estado de Ion Iliescu contra Ceausescu. Etc.
Seguindo o mesmo princípio, o emirado do Catar retomou em mão, em 2005, o canal de entrevistas árabe-israelita Al-Jazeera para o tornar no porta-voz dos Irmãos Muçulmanos [7]. Em 2011, este jogou um papel central na operação das primaveras árabes. Mas a sua audiência seguiu o mesmo padrão que o da CNN: —depois de ter conhecido um grande sucesso, com seus “scoops” («furos»-ndT) imaginários, ele perdeu a maior parte da audiência quando as suas mentiras foram descobertas.
O princípio das rádios destinadas ao estrangeiro foi melhorado com a Rádio Marti, que a CIA transmitia a partir de um avião AWACS, em vôo ao largo de Cuba. Em 2012, um vasto projecto foi organizado para desligar as televisões sírias de satélite e substituí-las por falsos programas, que deviam anunciar a queda do regime e a fuga dos seus dirigentes. Para o conseguir, foram produzidas imagens, sintetizadas, mostrando a fuga do Presidente Bashar el-Assad [8]. Mas, dadas as reacções da Síria e da Rússia, a operação foi anulada exactamente quando um sinal proveniente de uma base da NSA, na Austrália, tinha já substituído, no ArabSat, o da televisão síria.
3- O digital
No mesmo período, os avanços na tecnologia digital, particularmente a difusão da informática e da Internet, fez ressurgir o papel dos indivíduos sem, no entanto, dissolver as massas.
Em 2007, a CIA enviou SMS anónimos para as regiões povoadas pelos Luo do Quénia, acusando os Kikuyu de ter aldrabado a eleição presidencial. Os Luo fizeram circular a mensagem, surgiram tumultos, mais de um milhar de pessoas foram mortas e 300.000 deslocadas. Finalmente, as «ONG» propuseram a sua mediação e impuseram no poder Raila Odinga [9].
No mesmo ano, a CIA testou a credibilidade de vídeos anónimos, filmados com telefones portáteis (celulares-br). Estas sequências, com ângulos curtos, não permitem visualizar o contexto e a sua origem incerta não permite saber onde foram feitos. No entanto, vídeos mostrando monges imolando-se pelo fogo, ou cenas de repressão militar durante a «revolução açafrão», na Birmânia, foram considerados como autênticos. Foram retomados pelas televisões e deram a volta ao mundo.
A coligação da mentira
As técnicas de propaganda não evoluíram nos últimos anos. No entanto, elas foram aperfeiçoadas com a criação de uma coligação da mentira. Até agora, cada Estado conduzia a sua própria campanha, mas, durante a guerra contra o Iraque, em 2002, uma coordenação foi montada entre os Ministérios da Defesa dos Estados Unidos, do Reino Unido e de Israel, depois estendida ao Catar e à Arábia Saudita. Inicialmente, esta coligação tentou manipular os inspectores da ONU no Iraque, para os levar a crer na existência de armas de destruição maciça. Depois, não tendo lá chegado, ela intoxicou os média (mídia-br) internacionais [10].
Em 2011, foi essa coligação que rodou num estúdio, a céu aberto, no Catar, imagens da chegada de rebeldes à Praça Verde de Trípoli. Difundidas em primeiro lugar pelo canal britânico Sky News, elas permitiram fazer crer aos Líbios que a batalha estava terminada quando, precisamente, ela começava, de tal modo que a OTAN pode tomar a cidade sem sofrer perdas significativas (mas com 40. 000 mortos do lado líbio). Saif al-Islam Gaddafi foi forçado a dirigir-se à Praça, e aí se fazer aplaudir pelos seus partidários, afim de desmentir as imagens pretensamente tomadas na véspera, na mesma Praça, pela Sky.
Esta coligação, da mentira, teve a sua expansão durante a guerra contra a Síria, na qual participavam, a princípio, 120 Estados e 16 organizações internacionais —a mais vasta coligação da História—.
Em Outubro de 2011, a OTAN organizou uma aldeia-demonstração (aldeia Potemkin-ndT), Jabal al-Zouia, no Norte do país. Uns após os outros, os jornalistas ocidentais foram lá levados pelo serviço de relações públicas do Primeiro-ministro turco. Aí, viram o Exército Livre Sírio ser apoiado pela população. No entanto, a operação acabou quando um jornalista espanhol, no local, reconheceu os chefes deste Exército «sírio» livre: os líderes da Al-Qaida na Líbia, Abdel Hakim Belhadj e Mahdi al-Harati [11]. Significou nada, impôs-se a imagem que existia, de facto, um vasto exército composto por antigos soldados da República Árabe Síria que haviam desertado.
Em 2012, o mundo descobriu, durante um mês completo, os revolucionários de Baba Amr, cercados e bombardeados pelo exército do regime [12]. Na realidade, o quarteirão estava completamente cercado, mas não tinha sido bombardeado porque 72 soldados sírios aí estavam, eles próprios, cercados num supermercado. Os jiadistas fizeram explodir as casas dos cristãos para criar ruínas, que eles imputaram à República Árabe Síria. Pneus foram queimados nos telhados para que se visse uma espessa fumaça negra. A France24 e a Al-Jazeera pagaram, como correspondentes no local, a «jornalistas cidadãos» que presidiam a um Tribunal Revolucionário. Os corpos dos 150 mártires que este Tribunal condenou, e fez degolar em público, foram mostrados nos ecrãs como se fossem os de vítimas dos bombardeamentos [13]. No local, um escritor franco-israelo-americano da moda, Jonathan Littell, veio atestar que a «revolução» era magnífica. Tinha-se, por fim, imagens e um testemunho da «crueldade do regime».
Em 2013, o Reino Unido criou uma empresa de Comunicação ao serviço dos grupos jiadistas, InCoStrat. Ela desenhou os logótipos, realizou vídeos por telefone portátil (celular-br) e brochuras para uma centena dentre eles, dando assim a impressão de uma adesão popular contra a República. Acoplada as SAS, ela colocou em cena, por exemplo, o grupo mais importante, o Exército do Islão. A Arábia Saudita forneceu os blindados, que foram entregues a partir da Jordânia. Uniformes, fabricados em Espanha, foram distribuídos aos jiadistas para uma cerimónia de promoção de oficiais. Esta montagem foi encenada, e filmada por profissionais, para dar a impressão de um exército organizado como uma força regular, e capaz de rivalizar com o Exército Árabe Sírio [14]. Impôs-se a impressão que se tratava realmente de uma guerra civil, ora as imagens apenas mostravam umas poucas centenas de figurantes, dos quais a maior parte eram estrangeiros.