EUA e Rússia mantém regime intenso e às vezes intrusivo de vigilância contra diplomatas uns dos outros. A síndrome da ação-reação é tão finamente controlada que é previsível. Se um ou outro caso faz barulho a propósito desses movimentos de vigilância, a única intenção possível e "propaganda". Assim sendo, as medidas anunciados na 5ª-feira pelo Departamento de Estado dos EUA – expulsão de 35 diplomatas russos e fechamento de dois prédios (dacha) administrados pelos russos – aparecem claramente como decisão política.
Muito provavelmente é decisão política excessiva, a qual, de um ponto de vista operacional, também visa a dificultar o funcionamento normal da embaixada russa. É absolutamente claro e visível que, com sua decisão excessiva, Obama não deixa outra escolha à Rússia que não seja a retaliação. A pergunta eletrizante aqui é se essa foi a intenção de Obama. No tango da diplomacia russo-norte-americana, sempre há o risco de 'não ficar por baixo', e o relacionamento hoje já foi muito altamente personalizado, no nível presidencial.
Em termos diplomáticos, essas rupturas abrem feridas que demoram a cicatrizar. Obama provavelmente estimou que o próximo presidente Donald Trump seria empurrado para posição de desvantagem grave em relação a Putin, pelo menos nos primeiros poucos meses.
Quanto às referidas ciberoperações hostis, pela Rússia, Obama parece ter mudado um pouco a pegada, e decidiu agir sem esperar pelos resultados da investigação que ordenou às agências de segurança. Obama sancionou nove entidades e indivíduos identificados com a agência russa de inteligência externa e com a inteligência militar, além de levantar o sigilo sobre informações técnicas relacionadas ao modus operandi dos russos.
Duas dimensões interessantes da declaração de Obama são, uma, a convocação dirigida aos aliados dos EUA para que "trabalhem juntos para resistir contra esforços da Rússia para minar normas estabelecidas de comportamento e interferir na governança democrática"; e, segunda, o movimento para abordar formalmente o Congresso dos EUA, que deve reunir-se dia 3 de janeiro, para que acompanhe as questões da interferência da Rússia.
Qual o plano de Obama? Sem dúvida, tem muito a ver com demarcar a trajetória para o relacionamento EUA-Rússia mesmo além do governo Obama. Aliados podem não ver interesse algum na convocação de Obama às barricadas para a luta contra a Rússia. Mas Obama pode ter mais sorte ao usar o próprio capital político para consolidar uma opinião pública doméstica forte – entre as elites e dentro das comunidades de inteligência, dos militares e das Relações Exteriores nos EUA – que militam contra qualquer tentativa que Trump faça para melhorar as relações com a Rússia.
Obama emitiu as sanções contra a Rússia por uma ordem executiva; assim não poderão ser anuladas por Trump, mas Obama está também "abrindo um arquivo" no Congresso dos EUA. Obama provavelmente estima que Trump perderá o rumo no labirinto que terá de superar no Congresso. Bem claramente, Obama espera jogar o Congresso contra quaisquer prováveis futuros movimentos de Trump para melhorar relações com a Rússia.
Ao mesmo tempo, ao empurrar as agências de inteligência para a mesma confusão, Obama complica enormemente o trabalho de Trump. Espiões e agentes secretos com o ego ferido podem tornar bem difícil o caminho para um recém-chegado ao mundo político, que jamais antes teve posição de governo. A reação de Trump, de provocação, sugere que ele já compreendeu o jogo de Obama. Em tom cético, disse que esperava informes diretamente da comunidade de inteligência:
- "É mais que hora de nosso país passar a tratar de assuntos maiores e melhores. Mas, no interesse do nosso país e de nosso grande povo, me reunirei com a comunidade de inteligência semana que vem, para que me atualizem sobre todos os fatos dessa situação."
Dada a diferença de fuso horário, a reação de Moscou foi rápida, no nível do porta-voz da presidência, Dmitry Peskov. Moscou provavelmente já esperava de Obama algum tipo de comportamento de provocação, nas derradeiras semanas do governo. Mesmo assim, Moscou está surpresa pela "absolutamente nenhuma manifestação de agressão" de Obama, o que é "sem precedentes". É possivelmente comentário sarcástico, considerando que, de modo geral, os russos consideram Obama homem de personalidade tímida.
Com certeza a Rússia anunciará medidas de retaliação, talvez ainda no fim-de-semana. Peskov destacou a centralidade do princípio de "reciprocidade".
Mas o mais altamente provável é que os russos produzam resposta calibrada, com o objetivo de "causar desconforto significativo aos EUA nas mesmas áreas" – palavras de Peskov – e também "até certa medida considerará" a realidade política de que Obama é pato manco.
Peskov ofereceu interpretação muito lúcida do plano de jogo de Obama:
- "Estamos convencidos de que essas decisões pelo atual governo, o qual tem apenas três semanas restantes de trabalho, visam a dois objetivos: primeiro, atrapalhar o mais possível as relações Rússia-EUA, que já estão no ponto mais baixo de todos os tempos; e também, ao que parece, aplicar forte golpe contra os planos de política externa do governo do próximo presidente eleito dos EUA.
- O segundo objetivo por sua vez tem caráter absolutamente doméstico, e cabe aos norte-americanos decidir, eles mesmos, quanto à legalidade da linha de conduta do presidente que sai, em relação ao presidente que chega. Porque o governo que sai está impondo um modelo de conduta ao futuro governo e ao presidente eleito dos EUA.
- O que os russos realmente sabemos é que se veem claros movimentos para impor uma determinada direção à política exterior do governo eleito dos EUA, para limitar-lhe a liberdade para decidir e, de certo modo, para negar-lhe o direito de seguir efetivamente a direção endossada pelo novo presidente.
Moscou adivinhou que Obama está montando uma armadilha antiurso. A questão é se há suficiente apoio para esse movimento de Obama, quando, pela primeira vez, um corpo significativo dentro da opinião pública dos EUA começa a compreender e aceitar os imperativos de manter boas relações com a Rússia. Isso posto, temos pela frente três semanas tempestuosas. Que ninguém se iluda: Moscou exporá Obama como ator sem qualquer mérito que o fizesse digno de um Nobel.
Putin anunciou na 5ª-feira o acordo de trégua entre o governo da Síria e a oposição, com todos já prontos para iniciarem conversas de paz. O governo Obama não foi consultado: foi mantido à margem da iniciativa regional. A mensagem é muito clara: do início ao fim da guerra, Obama foi sempre o problema, nunca a solução, na Síria.