A 8 de Março, a Rússia apresentava ao Conselho de Segurança um relatório acusando Ancara de controlar o tráfico de antiguidades em proveito do Daesh [1]. A 18 de Março, apresentava um novo acusando-a de fornecer armas e munições ao Daesh [2].
Nos dois casos, a Turquia «refutava totalmente» estas alegações, e acusava a Rússia de organizar uma manobra de diversão para «desviar a atenção da comunidade internacional das perdas civis, do caos e das consideráveis destruições causadas pelo regime sírio e pelas operações militares russas na Síria». O Estado-maior russo insistia revelando, a propósito, que Ancara acabava de permitir a entrada na Síria de 9. 000 novos jiadistas. Portanto, podia-se, assim, pensar que a Turquia agia por si própria sem dar satisfações aos Estados Unidos.
Ora, a 7 de Abril, o departamento da Defesa dos E.U. fornecia 2. 000 toneladas de armas aos «grupos armados moderados», das quais cerca de 500 foram de imediato redistribuídas à Al-Nusra (Al-Qaida) e outras 500 ao Daesh (E.I.) [3].
Seja como fôr, o apoio da Turquia ao Daesh parece ter, bruscamente, diminuído no decurso dos últimos dias.
Parece que, ao abrigo dos olhos do público, Moscovo terá protestado violentamente, de tal modo que, a 9 de Maio, John Kerry e Sergeï Lavrov publicavam uma declaração comum [4]. Nela, eles exortam «todos os Estados a pôr em prática a resolução 2253 (2015) do Conselho de Segurança, impedindo portanto qualquer apoio material ou financeiro ao EIIL [Daesh], à Frente al-Nusra, ou a qualquer outro grupo qualificado como terrorista pelo Conselho de Segurança da ONU, e de cortar qualquer tentativa destes grupos cruzarem a fronteira da Síria».
Acima de tudo, ficou acordado que Washington fixava aos seus aliados uma data limite, com início em Julho, para chegar a um acordo negociado em Genebra. Além disso, retirava todas as suas forças armadas, enquanto a Rússia levaria o porta-aviões Almirante Kutznesov para a costa da Síria afim de retomar, em menor escala, a sua campanha de bombardeamento das organizações terroristas (porque entretanto re-armadas) [5].
No entanto, o nevoeiro ainda não estava definitivamente afastado. Um forte incidente opôs Russos e Norte-americanos nas Nações Unidas a propósito do Exército do Islão (Jaysh al-Islam). Moscovo entendia inscrevê-lo na lista das «organizações terroristas», enquanto Washington deseja considerá-lo, ainda, como «grupo armado moderado».
O Exército do Islão é uma formação paga pela Arábia Saudita e enquadrado por SAS Britânicos. De início dirigido por Zahran Allouche, semeou o terror nos subúrbios de Damasco e ameaçou a capital durante três anos. O seu líder, que dedicava uma adoração a Osama bin Laden, caracterizava-se pela sua crueldade, fazendo decapitar numerosos habitantes, e utilizando outros, fechados para tal em jaulas, como escudos humanos. No fim, as bombas perfurantes da Força Aérea Russa deram cabo do “bunker” subterrâneo que havia sido construído para abrigar o seu estado-maior. Após um período de indecisão, um dos 17 adjuntos de Allouche, Issam el-Bouaydani, assumiu temporariamente a sua sucessão. Ele foi rapidamente posto de parte em favor de um religioso wahhabita, o xeque Abou Abdarrahman Kaake. Este último favoreceu a nomeação de um primo de Zahran Allouche, Mohamed Allouche, para dirigir a delegação da oposição saudita às negociações de paz intra-sírias, em Genebra. O qual se salientou por precipitar sírios, acusados de ser gays, do cimo de telhados —a República Árabe Síria é o único Estado árabe a respeitar a vida privada e a não penalizar os homossexuais—.
A 17 de Maio, o Grupo Internacional de Apoio à Síria reunia-se em Viena. Na sua declaração final [6], põe em causa o prosseguimento pelo Exército Árabe Sírio da sua estratégia de cerco às aldeias controladas pelos jiadistas da «oposição moderada». Mas, acima de tudo ele valida, de novo, o conjunto das decisões russo-americanas dos últimos meses, a saber :
- formar um mecanismo de transição comum entre o governo sírio e todo o leque da oposição, na etapa da transição ;
- elaborar uma nova Constituição ;
- depois, organizar novas eleições presidenciais e parlamentares sobre esta base.
Ora, muito embora a Arábia Saudita seja membro do Grupo Internacional de Apoio à Síria, a oposição moderada recusa continuamente estes três pontos. Ela persiste na exigência da saída do Presidente el-Assad, e da maioria dos altos funcionários cristãos, xiitas e alauítas, antes da formação do mecanismo de transição. Por outro lado, ela não tem a intenção de enfrentar os actuais dirigentes em eleições democráticas.
Não é irrelevante que, no decurso da reunião de Viena, um diplomata tenha declarado que o seu país estava pronto para lutar contra a Al-Qaida, mas que se interrogava para saber quem ocuparia então o terreno. Sergey Lavrov relevou o que ele considerou como um «lapsus» : este diplomata admitia de facto que o seu país preferia uma vitória da Al-Qaida a uma vitória da República Árabe Síria. Ao fazê-lo, afastava-se da decisão do Conselho de Segurança de tornar a luta contra o terrorismo o seu objectivo número 1.
No mesmo dia, a 17 de Maio, o Representante Especial do Secretário-Geral da ONU, Terje Rød-Larsen, apresentava o seu mais recente relatório sobre a implementação da resolução 1559 e anunciava a sua demissão. Esta resolução tinha sido redigida, em 2004, por iniciativa dos Estados Unidos, da França e da Arábia Saudita afim de exigir o desarmamento do Hezbolla libanês, a não recondução do Presidente Emile Lahoud e a retirada da força de paz Síria do Líbano. Ela jamais foi implementada, muito embora a Síria tenha, por si própria, retirado os seus soldados a pedido da rua libanesa, aquando da «Revolução do Cedro». O Sr. Ban encarregou, imediatamente, o seu adjunto para os Assuntos políticos, Jeffrey Feltman, de tomar a cargo, até ao fim do ano, as funções de Terje Rød-Larsen em acumulação às suas próprias. Ora, inúmeros observadores consideram que Jeffrey Feltman, antigo embaixador dos EUA em Beirute, é o verdadeiro redactor da Resolução 1559, e que ele dirige actualmente, por trás da cortina, desde Nova Iorque, a coligação militar contra a Síria.
A 19 de Maio, Jeffrey Feltman participava numa cerimónia, em Paris, ao lado dos membros da oposição síria no exterior, Burhan Ghalioun, Michel Kilo, Bassma Kodmani e Samar Yazbeck.
Ainda em França, o General Benoît Puga anunciou a demissão das suas funções de Chefe do estado-maior particular do Presidente da República para se juntar à Chancelaria da Legião de Honra. Cristão integrista, nostálgico da monarquia e da colonização, foi o único militar a ocupar este posto junto de dois presidentes sucessivos, Nicolas Sarkozy e François Hollande. Ele tinha conduzido, pessoalmente, as operações secretas da França na Síria —por vezes contra o parecer do Estado-Maior do Exército— nomeadamente, o dos oficiais da Legião Estrangeira destacados para a Presidência.
Dirigi-mo-nos, inexoravelmente, para uma interrupção das negociações de Genebra. Além disso, se aí um acordo surgisse, entre as partes sírias presentes, ele seria inválido ao abrigo das decisões internacionais anteriores, tendo em vista a exclusão —a demanda da Turquia— do principal partido curdo. É por isso que o fracasso de Genebra deveria ser seguido por uma retoma das negociações intra-sírias, com aqueles que o desejem —isto é, sem os pró-Sauditas, mas com os Curdos—. Depois, a formação de um mecanismo de transição com estes novos participantes. No plano militar, o Exército Árabe da Síria deveria retomar as principais cidades do país, embora os combates persistissem na fronteira sírio-iraquiana.