Hassan Al-Labadi foi um xeique que ficou suspenso nas memórias da Nakba, a catástrofe palestina feita de massacres, destruição e exílio em que se consolidou a fundação do Estado de Israel. Intelectual e Imã da mesquita de Abu Dis, em Jerusalém, o xeique foi preso em 1939, conta o historiador Nazmi al-Jubeh, durante a revolta palestina de 1936-1939 contra a colonização britânica e sua aliança com o projeto sionista. Naquele dia, os palestinos protegiam a mesquita Al-Aqsa de uma invasão, quando o xeique teria matado um oficial britânico.
Conta Al-Jubeh que a família perdeu contato com o xeique quando se viu separada da prisão em que ele estava encarcerado pela nova fronteira do Armistício, vivendo no que passou a ser chamado “Cisjordânia”, território controlado pela Jordânia até a ocupação israelense em 1967. Não foi até o início dos anos 1980 que a família o voltaria a reencontrar sem, porém, vir a entender o destino de Hassan. Ele tinha a própria memória congelada no tempo da catástrofe, embora, então idoso, já cumprisse quatro décadas aprisionado. E esta história não tem desfecho.
O contínuo encarceramento é parte da tática que Laleh Khalili identifica como uma forma de controle populacional por potências imperiais e coloniais através da detenção e da contrainsurgência. Em seu livro “Tempo nas Sombras, Confinamento em Contrainsurgências” (Time in the Shadows, Confinement in Counterinsurgencies, 2013, ainda sem tradução para o português), Khalili aborda o contributo de um consultor do Mandato Britânico na Palestina na elaboração de um sistema de colaboração com os sionistas através de patrulhas conjuntas durante a revolta palestina (1936-1939), o que incluía o ataque a vilas palestinas como punição (coletiva) pela ou ameaça e alerta contra a participação na revolta.
A centralidade da luta dos prisioneiros
Em declaração conjunta emitida recentemente, o Comitê Palestino de Assuntos dos Prisioneiros, a Sociedade dos Prisioneiros Palestinos (PPS, na sigla em inglês) e o Birô Central Palestino de Estatística (PCBS) estimam que desde o estabelecimento do Estado de Israel, quase um milhão de palestinos já passaram por suas cárceres.
De acordo com a Associação de Apoio aos Prisioneiros e Direitos Humanos Addameer, atualmente há cerca de 6.300 palestinos e palestinas – 300 deles, crianças – encarcerados em mais de 20 prisões e centros de detenção e de interrogatório esparramados por todo o território ocupado ou em Israel – reitere-se, este tipo de transferência populacional, mesmo que de detidos, do território ocupado para o território da potência ocupante, é uma violação do Direito Internacional Humanitário.
A percepção da liderança israelense é de uma "ameaça" no anúncio de greve de fome generalizada, no último Dia do Prisioneiro, 17 de abril, com a participação de quase dois mil presos e presas, que alertam contra a alimentação forçada já praticada antes e possivelmente iminente. De qualquer forma, o Serviço Prisional Israelense já anunciou um “estado de emergência” nas prisões.
O principal “risco” é o fortalecimento de uma unidade nacional em torno da resistência e do brado de que a situação é insustentável. A greve de fome, como a revolta, não tem data para acabar. Tem demandas fundamentais de dignidade e direitos humanos, mas traz consigo o potencial da insurgência generalizada contra o estado das coisas.
Marwan Barghouti, o líder e parlamentar do Fatah preso há 15 anos que publicou um artigo sobre a greve no diário estadunidense The New York Times, foi punido com a solitária e o diário, repreendido, pelo que se retratou rapidamente com uma nota no rodapé do seu texto “esclarecendo” que Barghouti é acusado de assassinato e por isso está preso. Nenhum “esclarecimento” do gênero se encontra em notas nos rodapés de textos de criminosos de guerra também publicados ali, nem do contexto da resistência palestina, denunciam diversos autores.
Apesar da intensificada repressão nas ruas e nas prisões – com diversos prisioneiros sendo confinados em solitárias como punição por sua posição desafiante – a mobilização se sustenta, internacionalizada na solidariedade ou no alerta midiático para uma “possível escalada das tensões”.
O protesto tem força nacional. Por isso a saudação da Frente Popular de Libertação da Palestina (FPLP), “a cada prisioneiro, heróis e heroínas das batalhas da vontade e da resiliência, … aos prisioneiros enfermos, detidos administrativamente e líderes aprisionados, liderados pelo secretário-geral encarcerado, camarada Ahmad Sa'adat, Marwan Barghouti, Hassan Salameh, Wajdi Jawdat, Anas Jaradat, Bassam Kandaji e a longa fila de líderes que representam a luta nacional e a causa dos prisioneiros.”
A ação convoca também ao aumento do respaldo internacional. O apelo é para que “os apoiantes da justiça em todo o mundo ajam em apoio aos prisioneiros palestinos cujos corpos e vidas estão em risco pela liberdade e a dignidade,” segundo Addameer. O potencial de unidade nacional – esperança que a liderança israelense se esforça por minar – é o maior temor de um regime de ocupação militar, colonialismo e massacres que não pode mais se sustentar.