Claro, tentei raciocinar e pus-me a detalhar, porque é evidência empírica, que muito do que está acontecendo explica-se mais facilmente pela confusão reinante em Washington, sob presidente desesperantemente sitiado, e que as coisas estão na realidade muito distantes do que a vista alcança.
Assim que, hoje, tive um ataque de riso, ria sem poder me controlar, quando começaram a aparecer matérias na mídia dando conta de que, sim, o show de força de Trump no Extremo Oriente não passou de jogada de cena. A formidável armada norte-americana, o porta-aviões Carl Vinson e todo um grupo de ataque parece que nunca tomaram o rumo da Coreia do Norte! Foi 'pegadinha'!
Sempre suspeitei de alguma coisa como um acordo, construído por trás dos panos entre EUA e China; que a pantomima era complicada e, talvez, absolutamente inacreditável. A primeira nuvem de suspeita surgiu quando analistas chineses começaram a sinalizar, ainda muito vagamente, que, se ambas, Pyongyang e Washington mostraram-se capazes de pensar, não seria por coincidência, mas porque os dois lados davam-se conta de que nenhum deles poderia atirar a primeira pedra. Claro, analistas chineses jamais reconheceriam que Pequim tivesse atuado como uma espécie de avalista do destino de Pyongyang, garantindo que Trump não atacaria a Coreia do Norte nem cogitava decapitar o regime de Kim Jong-un.
Nisso, os chineses e eu concordamos integralmente, talvez porque, cá do nosso lado, todos rezamos o credo do materialismo dialético. Também creio firmemente que a economia dos EUA absolutamente não está em condições que permitam iniciar uma guerra imperial, seja onde for nesse planeta, e que Trump sabe disso melhor que qualquer outro nos EUA. O que, afinal de contas, apenas explica a insistência com que repetiu e prometeu durante a campanha, que reconstruiria a máquina militar dos EUA e faria dela outra vez a mais poderosa máquina de guerra que o mundo jamais viu, e restauraria o prestígio e a influência dos EUA em todo o mundo, mas não como potência intervencionista, e que usaria com extrema moderação o poder norte-americano, só se os interesses dos EUA fossem ameaçados – e, mais importante, que o núcleo duro da doutrina de sua política exterior seria "EUA em primeiro lugar" [ing. America First], o que a tornava absolutamente diferente e inconfundível, seja com a de Barack Obama seja com a de Hillary Clinton.
Agora, reproduzo adiante alguns excertos de um comentário chinês, publicado hoje no jornal do Partido Comunista, Global Times:
- Muitos observadores dizem que a península coreana aproxima-se do ponto de máxima volatilidade, mas a probabilidade de guerra permanece baixa. Há sinais de que o presidente Donald Trump dos EUA recorrerá a política mais dura para Pyongyang que seu antecessor (...) Mas não agirá precipitadamente (...) Trump não esquecerá o que prometeu na campanha eleitoral. Por mais que creia vigorosamente que a política exterior dos EUA é efeito do seu poderio militar, ele de modo algum dependerá, para fazer "a América grande outra vez", exclusivamente da capacidade militar. Em futuro próximo, o governo Trump começará a dar mais importância à economia, emprego e imigração, que à diplomacia (...) A nova administração já deixou bem claro que, em vez de tentar uma operação de mudança de regime, aplicará "pressão máxima" sobre Pyongyang, e oferecerá engajamento pacífico com o regime da Coreia do Norte, se e quando mudar seu modo de agir.
- Os interesses nacionais e as políticas domésticas dos EUA, especialmente o apelo político dos cidadãos norte-americanos, determinaram que Trump tenha de dar prioridade absoluta às questões domésticas (...) Assim se demonstra o lado pragmático e flexível do novo governo. Se os EUA realmente implementarem a nova política, a comunidade global verá que o país mais poderoso do mundo consome mais tempo e energia com suas questões domésticas. Circunstâncias futuras em torno de Pyongyang muito provavelmente entrarão em nova fase.
Ok, mas... isso significa que a China baixará a guarda? Não, de modo nenhum. Que ninguém se engane: a China absolutamente não se exporá a qualquer risco no ambiente político instável no qual Trump opera. Assim, também se expediram sinais bem claros na direção dos EUA, de que qualquer tipo de ataque militar contra a Coreia do Norte imediatamente e inevitavelmente disparará uma intervenção militar chinesa. Eis o que se lia num editorial de Global Times na 3ª-feira:
- O povo chinês não permitirá que seu governo permaneça passivo se e quando exércitos de EUA e Coreia do Sul iniciarem qualquer guerra e tentarem depor o regime de Pyongyang. Os chineses absolutamente não deixarão que aconteça nada desse tipo, especialmente no mesmo território onde o Exército Voluntário Chinês combateu no início dos anos 1950s. Aquela terra é coberta de sangue dos soldados chineses que ali combateram bravamente no inícios dos anos 1950. Além disso, se Pyongyang for tomada por exércitos aliados dos EUA e Coreia do Sul, haverá mudança dramática na situação geopolítica na Península Coreana.
Interessante: o China Daily do Partido Comunista da China noticiou hoje que o presidente Xi Jinping na condição de presidente da Comissão Militar Central reforçou, em reunião com os comandantes do Exército de Libertação Popular, a imperativa necessidade de se manterem todos em "prontidão para combate" (China Daily).
Tudo isso considerado, o que vem pela frente? Meu prognóstico: Pequim está ativamente promovendo conversações diretas entre EUA e Coreia do Norte sem nenhuma pré-condição, que devem acontecer em futuro próximo. Estará Trump bem perto de satisfazer seu desejo de comer um xisburguer com Kim, no McDonald – como disse certa vez? Bem-vindos à era Trump da política mundial.