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Diário Liberdade
Quarta, 03 Mai 2017 20:32 Última modificação em Sábado, 06 Mai 2017 20:48

Terminada a Greve Geral na Guiana Francesa, permanece o colonialismo

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País: França / Laboral/Economia, Direitos nacionais e imperialismo / Fonte: IELA

No último dia 21 chegou ao fim a Greve Geral na Guiana Francesa. O movimento que durou praticamente um mês e convulsionou o território em toda sua extensão, já entrou na História como a maior mobilização popular desse departamento ultramarino francês.

Além da greve que foi organizada pela central sindical União de Trabalhadores Guianeses (UTG), a mobilização incluiu manifestações populares e uma série de barricadas construídas em importantes rodovias, como a que leva ao Centro Espacial de Kourou, além do fechamento do acesso de portos e aeroportos.

A situação, inédita na história da Guiana Francesa, levou o presidente François Hollande a enviar a Ministra de Ultramar e o Ministro de Interior à Caiena, com objetivo de firmar um acordo e dar fim à greve. A proposta apresentada incialmente pelo governo foi amplamente rejeitada pela população e pelo Coletivo Pou Lagwiyann Dékolé, organização que acabou se formando durante as manifestações e que passou a aglutinar as reinvindicações populares.

As manifestações prosseguiram após a rejeição ao acordo inicial, e só foi possível o fim da greve geral mais de duas semanas depois, quando o governo francês recuou e apresentou uma nova proposta atendendo mais exigências da população. O novo acordo engloba os 1,1 milhões de euros apresentados inicialmente e que previam principalmente investimentos em segurança, educação e saúde, mas incluiu também um investimento suplementar de 2,1 milhões de euros. Além disso, o Estado se comprometeu a ceder 250.000 hectares de terra à Coletividade Territorial Guianesa, bem como 400.000 hectares às populações indígenas e aos bushinengués, comunidades similares aos quilombos brasileiros. Vale lembrar, que mais de 90% das terras da Guiana é de propriedade estatal francesa.

Eleições Presidenciais Francesas

Em meio a esse cenário político, o primeiro turno das eleições presidenciais francesas foi realizado no dia seguinte à assinatura do acordo. Ainda que a greve tenha chegado ao fim, as urnas refletiram um grande descontentamento da população franco-guianesa com o Estado metropolitano. Às 17:00 horas, somente 37,31% dos eleitores haviam votado, e em algumas comunas como Apatou, apenas 11% compareceram às urnas. Em 2012 a taxa de participação em todo território da Guiana Francesa havia sido de 57%.

Da mesma maneira, diferente do que se passou na França metropolitana, em que o primeiro lugar foi do banqueiro Emmanuel Macron, na Guiana venceu o candidato do Partido de Esquerda Jéan-Luc Mélenchon, com 24,7% dos votos, seguido de perto pela conservadora Marie Le Pen, com 24,3%.

O resultado não surpreende. Primeiro, claro, há um grande descontentamento popular que levou ao alto índice de abstenção. Mas, além disso, no território guianês existe uma série de conflitos sociais, em especial migratórios, desencadeados pela especificidade que a situação colonial traz à Guiana: ser um território da União Europeia encravado na América Latina. Assim, os votos conquistados por Le Pen vieram, para além da população branca, burguesa e pequeno-burguesa, de uma importante parcela dos trabalhadores que vê diretamente na migração a causa de seus problemas sociais, como o desemprego e a má qualidade dos serviços públicos. Já a escolha por Mélenchon engloba, além do descontentamento com o Partido Socialista (Do presidente François Hollande), uma visão de que a Guiana pode mais junto à França.

Durante a campanha, Mélenchon também demonstrou certa prepotência colonialista ao afirmar que “a fronteira mais longa da França é com o Brasil e não com a Alemanha”, em uma referência aos 730 km de fronteira entre o Brasil e a Guiana Francesa. Essa dificuldade em certos setores da esquerda europeia em entender a questão colonial não é de surpreender. Quando nos dirigimos à história francesa, por exemplo, salta aos olhos a posição equivocada do Partido Comunista Francês contra a luta pela independência na Argélia durante o século passado.

A luta de classes e o colonialismo

Ao longo dessas quatro semanas, os conflitos foram se acentuando, ao ponto de nos últimos dias de mobilização, se formar um coletivo contrário às barricadas. Composto, sobretudo por empresários, o coletivo Pou Lagwiyann Circulé, ainda que afirmasse ser, supostamente, a favor das reinvindicações populares, apresentou queixa à polícia contra as barricadas por obstrução da livre circulação. Da mesma maneira, na semana seguinte à assinatura do acordo, o monumento do Punho Erguido, que havia sido construído durante a marcha do dia 5 de Abril e se tornou símbolo das reinvindicações populares, foi incendiado.

O conflito não surpreende. As classes dominantes latino-americanas sempre foram os setores mais atrasados na reivindicação de qualquer tipo de identidade nacional. Nas palavras do argentino Jorge Abelardo Ramos, após os processos fragmentados de independência, “toda a América Latina havia se convertido num sistema assimétrico de vinte portos francos, de vinte abastecedores do mercado mundial”, cada um defendendo seus próprios interesses exportadores.

Em um território colonial como o da Guiana Francesa, as divergências entre as classes dominantes, aliadas aos interesses coloniais, e as classes subalternas são maiores ainda. É por isso que qualquer movimento nacional de país periférico que busque por mais autonômica haverá necessariamente que caminhar em direção à luta socialista.

Resta como lição de todo esse processo a consciência de que é urgente estancar as feridas coloniais que ainda permanecem na América Latina, caso da Guiana Francesa, das Malvinas e demais ilhas do Atlântico Sul, de Porto Rico, e de tantas outras pequenas ilhas do Caribe, bem como eliminar as cicatrizes deste processo: as fronteiras que ainda nos separam.

“A Nação Latino-Americana dividida em vinte fragmentos tenderá a se unir, a fim de emergir do estancamento e da impotência.”[1] E quem sabe assim, venhamos a formar o que Trotsky chamou de os Estados Unidos Socialistas da América Latina. Somente desta maneira, lutando por uma integração socialista continental, poderemos construir um novo mundo, em que não mais exista a exploração do homem pelo homem.

[1] Jorge Abelardo Ramos, em História da Nação Latino-Americana.

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