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Diário Liberdade
Domingo, 23 Julho 2017 16:23 Última modificação em Quinta, 27 Julho 2017 16:27

Direto do Oriente Médio: Escalada dos EUA é contra o Irã

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País: Irão / Direitos nacionais e imperialismo / Fonte: Vermelho

Enquanto avança rapidamente o movimento para empurrar o Estado Islâmico para fora dos últimos territórios ainda sob controle deles na Síria e no Iraque, forças dos EUA e aliados entrincheiraram-se na cidade de al-Tanaf, na fronteira sudeste da Síria, interrompendo assim uma importante rodovia que liga Damasco a Bagdá. Que interesses a mais teria os EUA nessa rodovia?

Derrotar o Estado Islâmico é o único objetivo militar declarado de Washington na Síria. Mas se é assim, o que fazem ali aquelas tropas dos EUA, bloqueando uma artéria vital que conecta dois estados árabes aliados na luta que eles também fazem contra o terrorismo?

“Nossa presença em al-Tanaf é temporária” – disse de Bagdá, pelo telefone, o coronel Ryan Dillon, porta-voz da Força-tarefa Conjunta Combinada da Operation Inherent Resolve (CTFO-OIR), a campanha que os EUA lideram contra o Estado Islâmico. – “Nossa principal razão lá é treinar forças parceiras daquela área para possíveis lutas contra o Estado Islâmico em outros pontos… e manter a segurança naquela região de fronteira.”
 
Dillon acrescenta, para enfatizar: “Nossa luta não é contra o regime (sírio)”
 
Mas desde 18 de maio, quando os EUA executaram ataques aéreos contra forças sírias e seus veículos que se aproximavam de al-Tanaf, as forças dos EUA já derrubaram dois drones sírios e atiraram várias vezes contra tropas sírias aliadas, em todos os casos alegando “autodefesa”. No mesmo período contudo não há qualquer sinal de que os militantes apoiados pelos EUA e que têm base em al-Tanaf tenham dado combate ao Estado Islâmico sequer uma vez.
 
Bouthaina Shaaban, conselheira política e midiática do presidente Bashar al-Assad da Síria, acha curiosa essa retórica: “Quando se pergunta a eles o que fazem no sul da Síria, dizem que estão lá para defender a ‘segurança nacional’ deles mesmos; em seguida, protestam contra movimentos do exército sírio – dentro da Síria?”
 
Ela tem razão. Nos termos da Lei internacional, qualquer presença militar estrangeira em território de estado soberano é ilegal, a menos que os estrangeiros tenham sido especificamente convidados pela legítima autoridade governante – nesse caso, se convidados pelo governo Assad, única autoridade síria reconhecida pelo Conselho de Segurança da ONU. Exércitos que não foram convidados tentam contornar a lei, alegando que a Síria “não pode ou não quer” combater contra o Estado Islâmico e a ameaça que representa à segurança internacional. Mas a conversa de “não quer ou não pode” é apenas uma teoria, não é lei; e desde que os russos entraram no teatro militar sírio para ostensivamente combater contra o Estado Islâmico ao lado dos sírios, todo aquele argumento definhou ainda mais.
 
O coronel Dillon reconhece que assim é, mas argumenta que o exército sírio “só recentemente apareceu na área. Se mostrarem que são capazes de combater e derrotar o Estado Islâmico, nesse caso não temos de ficar aqui, o que é menos trabalho para nós e será ótimo.”
 
Não se sabe é quem teria nomeado os EUA árbitros nessa questão e aplicadores dessa decisão. A luta da Síria contra o Estado Islâmico aumentou muito em intensidade nos meses recentes, desde que se estabeleceram quatro “zonas de desescalada” durante as negociações de maio em Astana, entre Rússia, Turquia e Irã. Acordos de reconciliação entre forças do governo sírio e alguns grupos militantes naquelas zonas – e a transferência de outros militantes para o governorado de Idlib no norte – têm gerado condições para que as forças aliadas da Síria consigam desligar-se relativamente das áreas estratégicas no oeste, para concentrar-se no combate ao Estado Islâmico no leste do país.
 
Relatório de abril de 2017, assinado por IHS Markit, principal fornecedor de informação de segurança e defesa do Reino Unido, registra que o Estado Islâmico atacou forças do governo sírio mais vezes que qualquer outro adversário nos últimos 12 meses. “Entre 1/4/2016 e 31/3/2017,” diz a organização, “43% de todos os ataques do EI dentro da Síria tomaram por alvo forças do presidente Assad; 17% contra as Forças Sírias Democráticas apoiadas pelos EUA; e os restantes 40% envolveram ataques a grupos sunitas de oposição rivais do Estado Islâmico – especialmente os que são parte da coalizão Escudo do Eufrates apoiada pela Turquia.”
 
Em outras palavras, durante o período em que as perdas territoriais do Estado Islâmico foram mais significativas, forças sírias deram combate ao Estado Islâmico com duas vezes mais frequência do que as forças apoiadas pelos EUA.
 
Uma cunha norte-americana, entre Síria e Iraque
 
Assim sendo, o que explicaria a presença continuada dos EUA em al-Tanaf, área onde o Estado Islâmico não atua e onde o exército sírio e aliados vêm fazendo enormes progressos contra militantes islamistas seus oponentes?
 
Se se examina o mapa, há, pode-se dizer, três principais cruzamentos rodoviários de grandes rodovias, de centros sírios para o Iraque. A rodovia de fronteira mais ao norte está atualmente sob controle de forças curdas apoiadas pelos EUA, que tentam criar um statelet chamadoCurdistão Ocidental.
 
A rodovia Homs-Bagdá no centro do mapa atravessa Deir ez-Zor, sitiada pelo Estado Islâmico onde mais de 120 mil civis estão sendo defendidos por cerca de 10 mil soldados sírios desde que o Estado Islâmico instalou-se em torno da cidade, em 2014. Embora esse ponto da fronteira com o Iraque esteja atualmente bloqueado pelo grupo terrorista, as forças sírias estão avançando rapidamente de oeste, norte e sul para retomar o controle da região.
 
A rodovia Damasco-Bagdá no sul do país, que forças aliadas dos sírios já recapturam em boa parte, poderia facilmente vir a ser a primeira rota não obstruída entre Síria e Iraque. Até que, claro, forças lideradas pelos EUA entrincheiraram-se em al-Tanaf e bloquearam a rodovia.
 
Desde que goraram completamente os planos para mudar o regime na Síria, os falcões da Av. Beltway [governo dos EUA em Washington] só fazem pregar uma suposta necessidade de dividir a Síria em pelo menos três zonas de influência – uma zona ‘tampão’, para proteger Israel e Jordânia ao sul; uma entidade curda pró-EUA ao longo do norte e nordeste; e controle sobre a fronteira sírio-iraquiana.
 
Mas os confrontos com forças sírias ao longo da estrada para al-Tanaf criaram agora uma ‘consequência não planejada’ para os planos para a fronteira, dos EUA. Tropas aliadas da Síria contornaram o problema de al-Tanaf já há algumas semanas, estabelecendo contato na fronteira com forças iraquianas ainda mais ao norte, e assim bloquearam o acesso de aliados dos EUA no sul. E forças da segurança do Iraque já chegaram ao ponto de passagem de fronteira em al-Waleed no lado iraquiano da fronteira, o que significa que as forças dos EUA estão agora presas entre iraquianos e sírios na estrada Damasco-Bagdá.
 
Quando sírios e iraquianos contornaram a área de al-Tanaf e rumaram para o norte para estabelecer contato na fronteira, foi criado em solo outro importante conjunto de fatos. A coalizão de forças dos EUA estão agora bloqueadas – pelo menos a partir do sul da Síria – impedidas de dar combate ao Estado Islâmico pelo nordeste. É golpe real contra os planos de Washington para bloquear fluxo direto pela fronteira sírio-iraquiana e marcar vitória ampla contra o Estado Islâmico. As forças sírias tendo tomado o rumo de Deir ez-Zor, a participação de forças apoiadas pelos EUA na batalha para libertar aquela área estratégica será agora limitada às Forças Democráticas Sírias dominadas pelos curdos a partir do norte, enquanto as forças sírias estabeleceram passagem segura a partir do norte, sul, oeste – e potencialmente também a partir do leste, com ajuda de forças iraquianas aliadas.
 
Por que Washington quer aquela fronteira?
Reestabelecer controle sírio sobre a rodovia que vai de Deir ez-Zor a Albu Kamal e al-Qaim é também uma prioridade para aliados da Síria no Irã. O Dr. Masoud Asadollahi, especialista em questões do Oriente Médio com sede em Damasco, explica: “A estrada que passa por Albu Kamal é a opção preferida do Irã – é caminho mais curto para Bagdá, mais seguro, e passa por áreas verdes, habitáveis. A rodovia M1 (Damasco-Bagdá) é mais perigosa para o Irã porque cruza pela província iraquiana de Anbar e áreas que são quase diretas.”
 
Se o objetivo dos EUA em al-Tanaf era bloquear a estrada do sul entre Síria e Iraque, cortando assim o acesso do Irã por terra às fronteiras da Palestina, os norte-americanos foram muito gravemente derrotados. Tropas sírias, iraquianas e tropas aliadas realmente prenderam as forças lideradas pelos EUA numa arapuca, num triângulo praticamente imprestável para o sul, e criaram novo triângulo (entre Palmyra, Deir ez-Zor e Albu Kamal) para a dita “batalha final” dos EUA contra o Estado Islâmico.
 
“Os norte-americanos sempre planejam para um único resultado e alcançam outro que não desejavam” – observa o novo enviado do Irã à Síria, embaixador Javad Turk Abadi.
Abadi e outros em Damasco permanecem otimistas de que rotas de fronteira há muito tempo fechadas aos estados regionais serão reabertos no curto prazo.
 
“Na era da Rota da Seda, a via entre Síria, Irã e Iraque sempre foi muito ativa – até que o colonialismo chegou à região” – explica Turk Abadi.
 
Assim como as grandes potências ocidentais sempre buscaram manter separadas Rússia e China, no Oriente Médio, a mesma doutrina do dividir para governar foi aplicada durante décadas, para manter uma cunha entre Síria e Iraque.
 
“Na história do último meio século, sempre houve impedimentos para que Síria e Iraque se aproximassem, para que coordenassem movimentos comuns. Quando Hafez al-Assad (ex-presidente da Síria) e Ahmed Hassan al-Bakr (ex-presidente do Iraque) quase chegaram a um acordo amplo, Saddam Hussein deu um golpe de estado e enforcou todos os funcionários que queriam aproximação com a Síria,” – diz Shaaban, que acaba de publicar um livro sobre os contatos entre Hafez Assad e o ex-secretário de Estado dos EUA Henry Kissinger.
 
Saddam então iniciou guerra que duraria oito anos contra a República Islâmica do Irã, e o Irã perdeu acesso por estrada através do Iraque – impedimento que durou mais de duas décadas. No início de 2003, tropas dos EUA invadiram o Iraque, depuseram Saddam e ocuparam o país pelos nove anos seguintes. Durante aquele tempo, aviões iranianos eram frequentemente obrigados a pousar para inspeções, instigados por forças dos EUA ocupantes interessadas em reduzir a transferência de armas e suprimentos, do Irã para o movimento Hezbollah da resistência libanesa e outros aliados.
 
Quando as tropas dos EUA saíram do Iraque no final de 2011, o conflito sírio já estava em andamento, completamente armado, financiado e apoiado por vários estados da OTAN e seus aliados do Golfo Persa.
 
“Com essas fronteiras reabertas”–, diz Asadollahi –, “será a primeira vez que o Irã terá uma via por terra para a Síria e a Palestina” –, embora haja quem lembre que os iranianos sempre encontraram caminhos para transportar bens sem serem detectados.
 
“Nosso exército está agora quase na fronteira, e os iraquianos já estão na fronteira pelo lado deles, e agora não vamos parar” – insiste Shaaban.
 
Forças sírias e iraquianas ainda não encurralaram as forças norte-americanas que operam em seus teatros militares nacionais. Ainda fala de uma escalada que pode talvez pôr os EUA contra a Rússia, poderoso aliado dos sírios, desenvolvimento perigoso, que pode precipitar uma guerra regional ou global.
 
Mas em Bagdá, o porta-voz da coalizão liderada pelos EUA coronel Dillon usou tom levemente mais nuançado que as ameaças mais beligerantes que se ouviram em Washington:
“Não estamos na Síria para confiscar terra. Se o regime sírio puder mostrar que pode derrotar o Estado Islâmico, ótimo para nós. A passagem de fronteira em Waleed é bom sinal, que mostra essas capacidades. Estamos abertos a proteger fronteiras dos dois lados, do lado sírio e do lado iraquiano. Não estamos lá com a intenção de bloquear coisa alguma, estamos lá para derrotar o Estado Islâmicoe treinar forças para fazer isso.”
 
Fato é que militantes treinados pelos EUA na guarnição em al-Tanaf não estão combatendo hoje contra o Estado Islâmico, e sofreram “derrota paralisante” em junho de 2016, quando pela última vez lançaram grande ofensiva contra o grupo terrorista, a 200 milhas de al-Tanaf.
 
Considerando-se a geografia, balanço de forças em campo e momentum, não é plausível que tropas dos EUA e ‘representantes’ deles na fronteira sírio-iraquiana ao sul consigam alcançar seus objetivos declarados. É chegada a hora de entregarem suas posições ao estado sírio e renderem-se.
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