Trata-se de mais uma pressão dos EUA no sentido de envolver os comparsas da Aliança numa guerra sem fim — já lá vão 16 anos — e que tem evoluído negativamente para as potências imperialistas, com ganhos territoriais para os Talibã e crescentes baixas entre as forças ocidentais. Antes do ataque ordenado por Bush em 2001, já James Carter tinha iniciado a intervenção norte-americana a pretexto da “invasão soviética”. Vale a pena conhecer a verdadeira história desta guerra que resumimos a partir de um artigo publicado pelo jornal comunista norte-americano Workers World.
Brzezinski e as mentiras sobre o Afeganistão (*)
Zbigniew Brzezinski, que morreu em Maio com 89 anos, foi o arquitecto-chefe da guerra conduzida pelos EUA no Afeganistão, como assessor de segurança nacional do presidente Carter. Quando se tornou público que a CIA havia criado um exército clandestino no Afeganistão, a história contada pelo governo dos Estados Unidos era de que estava a ajudar o povo afegão a resistir a uma invasão soviética. Isto tornou-se a razão para uma guerra cada vez mais sangrenta e cara que acabou por derrubar o governo progressista do Afeganistão.
Mas o próprio Brzezinski vangloriou-se, mais tarde, do facto de a operação da CIA ter começado seis meses antes de a URSS ter envido tropas para o Afeganistão. Na verdade, a intervenção soviética não era uma “invasão” — foi o governo afegão que pediu à URSS ajuda para se defender contra a guerra secreta da CIA.
Brzezinski revelou a verdade ao jornal francês Le Nouvel Observateur, em 1998: “De acordo com a versão oficial da história, a ajuda da CIA aos Mujaedin começou em 1980, ou seja, depois de o exército soviético ter invadido o Afeganistão em 24 de Dezembro de 1979. Mas a realidade, secretamente guardada até agora, é completamente diferente. Na verdade, foi a 3 de Julho de 1979 que o presidente Carter assinou a primeira directiva para ajuda secreta aos opositores do regime pró-soviético em Cabul. Nesse mesmo dia, escrevi uma nota ao presidente em que expliquei que na minha opinião esta ajuda iria induzir uma intervenção militar soviética.”
Questionado pelo entrevistador se agora se arrependia de algo, Brzezinski respondeu: “Arrepender porquê? Essa operação secreta foi uma excelente ideia. Ela teve o efeito de atrair os russos para a armadilha afegã e você quer que eu me arrependa? “(Le Nouvel Observateur, 15-21 Janeiro 1998)
O diretor da CIA Robert Gates também já tinha revelado o momento da operação secreta da CIA num livro publicado em 1996. Gates, escreveu: “A administração Carter começou a estudar a possibilidade de ajuda secreta aos insurgentes que se opunham ao governo marxista pró-soviético do presidente Taraki no início de 1979. Em 5 de Março de 1979, a CIA enviou ao Comité de Coordenação Especial (SCC) várias opções de acção secreta no Afeganistão. A reunião do SCC foi finalmente realizada a 3 de Julho de 1979, quase seis meses antes de os soviéticos invadiram o Afeganistão, e Jimmy Carter assinou então o primeiro documento para ajudar os Mujaedin secretamente”.
Apesar destas confissões de altos funcionários do governo, os média dos EUA continuam a afirmar que os EUA instalaram, armaram e treinaram os Mujaedin para combater a “invasão” Soviética. Quais foram as razões reais para os EUA gastarem milhares de milhões de dólares e destruirem metade do país, num esforço para derrubar o governo do Afeganistão?
É o próprio Departamento de Defesa dos Estados Unidos que o explica. O Departamento de Defesa dos Estados Unidos publica “Estudos de País” — sobre países de todo o mundo — com informações úteis para os funcionários americanos enviados ao exterior. Tais informações podem ser mais verdadeiras do que a propaganda de outras agências do governo, porque os funcionários que usam esses livros precisam de saber as reais condições dos países para onde são enviados.
No caso de “Afeganistão – um estudo”, publicado em 1986, há admissões surpreendentes que vão contra a narrativa criada pelo governo acerca do Afeganistão. Por exemplo, esse estudo diz que “quando o PDPA [Partido Democrático Progressista do Afeganistão (**)] tomou o poder, rapidamente tratou de eliminar as desigualdades na propriedade da terra e a usura.” Acrescenta que o PDPA também cancelou dívidas hipotecárias de trabalhadores agrícolas, arrendatários e pequenos agricultores; estabeleceu extensos programas de alfabetização, especialmente para as mulheres, e livros impressos em muitas línguas faladas em diferentes partes do Afeganistão.
Diz ainda o manual do Pentágono: “O governo treinou muitos professores, construiu escolas e jardins de infância e creches para órfãos.” Entre os primeiros decretos da revolução o dote da noiva foi proibido e foi concedida às mulheres a liberdade de escolha no casamento.
Isto deve ser lembrado hoje, quando a máquina de propaganda tenta embelezar a longa guerra imperialista no Afeganistão como uma intervenção em que uma das principais prioridades de Washington seria defender os direitos das mulheres.
Quando em 1978 Brzezinski e Carter lançaram a guerra contra a revolução afegã, sabiam portanto que atacavam um regime progressista que tentava tirar o país, muito subdesenvolvido, da opressão feudal. Isso não os impediu de armar e financiar uma contra-revolução.
Alguns anos depois, os “contras” — armados, treinados e financiados pela CIA — estavam a assassinar jovens professores idealistas, mulheres e homens, que tinham ido para o campo alfabetizar a população.
Um desses “contras” era Osama bin Laden. Sob o pretexto de defender a “liberdade de religião”, os EUA minaram o governo secular do PDPA, criando um exército que se opôs às reformas progressistas em nome da luta por um Estado islâmico.
(*) A partir de Workers World, artigo de Deirdre Griswold, 13 Junho 2017
(**) O PDPA foi formado em 1965. Assumiu o poder na sequência da Revolução Saur, em Abril de 1978, depondo o regime pró-americano de Daud Khan e estabelecendo a República Democrática do Afeganistão. O seu programa anti-feudal defendia a reforma agrária e o cancelamento das dívidas dos agricultores. Reconhecia os direitos democráticos das mulheres, incluindo o fim do dote. E previa o estabelecimento de sistemas públicos de educação e saúde.