Ele é a favor da Palestina em detrimento de Israel e escolheu não fazer sanções ao Qatar como a Arábia Saudita. Vale pensar se suas posições ideológicas podem levar a um conflito com Washington.
O Irã possui uma dolorosa história de relações com a Casa Branca. Até o ano de 1979, quando se deu a Revolução Islâmica em território persa, o Irã tinha sido uma nação bem pró-ocidental que desfrutava de boas relações com o mundo, embora este fosse tão diferente (devido aos valores ocidentais de democracia e religião cristã). Porém, com a mudança do regime (de uma monarquia autocrática para uma república islâmica teocrática) começou um contexto de antiamericanismo extremamente forte, o que agravou bruscamente todos os laços existentes no momento entre os países ocidentais e a república islâmica.
O ponto sem retorno nas relações bilaterais foi marcado pela inédita captura de 62 reféns por ativistas universitários iranianos na embaixada americana em Teerã. A partir deste momento, a economia persa passou a experimentar toda uma série de sanções rigorosas, na sequência dos quais o país perdeu 50% das suas receitas petrolíferas.
Teerã — uma dor de cabeça permanente para EUA
Seria justo dizer que o Irã é um país cuja compostura, ao longo de décadas, tem gerado a maior irritação por parte da Casa Branca. Há muitos pontos na agenda que põem a nu as discordâncias críticas entre os dois países e, o que é o mais importante, o país persa não se apressa a fazer concessões, defendendo sua soberania, enquanto Washington não consegue desmentir que acredita ter o direito de “velar pela ordem” no Oriente Médio.
Sem dúvida, essa postura forte e de defesa da soberania desafia a Casa Branca. Por exemplo, esta não para de acusar Teerã de ser um dos principais (e para a administração Trump, o maior de todos) "patrocinadores de terrorismo". Como motivo, Washington apresenta o fato das autoridades persas apoiarem o movimento libanês de origem xiita Hezbollah que, por sua vez, está combatendo ao lado das tropas governamentais de Bashar Assad na Síria. Isso não satisfaz o governo norte-americano que é a favor da queda de Assad.
Além disso, Teerã presta assistência aos rebeldes houthis no Iêmen, e contra eles, luta um aliado americano de longa data — a Arábia Saudita. Recentemente, o país persa voltou a manifestar sua posição independente e a agitar os nervos do establishment americano na crise diplomática com o Qatar, se recusando a aderir ao bloqueio declarado pelos sauditas. Outro fator fulcral é a atitude bem agressiva dos iranianos para com Israel, aliado dos EUA, e que oprime os palestinos (que o Irã defende).
Em outras palavras, Teerã parece ser aquele ator que desafia todos os planos da Casa Branca relacionados com o Oriente Médio e, o que a preocupa ainda mais, tem bastante potencial para isso, ao contrário dos outros países debilitados pelas brigas internas.
Mas o ponto mais doloroso nas relações entre Washington e Teerã está focado, de fato, em um outro elemento — seu potencial nuclear.
Vale destacar que em meados no século passado, quando as jazidas de minerais necessários para a produção da energia atômica foram pela primeira vez descobertas no território persa, a Casa Branca não hesitou muito em colaborar com o regime do xá Pahlavi, efetuando trocas de especialistas, tecnologias e projetos.
Porém, com a queda da monarquia autocrática e a chegada da república islâmica teocrática, sendo esta mais inclinada a alcançar uma certa autossuficiência e independência no seu desenvolvimento interno, o país persa passou a ser cada vez mais estigmatizado pelo Ocidente. Quando os EUA tinha como presidente George Bush, o Irã inclusive foi qualificado como um dos países do "eixo do mal".
Doloroso processo de reconciliação que está retrocedendo
Vale frisar que, desde o início dos projetos atômicos no território persa, o país sempre realçou que estes serviam apenas para fins pacíficos. Entretanto, o longo e espinhoso processo de conversações, inclusive entre a Agência Internacional de Energia Atômica e as autoridades iranianas, enfrentava inúmeros obstáculos colocados por ambas as partes — quando Teerã já estava pronto para fazer concessões e apresentava suas condições, o Ocidente as qualificava como inaceitáveis, e vice-versa.
Foi isso que sucedeu, por exemplo, à iniciativa do Kremlin em 2005, quando as autoridades iranianas acordaram em transferir sua produção para o território russo. Contudo, algo neste acordo não agradou ao Ocidente e ele, consequentemente, foi descartado.
É interessante analisar também que, entre os mediadores no âmbito da crise iraniana nos anos 2000 figurava também o Brasil. Na época, o presidente Lula fez com que a projeção internacional do Brasil fosse a maior já vista e dinamizou consideravelmente sua política externa, inclusive no Oriente Médio e, após condenar criticamente a invasão americana no Iraque, se mostrou como pacificador nas negociações entre a então administração iraniana de Mahmoud Ahmadinejad e os países do Ocidente.
O Brasil, que sempre se mostrou neutro nos assuntos internacionais tomou uma postura bem resoluta em uma questão tão ambígua, mas conseguiu fazer com que o presidente iraniano tivesse o desejo de construir uma nova "ordem mundial" em parceria com o Brasil e o apoiou na busca de um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. O problema foi que isso fez explodir a imprensa internacional. Os jornais de todo o mundo estavam cheios de fotos consideradas impróprias de Lula apertando a mão do homem que era chamado de ditador, e assim o conflito permaneceu sem acordo.
O sucesso só chegou mais tarde e foi atribuído à administração do antigo presidente dos EUA, Barack Obama. Para muitos, o fato dele conseguir fazer com que o Irã aceitasse as condições do Ocidente em troca de um levantamento parcial de sanções foi a maior vitória diplomática da Casa Branca nas últimas décadas.
Novo conflito à vista?
Porém, a reconciliação não era para durar. Logo depois de chegar ao poder, o novo presidente Trump qualificou o acordo sobre o programa nuclear iraniano como "o pior na história" e se apressou a aplicar uma retórica bem agressiva em relação ao país persa, o ameaçando com "retribuição" e revisão do acordo. Além disso, em 2 de julho o líder americano assinou um projeto de lei que impõe sanções adicionais ao Irã, o que, evidentemente, não se encaixa muito na linha anteriormente traçada.
Para alguns analistas, estes passos do presidente republicano apresentam sua inalienável inclinação para "desmantelar" tudo o que a administração anterior fez, dado que a mesma situação é evidenciada no âmbito da saúde pública, com o programa Obamacare. Além disso, Trump experimenta uma queda brusca na popularidade, o que o obriga a encontrar novas estratégias para ganhar terreno, especialmente fora, pois, como se sabe, isto sempre ajuda a distrair a opinião pública dos problemas internos.
Deste modo, a Casa Branca "escolhe" inimigos por todo o mundo, inclusive para justificar seu enorme orçamento para necessidades de defesa. E, nesta lista, parece que o Irã é o inimigo mais "conveniente". Se falarmos da Rússia, esta variante deixa com cabelos em pé qualquer político americano, pois é evidente que um tal conflito poderia acarretar consequências desastrosas. Quanto à Coreia do Norte, esta também pode representar uma certa ameaça, e os "falcões" americanos têm plena consciência disso. No que se trata do Irã, este não tem capacidade para atacar Washington de nenhuma maneira e, ao mesmo tempo, lhe dá um monte de pretextos para a confrontação, pelo menos verbal.
Por enquanto, toda a atenção do mundo está focada na península coreana. Ao mesmo tempo, os incidentes com participação de navios iranianos e americanos continuam acontecendo no golfo Pérsico. No meio da "histeria" ocidental quanto ao regime de Kim Jong-un, é difícil dizer se Teerã voltará a ser o "inimigo número um" para a Casa Branca. Porém, se pode afirmar que esta tem toda a hipótese de arruinar aquilo que, ainda em 2015, foi alcançado com tanto esforço e empenho e fazer rebentar mais um "barril de pólvora" no Oriente Médio.
Do Vermelho com o Sputnik