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Diário Liberdade
Quarta, 09 Agosto 2017 13:46 Última modificação em Terça, 29 Agosto 2017 13:44

John Bellamy Foster: "A ruptura metabólica de Marx foi a primeira análise a delinear uma visão global da crise ecológica sistêmica"

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/ Consumo e meio natural / Fonte: Left Voice

[Tradução de Pamela Penha] As mudanças climáticas estão fora do controle. Já é muito tarde para evitar o aumento da temperatura, a escassez da água e, os climas extremos. Mas a estrutura financeira do capitalismo está presa aos combustíveis fósseis.

As soluções baseadas no mercado são ineficazes. John Bellamy Foster, professor de Sociologia na Universidade de Oregon e editor do Monthly Review, falou ao Left Voice sobre o tipo de programa necessário para acabar com essa catástrofe.

Left Voice é um portal militante de notícias, presente nos Estados Unidos e integrante rede internacional Esquerda Diário. Entrevista realizada por Juan Cruz Ferre para a revista Left Voice que pode ser adquirida no site.

Left Voice(LV): Há evidências esmagadoras que demonstram como as mudanças climáticas antropogênicas estão fora de controle e levará a uma catástrofe ambiental global – sem uma grande revisão na produção de energia. Em fevereiro de 2017 na Monthly Review, você apontou que, embora fomos apresentados à estimativas precisas e incontestáveis, instituições cientificas não chegaram à soluções eficazes. Por que você acha que este é o caso?

John Bellamy Foster(JBF): Nós estamos em uma situação emergencial na época Antropocênica em que a interrupção do sistema da Terra, particularmente o clima, está ameaçando o planeta como um lugar de habitação humana. No entanto, nosso sistema político econômico, o capitalismo, é primariamente orientado para a acumulação do capital, o que nos impede de abordar esse desafio enorme e acelera a destruição. Cientistas naturais têm feito excelentes e encorajadores trabalhos para alarmar sobre o enorme perigo da continuidade do negócio como um costume no que diz respeito a emissão de gás carbônico e outros limites. Mas os setores majoritários da ciência social como existe hoje tem quase completamente interiorizado a ideologia capitalista; tanto assim que cientistas sociais convencionais são completamente incapazes de abordar o problema em escala e termos históricos necessários. Eles estão acostumados à visão de que a sociedade há muito tempo “conquistou” a natureza e que a ciência social preocupa-se apenas com as relações entre as pessoas, nunca com a relação pessoas-natureza. Isto alimenta uma negação de onde estão os problemas do sistema terrestre. Esses cientistas de renome abordam frequentemente as questões ambientais como se estivéssemos lidando com condições bastante normais, e não com um planeta em emergência. Não pode haver resposta gradual e “ecomodernista” aos problemas ecológicos que enfrentamos, porque olhando para o efeito humano no planeta, não existe nada gradual sobre isso; é uma grande Aceleração e uma fenda no sistema da Terra. O problema está aumentando exponencialmente, piora mais rápido do que podemos imaginar, já que nós estamos em meio a um processo que atravessa todos os limites críticos e enfrentando um número desconcertante de pontos de inflexões.

LV: Se a conversão para energia renovável poderia parar ou reverter a marcha da crise ambiental, por que não estamos nos movendo nessa direção no ritmo certo?

JBF: A resposta curta é “lucro”. A resposta longa é algo como: há duas grandes barreiras; (1) os interesses investidos que estão ligados ao complexo financeiro dos combustíveis fósseis. (2) Maior taxa de rentabilidade na economia a ser obtida da economia de combustível fóssil. Não é apenas uma questão do retorno da energia em investimento da energia. A estrutura dos combustíveis fósseis já existe, dando aos combustíveis fósseis uma vantagem decisiva em termos de rentabilidade e capital acumulado sobre a energia alternativa. Qualquer sistema de energia alternativa requer que uma nova infraestrutura energética seja construída praticamente do zero antes de poder realmente competir. Há também maiores subsídios para os combustíveis fósseis. Na contabilidade capitalista, esses combustíveis representam um tipo de “presente gratuito” da natureza para o capital, mais do que o poder do Sol. A estrutura financeira, incluindo os maiores bancos e Wall Street são muito bem conectados com a economia dos combustíveis fósseis. As reservas de combustível fóssil abaixo do solo representam trilhões de dólares em ativos que já têm um efeito real na economia de hoje, no sentido de que aparecem nos livros financeiros das corporações – se queimarem todas essas reservas, quebraria as metas climáticas em 5 ou 6 vezes, nos levando ao clima do inferno. Mas esses 3 trilhões de dólares em ativos associados com as reservas de combustíveis fósseis simplesmente desapareceriam se esses combustíveis cessassem. Não há equivalência no que diz respeito a energia solar ou do eólica em termos de ativos. Meu colega, Richard York, um dos líderes mundiais em sociologia ambiental, demonstrou empiricamente no artigo Nature Climate Change que neste momento a energia alternativa é ainda tratada como um suplemento ao invés de uma substituta aos combustíveis fósseis no setor de energia, como atualmente constituída. O rápido crescimento da energia alternativa não deve ser, entretanto, visto como uma mudança radical em relação aos combustíveis fósseis. Isso ainda precisa ocorrer.

LV: Você tem argumentado que a expansão do capital financeiro, os padrões da estagnação econômica, junto ao declínio da hegemonia do EUA são causas subjacentes do impacto no meio ambiente. Você pode elaborar mais?

JBF: Do ponto de vista dos chamados “mestres do universo” – hoje seis homens ( a poucos meses atrás eram oito) que possuem riqueza maior que metade da população mundial somada – que cada vez mais comandam a economia mundial, o problema central do presente não é a mudança climática, mas a estagnação da economia mundial. Essa estagnação é mais profunda nas economias capitalistas avançadas. A economia dos EUA cresceu 1,6% no ano passado e tem experimentado a mais de uma década crescimento abaixo dos 3% pela primeira vez na história. A taxa de crescimento da Europa na última década foi 1,7%. Compare isso com a taxa de crescimento de 1,3% nos Estados Unidos na década da grande depressão de 1929-1939. Capital financeiro monopolista, como nós temos argumentado por décadas na Monthly Review, tem uma forte tendência à sobreacumulação e estagnação. O que principalmente levantou a economia na década de 1980 e 90 foi a financeirização (o crescimento do capital financeiro em relação à produção e as bolhas financeiras). Com a financeirização não sendo mais capaz de estimular a economia na mesma extensão do período desde a grande crise financeira, a estagnação se estabeleceu indefinidmente. Isto, na realidade, foi a tese de dois livros que eu escrevi junto a outros - The Great Financial Crisis (com Fred Magdoff) em 2009 e The Endless Crisis (com Robert W. McChesney) em
2012.

Tudo hoje é voltado para fazer a economia andar novamente. É verdade que a estagnação de certa forma ajuda a economia, uma vez que o crescimento econômico coloca mais pressão sobre o meio ambiente, aumenta as emissões de dióxido de carbono, etc. Como York empiricamente demonstrou, o sistema não reduz emissões climáticas na mesma taxa que a economia desce, como aumenta quando a economia sobe.

Além disso, o foco de todas as economias capitalistas avançadas sobre o crescimento econômico, acima de tudo, deixou toda a questão do planeta para um lado marginalizado. Consequentemente, há um novo impulso para remover os regulamentos ambientais para impulsionar a economia. Estamos em um trem fugitivo sobre o precipício climático enquanto acumulamos o motor com mais carvão para aumentar sua velocidade.

LV: O Acordo Climático de Paris foi aclamado como o legada ambiental de Obama. Quão efetivo é como uma ferramenta para prevenir e reverter o avanço da catástrofe ambiental?

JBF: É perfeitamente ineficaz, requer acordos voluntários. No melhor, representa simplesmente as boas intenções dos governantes mundiais. O plano voluntário e individual dos países nos levaria quase todos ao caminho de um aumento de até 4ºC, que poderia marcar o fim da civilização, na avaliação de muitos cientistas. A proposta norte-americana foi baseada no Plano de Energia Limpa de Obama, que foi muito pouco e muito tarde e ainda confiou em mecanismos de mercado que não fariam o trabalho. Está agora sendo desmantelado pelo governo Trump. Com Washington abandonando o Acordo de Paris há o perigo de que tudo irá desmoronar. O elemento mais interessante no Acordo de Paris de um ponto de vista do movimento climático foi o reconhecimento formal de ficar abaixo de um aumento de 1,5º C na temperatura global como um objetivo. Mas quase todo o restante do acordo contradizia isso. E nós já vimos um aumento de 1,2º ou mais em um futuro próximo. Claro, agora que Trump está deixando de lado o Plano de Energia Limpa de Obama, estamos aprendendo a diferença entre medidas que simplesmente são insuficientes mas não cortam a possibilidade de ainda melhorarem nossas ações para conter a mudança climática, e políticas que na realidade irá nos levar ao retrocesso e ameaçar eliminar todos, o que James Hansen chamou de “a última chance para a humanidade”.

LV: Quanto podemos afetar as mudanças climáticas através de escolhas em nosso consumo e cotidiano (compostagem, reciclagem, economia de água)

JBF: Infelizmente, nós não temos muito efeito dessa maneira - além de um massivo movimento nacional para conservar, o que exigiria a mobilização de toda a população e teria que fazer parte de uma tentativa de alterar a produção também. Isto é, uma estratégia baseada no consumo normal, simplesmente enraizada na ação individual, é incapaz de resolver o problema ou de se mover rapidamente suficiente. Para se ter uma ideia das dimensões do problema, se alguém fosse eliminar todos os resíduos municipais que saíam de todas as famílias nos Estados Unidos, apenas cortariam o total de resíduos materiais na sociedade em cerca de 3%. O resto está nas mãos das corporações. Isto não é para dizer que nós não devemos fazer as coisas que você mencionou. Se não somos capazes de fazer mudanças como indivíduos e em nossa cultura, na forma como nos relacionamos com a Terra, não seremos capazes de fazer todas as mudanças na sociedade que necesssitamos. Remover os desperdícios e tomar responsabilidades pelos danos que infligimos na natureza em nosso dia-a-dia é essencial. Quando você usa um garfo de plástico feito no outro lado do mundo e depois come sua salada e joga fora junto com a embalagem no lixo (depois de, talvez, alguns minutos de uso), assim que um garfo idêntico tem que ser produzido com petroquímicos e enviado do outro lado do planeta para a sua próxima refeição, você está definitivamente alimentando um destrutivo e esbanjador sistema – que cresce por meio da destruição e do desperdício. Mas é conhecido há muito que a “soberania do consumidor” é um mito. Para fazer mudanças fundamentais na economia de commodities é necessário ter poder sobre a produção.

Uma coisa que nós podemos fazer se realmente formos sérios é ir atrás de mais de 1 trilhão de dólares gastos em um ano nos EUA com marketing, por exemplo, segmentação, pesquisa de motivação, desenvolvimento de produtos, embalagem, promoção de vendas, publicidade, marketing direto, etc., persuadindo a população a comprar coisas que realmente não querem ou precisam. Mas para abordar o marketing, também exigiria uma resposta política. Marx já disse que os trabalhadores (e isso talvez vale para os consumidores ainda mais) estão, em sua ação puramente econômica em uma sociedade capitalista, sempre do lado mais fraco, e, portanto, eles precisam se organizar politicamente.

LV: David Harvey, Naomi Klein, você e tantos outros compartilham da ideia que ou é o capitalismo ou o planeta. Explique mais.

JBF: Sim, há um crescente reconhecimento da esquerda do fato de que a humanidade agora está sujando seu próprio ninho no nível planetário. Os socialistas muitas vezes não conseguiram levar os problemas ecológicos a sério o suficiente. Entretanto, não é culpa apenas dos socialistas, como a falha aplica-se ainda mais à tradição liberal tomada como um todo. Mas independente do que escolhermos dizer sobre o socialismo no século 20, deve se enfatizado que ninguém pode ser realmente socialista e de fato marxista no século 21 e falhar no conhecimento de toda a gravidade da crise ecológica do planeta. Estamos na vanguarda da luta para proteger a Terra como um lugar de habitação humana(e como uma casa para inúmeras espécies) ou estamos do lado do criativo sistema de extermínio do planeta Terra tal como o conhecemos até hoje.

Você está certo em destacar o que Naomi Klein diz a este respeito, já que ela fez um grande mais do que ninguém fora da comunidade científica, para soar o alarme. Ela é, na minha opinião, a principal ativista e intelectual no movimento climático radical nos Estados Unidos e no Canadá. Ao contrário da figura de Bill McKibben, ela não evita a discussão de onde o “cão está enterrado”. O subtítulo de seu livro This Changes Everything (Isto muda tudo, tradução livre) é explicito: é uma questão do Capitalismo x Clima. Ela é aliada ao ecosocialismo, que é o mais importante pensamento do novo desenvolvimento no socialismo e na ecologia, e no movimento ambiental. Um bom exemplo é o livro de Ian Angus, Facing the Anthropocene: Fossil Capitalism and the Crisis of the Earth System (Enfrentando o Antropoceno - capitalismo fóssil e a crise no sistema da Terra, tradução livre) publicado no ano passado.

Quanto as minhas contribuições à esta questão, eu escrevi algumas coisas sobre o assunto, como The Vulnerable Planet, Ecology Against Capitalism e (com Brett Clark e Richard York) The Ecological Rift: Capitalism’s War on the Planet. O tema é claro. O capitalismo é um sistema voltado a acumulação ilimitado do capital e crescimento econômico exponencial. Portanto, ele aumenta constantemente em escala. Com uma taxa de crescimento de 3 por cento, a economia aumentaria dezesseis vezes em um século, 250 vezes em dois séculos e 4000 vezes em três séculos. Enquanto a capacidade do planeta em relação ao que chamamos de torneira (o fim do recurso) e a pia (fim do desperdício) permaneceria essencialmente o mesmo. A realidade dos limites ecológicos e a pressão que a economia coloca sobre eles não podem, portanto, ser negadas. Claro, o problema é muito mais grave do que o indicado acima. Mais importante é o fato do capitalismo impor suas leis ao meio ambiente independentemente dos ciclos biogeoquímicos do planeta e de seu metabolismo, de modo que cria fendas ou rupturas nos ciclos biogeoquímicos da Terra, interrompendo as relações do ecossistema de maneiras que transcendem os meros efeitos de escala do crescimento econômico. É o problema da ruptura metabólica o nosso desafio mais profundo. A sustentabilidade é cada vez mais comprometida em níveis cada vez maiores - uma ameaça continuamente acelerada para a civilização e a própria vida.

A teoria de Marx da ruptura metabólica, ou a “ruptura irreparável no processo interdependente do metabolismo social” foi a primeira análise a delinear uma visão globalmente abrangente nas ciências sociais da crise ecológica sistêmica, abrangendo a sociedade, a natureza e suas inter-relações dialéticas, e conectando isso à produção. Na verdade, tão poderosos foram esses pensamentos, que eles são cruciais para a forma como vemos a crise do sistema terrestre hoje. Isso é evidente em um artigo de março de 2017 da Nature, uma das principais revistas científicas, que explicitamente se baseiam no conceito de Marx, citando o Capital.

Quando falamos hoje sobre o Antropoceno desde uma perspectiva científica, reconhecemos explicitamente que a Grande Aceleração no impacto humano no planeta desde 1945 criou uma ruptura antropogênica no sistema terrestre, dividindo para sempre o atual estágio ecológico, dos estágios anteriores da história (tanto do ponto de vista geológico quanto humano). Essa ruptura na relação humana com o planeta já é catastrófica e logo poderá atingir o ponto de não retorno (se aumentarmos as temperaturas médias globais em 2ºC), levando a grandes catástrofes e a ameaçando a humanidade.

LV: Se você tivesse que imaginar, você acha que a humanidade será capaz de parar essa loucura da poluição antes que seja tarde demais? Ou você acha mais fácil imaginar um futuro distópico com água escassa, fumaças tóxicas e altíssimas temperaturas?

JBF: Nós já estamos enfrentando o crescimento de catástrofes devido à mudança climática. É muito tarde para evitar altas temperaturas, água escassa e condições climáticas extremas. Esse navio de muitas maneiras já navegou nessas águas. A terra será muito menos hospitaleira para o ser humano no futuro. O que estamos tentando evitar neste momento é outra coisa: como James Hanse disse, e como eu cito em meu artigo “Trump e catástrofe climática”: uma situação dinâmica que está fora do controle (humano)” nos impulsiona a temperaturas globais de 4ºC ou ainda mais altas, o que ameaçará a existência da civilização humana. Ainda pior, apontaria para a possível extinção de nossa espécie. Nesse sentido, as visões distópicas não conseguem entender a gravidade da ameaça, que é maior do que a novela mais distópica que poderia projetar - afinal, uma novela distópica deve ter pelo menos um humano que permaneça, ao menos temporariamente. Nós temos que imaginar um e uma grande morte na terra (os cientistas agora estão dizendo que poderíamos perder metade de todas as espécies vivas neste século na Sexta Extinção) e um mundo, se projetarmos o suficiente para o futuro, possivelmente despojado de Seres humanos - talvez até o que Hansen chama de "Síndrome de Venus". Mas muito antes disso, veremos centenas de milhões, bilhões, de pessoas afetadas de maneira desastrosa. Isto é o que a ciência está nos dizendo. Tudo o que temos a fazer para destruir o planeta como um lugar de habitação humana é continuar como estamos atualmente com os negócios capitalistas como de costume.

Ainda é possível evitar isso - ou os efeitos mais catastróficos, como o nível do mar subindo não aos milímetros, mas aos centímetros, a morte da Amazônia, a morte da maioria da vida oceânica, etc. Mas exigiria uma mudança ecológica revolucionária no sistema de produção, ou seja, no metabolismo entre seres humanos e a Terra. Precisamos reduzir as emissões de carbono, diz Hansen, cerca de 5% ao ano em todo o planeta, começando em apenas alguns anos, o que significa que os países ricos têm que reduzir o deles por algo como dois dígitos. E, além disso, temos que encontrar uma maneira de remover gigantescas quantidades de carbono, talvez até 150 gigatoneladas, da atmosfera - o problema das emissões negativas - se ainda quisermos estabilizar o clima a uma média global de 1,5 ° temperatura. (para evitar superar a barreira dos 2º exigiria uma redução anual de 3% em emissões de carbono anual). Tudo pode ser feito com os meios disponíveis, incluindo energias alternativas, mudanças socio-estruturais e conservação, mas exigiria um importante movimento da humanidade e teríamos que opor-nos à lógica não só da economia de combustível fóssil, mas também do próprio capitalismo. Como Kevin Anderson do Instituto Tyndall para as Mudanças Climáticas no Reino Unido nos diz, teríamos que ir contra "a hegemonia econômica política".
Em tais situações, o otimismo ou o pessimismo não são o ponto. O que precisamos é coragem e determinação para enfrentar chances aparentemente insuperáveis. O que temos que fazer não é tão difícil, se apenas analisarmos as medidas ecológicas diretas que precisamos tomar. O que faz parecer um problema insuperável é a monstruosidade da sociedade capitalista global.

LV: Hoje, como as negações sobre as mudanças climáticas na Casa Branca e no Ministério do Meio Ambiente, você acha que basta explicar essa necessidade de combater o capitalismo para evitar mudanças climáticas? Quais são as perspectivas de ampliar a luta pelo planeta?

JBF: Com Trump, o neofascismo entrou na Casa Branca - seu objetivo é uma maneira diferente de administrar a economia capitalista. É uma ruptura com o neoliberalismo e, ao mesmo tempo, seu sucessor à direita - um sinal da profunda crise de nossos tempos. Não só a administração representa a negação sobre a questão climática, como declarou os ambientalistas como inimigos do povo, mas também ameaça minar a democracia liberal e está atacando os oprimidos: os imigrantes, as mulheres, as LGBTQ, os ambientalistas e os trabalhadores.

O movimento de resistência a isso, portanto, precisa ser uma defesa da própria humanidade em todos os seus aspectos. Se podemos combinar no que Harvey chama de um movimento co-revolucionário voltado para as necessidades da reprodução social e do desenvolvimento humano sustentável, com a luta para salvar a Terra como um lugar de habitação humana, então podemos chegar a algum lugar. Mas isso deve ser um movimento gigante, tem que se unir aos trabalhadores em todo o mundo, tem que se opor ao imperialismo e à guerra. Todas essas coisas estão conectadas. O movimento do clima é central no sentido da triagem, mas só podemos chegar em algum lugar se lutarmos em todas as frentes, ou torná-lo uma grande frente. O modelo é talvez o movimento de justiça ambiental em todo o mundo, e o que Naomi Klein chama de "Blockadia" para as barricadas do nosso tempo. Eu argumento que depende do surgimento de um proletariado ambiental (mais visível hoje no sul do planeta), onde é reconhecido que nossas lutas materiais sobre o meio ambiente em que vivemos, respiramos e trabalhamos são realmente as mesmas. Devemos reconhecer quem são as maiores corporações de combustíveis fósseis do mundo que emitem mais dióxido de carbono do que os Estados Unidos, que representam 15% do total mundial. Precisamos nos concentrar no capital e nas corporações.

LV: A luta contra o gasoduto Dakota recebeu amplo apoio de todo o país, inclusive de povos indígenas fora dos EUA. Embora o conflito ainda esteja aberto e a administração Trump se prepara para continuar a ofensiva novamente, uma grande batalha foi conquistada em dezembro. Que lições podemos aprender com a luta para defender o Standing Rock?

JBF: A luta no Standing Rock deixou uma marca indelével na luta ambiental de hoje. Foi uma grande vitória, embora com a eleição de Trump as condições fossem fixadas para a superação do que havia sido conquistado. Os povos indígenas demonstraram uma vez mais, sua liderança na luta pela proteção do meio ambiente. Os protetores da água ficaram firmes enquanto estavam submersos, sujeitos a balas não-letais e gases lacrimogéneos, e cachorros colocados sobre eles. Todo mundo se intoxicou. Era difícil não recordar as lutas da era dos direitos civis no sul de Jim Crow. A batalha foi principalmente para proteger a água que foi ameaçada pela perfuração do encanamento sob o Rio Missouri. Mas todos entenderam - e não apenas os ambientalistas que se juntaram a eles, mas especialmente os próprios povos indígenas - que esta era uma batalha para a Terra inteira.

Para mim, porém, o ponto alto estava perto do final quando milhares de veteranos dos EUA chegaram em massa, aproximando-se de Standing Rock em longas linhas sinuosas de veículos encurralados por quilômetros, para fornecerem um "escudo humano" para os protetores de água. Eles declararam que estavam de pé com os povos indígenas - e até mesmo levando-se a pedir desculpas com os joelhos abaixados para a história dos americanos nativos. Não é por acaso que o governo deu um golpe alguns dias depois disso. O conflito que teria ocorrido teria atraído um número incalculável de pessoas para a resistência ambiental e, nesse sentido, teria sido um desastre em grande escala para os poderosos. Então eles optaram por puxar para trás nesse ponto. Mas o que realmente fez isso tão importante foi que representava um ato de solidariedade que atravessava as linhas que nos dividiram historicamente. É o surgimento da solidariedade humana na hora da necessidade dessa maneira que nos diz que podemos vencer.

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