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Diário Liberdade
Domingo, 27 Agosto 2017 15:58 Última modificação em Quinta, 31 Agosto 2017 22:42

A auto-organização das mulheres e a perspectiva classista e revolucionária de combate às opressões

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/ Mulher e LGBT / Fonte: Esquerda Diário

Nos últimos anos a ideia geral de “feminismo” tem estado muito mais presente e de maneira mais aberta, a meu ver, no senso comum.

Com fenômenos midiáticos (e problemáticos) como o Femen e diversas celebridades se afirmando feministas publicamente, a discussão a respeito de uma ideia de igualdade de gênero tem sido cada vez mais recorrente, acarretando no surgimento de diversos espaços de organização de mulheres para debater suas questões. Popularizaram-se, também, as diferentes vertentes do feminismo, e ideias como “empoderamento” e “sororidade” têm sido bastante difundidas. E dentre as mais diversas vertentes que discutem a questão da mulher, um elemento está presente em todos os espaços: a questão da auto-organização.

Nos últimos anos a ideia geral de “feminismo” tem estado muito mais presente e de maneira mais aberta, a meu ver, no senso comum. Com fenômenos midiáticos (e problemáticos) como o Femen e diversas celebridades se afirmando feministas publicamente, a discussão a respeito de uma ideia de igualdade de gênero tem sido cada vez mais recorrente, acarretando no surgimento de diversos espaços de organização de mulheres para debater suas questões. Popularizaram-se, também, as diferentes vertentes do feminismo, e ideias como “empoderamento” e “sororidade” têm sido bastante difundidas. E dentre as mais diversas vertentes que discutem a questão da mulher, um elemento está presente em todos os espaços: a questão da auto-organização.

Pretendo analisar a auto-organização de mulheres por duas perspectivas: pela sua força e importância política,por um lado, e pelos desvios que ela pode gerar (e gera) quando descolada de uma visão de que a luta contra a opressão às mulheres é também a luta contra o sistema capitalista.

Negar a importância de as mulheres reivindicarem para si o papel de sujeitos políticos seria negar a própria existência do machismo , seria negar que as mulheres sofrem uma opressão em diversos (talvez a maioria dos) aspectos da sua vida. Ser mulher é fator determinante para uma superexploração pelo capital para a imensa maioria da população e para uma exposição a um elevado grau de violência, quadro que se agrava mais e mais quando o machismo se associa a outras opressões.

Ou seja, há fatores objetivos, materiais (dupla ou tripla jornada de trabalho, violência, etc) e subjetivos, como a forte concepção de que mulher não deve ser uma figura do espaço público, pois esse papel cabe aos homens, por exemplo. Esses são grandes empecilhos para uma formação política e um desenvolvimento crítico. Nesse sentido, a auto-organização serve para ajudar as mulheres a tomarem para si a função de serem sujeitas políticas de suas próprias vidas.

Mas o que se vê, majoritariamente, é a auto-organização sendo levantada como um fim em si mesmo, um princípio político indiscutível e central, e não como um método para avançar no fortalecimento político de mulheres.

A chave em que a auto-organização é discutida hoje em grande parte das vertentes feministas é a de que ela é, em si, uma emancipação das mulheres por garantir um espaço “livre de homens”, onde as mulheres possam discutir sobre “questões de mulheres”. Isso levanta a ilusão de que é possível conseguir se emancipar por dentro de um sistema que se apropria da opressão às mulheres para garantir sua dominação.

Essa concepção não é capaz de apresentar uma resposta real às mulheres. Se, em alguma medida, pode dar conta de parte das questões subjetivas, nada tem a Oferecer para a solução dos problemas objetivos enfrentados por todas nós. Trata-se de uma visão bastante individualista, que acredita que a emancipação individual de cada mulher pode levar a uma emancipação de todas as mulheres. Contudo, as raízes da opressão às mulheres são sociais e coletivas e por mais que possamos conquistar mais direitos no marco do sistema capitalista burguês, jamais vamos conseguir a plena emancipação que tanto desejamos por dentro dessa sociedade.

Um exemplo dos desvios dessa lógica é a ideia bastante difundida de empoderamento cujo mote é “usar o tempo que você perderia tentando desconstruir o machismo de um homem para empoderar mulheres”. Por mais que soe correto e combativo, essa concepção é a ideia equivocada de auto-organização levada ao limite: mantendo o debate unicamente entre mulheres para que “homens não dominem mais esse espaço”, ignora-se o próprio conceito de opressão, que nada mais é do que uma relação onde um grupo tem privilégios em detrimento de outro (uma relação que está intimamente ligada à exploração econômica existente no capitalismo).

Ao se negar a desconstruir o machismo que existe na sociedade, alimentado pela hegemonia ideológica burguesa, essas vertentes abrem mão completamente de uma perspectiva real de mudança, desassociando a luta das mulheres da luta de classes e alimentando a ilusão de que é possível se emancipar dentro do capitalismo por meio de círculos de negócios e consumo entre mulheres, uma perspectiva de criar uma contra cultura feminista que possa se chocar com toda a ideologia machista, mas sem atacar as bases materiais dessa ideologia.

Também é filha dessa lógica a ideia de que não deve haver qualquer aliança entre homens e mulheres na luta contra o machismo porque “todo homem é um opressor”. Daí os péssimos bordões difundidos por páginas feministas na internet, como “omi só faz omice”, “iuzomismo”, “male tears”, etc. São simplificações rasteiras da luta das mulheres contra o machismo impulsionadas pela ilusão de que com a auto-organização feminina, apenas, podemos chagar ao fim da opressão.

Ainda que de fundo haja uma compreensão acertada, a de que homens são opressores em potencial sobre as mulheres, o erro de lógica compromete toda a argumentação. Homens não são opressores porque sim, mas porque estamos, e também eles, inseridos em uma sociedade patriarcal que lhes garante privilégios. E ainda que essa opressão seja anterior ao capitalismo, ele a mantém e fortalece pela importância de desvalorizar metade da população mundial para, por exemplo, puxar a média de salário de toda a classe trabalhadora para baixo.

Ou seja, ocorre uma construção social, portanto ideológica, tanto de opressores quanto de oprimidos, colocando as mulheres em uma posição inferior que, quando pensada em suas consequências econômicas, prejudica também boa parte da população masculina em todo o mundo, pois prejudica o conjunto da classe trabalhadora. Ignorar essa relação leva a uma análise determinista, uma naturalização do papel do opressor – o que é também uma manobra para distanciar a luta das mulheres da luta de classes.

Outro exemplo grave de desvio da ideia de auto-organização é o dito “feminismo radical”, que se utiliza da máscara da auto-organização de mulheres para difundir uma forte transfobia. Não foram poucas às vezes em que, pela defesa de espaços auto-organizados, feministas que se reivindicam radicais expulsaram e ameaçaram mulheres trans e negaram a sua identidade (e também a de homens trans). Diversas páginas de feminismo radical na internet destilam ódio contra transexuais, mas nada falam sobre condições objetivas de exploração sobre as mulheres.

Esse exemplo é uma demonstração de como a auto-organização, por si só, não é elemento suficiente para uma luta efetiva de mulheres contra a opressão. Ela pode se transformar de um desejo legítimo de se formar politicamente dentro de um espaço em que todas se sintam mais seguras, em uma prática extremamente opressora e violenta como é a transfobia existente entre alguns grupos feministas.

Quando nós, mulheres revolucionárias, socialistas, reivindicamos espaços auto-organizados, o fazemos partindo de fortes diferenças estratégicas. Compreendemos que não há saída possível por dentro do capitalismo, e por isso jamais entenderemos a auto-organização como fim em si mesmo.

Defendemos que às mulheres não cabe ser protagonistas apenas das “questões de mulheres”, mas da tomada do poder pelo proletariado, da revolução socialista e da construção de uma sociedade sem classes que enfim permitirá o fim de toda opressão. Daí o sentido de organizarmo-nos não apenas enquanto mulheres, mas a partir de nossos locais de trabalho e estudo.

Ao defendermos a auto-organização, desejamos a sua completa superação. E enquanto ela carregar a importância que ainda tem, que seja uma forma de impulsionar que nos forjemos enquanto figuras políticas fortes, para que sejamos linha de frente de cada batalha ideológica e teórica. Mulheres que dissertem sobre machismo, mas também sobreeconomia, arte, história, política, enfim, mulheres que, a partir da auto-organização, se sintam seguras para intervir em absolutamente todos os espaços públicos, políticos ou não, e desenvolvam autonomia sobre seus corpos e suas vidas.

A auto-organização não pode ser a única instância de luta contra o machismo. É fundamental que, a partir das nossas elaborações em espaços auto-organizados, consigamos desconstruir o machismo de todos os homens que lutam ao nosso lado pelas diversas questões que nos tocam, entendendo que, como bem coloca Lenin, “O proletariado não poderá emancipar-se completamente sem ter conquistado a liberdade completa para as mulheres.” [1]

[1] Trecho do texto “Às operárias!”, de Lenin, retirado de D’ATRI, Andrea. Pão e Rosas. Edições Iskra. P. 181

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