No sábado 12 de Agosto, num comício de adeptos da supremacia branca e neo-nazis em Charlottesville, Virgínia, pacíficos manifestantes anti-fascistas foram atacados pelos fascistas; um homem conduziu um camião sobre eles matando o activista de direitos civis Heather Heyer e ferindo pelo menos 19 outros; e um professor afro-americano, De Andre Harris, foi espancado desapiedadamente com uma barra de metal apenas a poucos metros da sede da polícia de Charlottesville. A resposta inicial de Trump foi condenar a violência "de ambos os lados" mas evitou criticar adeptos da supremacia branca. Dois dias depois, devido ao protesto público sobre a sua ambivalência, ele afrouxou um pouco e criticou especificamente os adeptos da supremacia branca, mas mais uma vez na terça-feira ele recuou e insistiu que "havia culpa de ambos os lados". Estas últimas observações, não surpreendentemente, foram saudadas pelo antigo líder da Ku Klux Kan, David Duck, que agradeceu Trump pela sua "honestidade". E agora os adeptos da supremacia branca estão a planear comícios em várias cidades dos EUA.
Menos de duas semanas depois, em 25 de Agosto, Trump concedeu um perdão presidencial ao antigo xerife do Arizona, Joseph Arpaio, o qual fora condenado por criminoso desacato ao tribunal pelo facto de persistir com o "perfilamento racial" ("racial profiling") de imigrantes latinos apesar de uma ordem do tribunal contra isto. Trump considerou-o mesmo um "patriota americano". Este "patriota" aparentemente dirigia sua "campo de concentração" pessoal, uma prisão ao ar livre em Phoenix, onde detinha latinos em condições desumanas, condições em que as temperaturas no complexo atingiam mesmo os 63º C. Um perdão presidencial a este racista notório é um sinal claro aos adeptos da supremacia branca e neo-nazis de que Trump está com eles.
UMA VIRAGEM NÃO SUPREENDENTE
A América está claramente a virar-se rumo ao fascismo, um facto que não é surpreendente em si mesmo. A globalização provocou grandes dificuldades à classe trabalhadora branca e isto tem sido agravado pela crise capitalista. Enquanto o economista Joseph Stiglitiz tenha mostrado que a taxa de salário real de um trabalhador médio homem americano em 2011 foi ainda mais baixa do que em 1968, o economista Angus Deaton mostrou que a actual taxa de mortalidade entre trabalhadores homens brancos era comparável à da Rússia após o colapso da União Soviética, a qual ela própria fora um recorde moderno para tempos de paz. Apesar de políticos liberais burgueses como Hillary Clinton raramente reconhecerem tais factos, Trump, na ausência de qualquer oponente progressista (uma vez que Bernie Sanders se havia retirado da competição), obteve uma certa simpatia do povo trabalhador por pelo menos reconhecer os seus apuros – e o seu apoio ajudou a colocá-lo na Casa Branca. Mas o culpado que ele lhes apresentou como sendo responsável pelos seus apuros não foi o sistema do capitalismo neoliberal, mas sim o "outro", nomeadamente os imigrantes, os muçulmanos, os negros e os "estrangeiros".
Não supreendentemente, ele foi logo "adoptado" pelo capital financeiro estado-unidense o qual encarou-o como um baluarte contra possíveis "desordens" e um aliado que, sendo aceitável para o povo, faria avançar a agenda do capital financeiro. Trump, por sua vez, retribuiu o apoio do big business ao rechear seus postos económicos com um conjunto de executivos de topo dos negócios, prometendo uma redução substancial da taxa tributária das corporações, de 35 para 15 por cento, e escolhendo como presidente do seu Conselho Económico Consultivo não um economista académico, como geralmente acontecia antes, mas um executivo da Goldman Sachs chamado Gary Cohn.
Entretanto, o que é interessante é que vários destes executivos agora se demitiram do Conselho Económico Consultivo de Trump em protesto contra a sua não manifestação contra os adeptos da supremacia branca de uma maneira mais directa. Muitos observadores na Índia, impressionados por este dilúvio de demissões, contrastaram a oposição dos negócios à brandura de Trump em relação aos adeptos da supremacia branca com o silêncio dos negócios na Índia sobre a brandura de Modi em relação aos gau rakshaks e outros grupos de vigilantes.
A razão que tipicamente é avançada para estas resignações nos EUA é que a consciência dos executivos não lhes permitiria fazerem parte de uma administração que está a acarinhar aqueles que tendem a dividir o país. E isto, vamos conceder, poderia bem ser verdade para muitos dos executivos que se demitiram e mesmo todos eles em certa medida. Mas há um factor adicional de importância que se deve notar.
Os vários grupos da supremacia branca e neo-nazis ainda têm pouco poder legislativo nos EUA. Se legislação favorável às corporações tiver de ser aprovada, se uma proposta orçamental para baixar impostos das corporações tiver ser aprovada, então Trump tem de confiar no apoio de legisladores no Congresso e no Senado. E nem todos, mesmo no seu Partido Republicano, apesar da sua forte inclinação à direita em anos recentes, estão desejosos de apoiar os adeptos da supremacia branca e os neo-nazis. Assim, se medidas favoráveis às corporações tiverem de ser tomadas por eles, então Trump tem de cortejar os legisladores em ambas as casas [do parlamento], pelo que ele tem de manter uma certa distância dos seus apoiantes fascistas. O destino da sua recente tentativa de abolir o Obamacare (as medidas de cuidados de saúde postas em vigor por Barack Obama), que enfrentou a oposição inter alia do líder republicano John McCain, é um indicador neste contexto. McCain, juntamente com vários outros líderes republicanos, também tem sido crítico da brandura de Trump em relação aos fascistas e eles poderiam facilmente resistir às tentativas de Trump de cortejá-los. O mundo corporativo portanto gostaria que Trump se distanciasse um pouco dos grupos da direita mais extremista a fim de promover a sua agenda pró corporativa.
Por outras palavras, há uma contradição subjacente à posição de Trump. Embora ele tenha uma perspectiva fascista e uma afinidade com elementos fascistas, ele foi eleito como o candidato não de um partido fascista mas do Partido Republicano, o qual apesar de ser de direita e ter talvez vários fascistas nas suas fileiras, não é em si um partido fascista. A implementação da sua agenda pró corporativa exige portanto um grau de distanciamento da sua base fascista. A demissão de vários executivos do seu conselho consultivo é um meio através do qual é aplicada pressão sobre ele a fim de criar tal distanciamento.
ABORDAGEM DUAL PARA COM TRUMP
É interessante que seus apoiantes corporativos estão a adoptar uma abordagem dual para com Trump. Enquanto alguns deles demitiram-se das suas posições de conselheiros, outros permaneceram, mesmo com o apoio tácito daqueles que se demitiram. Assim, Gary Cohn, que declarou publicamente também estar a contemplar a demissão, não o fez, a fim de ser capaz de "servir o país"; e também declarou que sua decisão de não se demitir era apoiada por muitos que haviam optado por se distanciarem da administração Trump devido à sua brandura em relação a grupos fascistas. Por outras palavras, enquanto alguns executivos demitiram-se como meios de pressionar Trump a adoptar posições que tornariam possível a implementação de um agenda pró corporações, outros permaneceram na sua administração a fim em primeiro lugar de realizar uma tal agenda pró corporações.
Em suma, o que estamos a testemunhar é um complexo processo de negociações entre Trump e o big business. Segundo Michal Kalecki, o famoso economista marxista polaco, o fascismo era caracterizado pelo facto de que "a maquinaria do Estado está sob o controle directo de um partenariado do big business com fascistas recém chegados". Entretanto, a observação de Kalecki refere-se a uma situação em que um Estado fascista passou a existir. Mas em países como os EU que estão a voltar-se em direcção ao fascismo, para a criação de um Estado fascista, se chegar a ocorrer, ainda há um longo caminho pela frente. O partenariado entre fascistas recém chegados e o big business ainda está em processo de formação; a captura do pode exclusivo do Estado por este partenariado ainda não está à vista. Este partenariado, em suma, está a ser formado dentro da estrutura de um Estado burguês ainda não fascista, o qual faz as negociações sobre a formação deste "partenariado" muito mais complicadas e difíceis. A diversidade de respostas de executivos corporativos às posições da administração Trump é um reflexo na natureza complicada de tais negociações.
Se bem que a viragem dos EUA rumo ao fascismo seja inequívoca, as contradições associadas a esta viragem, e a complexidade do processo de formação do partenariado entre o big business e fascistas recém chegados dentro da estrutura de um Estado burguês não fascista, são claramente visíveis.
[*] Economista, indiano, ver Wikipedia