A aposta de antecipar eleições caiu bem para Shinzo Abe. O primeiro-ministro conservador venceu as eleições legislativas realizadas neste domingo (22) no Japão e se transformará no mais duradouro da história japonesa do pós-guerra. A coalizão governista conquistou mais de dois terços das cadeiras na eleição para a Câmara Baixa, o que permitirá a Abe abrir caminho para a reforma da Constituição pacifista, uma das grandes aspirações de seu mandato.
Abe, que convocou as eleições no mês passado – mais de um ano antes do previsto – para aproveitar as divisões na oposição, superou com facilidade o desafio representado por seus rivais. O seu partido, o Liberal Democrático, ganhou 284 cadeiras, enquanto seu parceiro de coalizão, o Komeito, terá 29.
Assim, o governo terá 313 das 465 vagas da Casa. Antes da votação, a coalizão tinha 321 cadeiras de 475 vagas no Parlamento, sendo que o número total de cadeiras pode variar.
Os resultados culminaram no desaparecimento da principal força de oposição, o Partido Democrático (PD), que governou entre 2009 e 2012, e que estava afundado em uma intensa batalha interna após resultados eleitorais desastrosos.
Uma divisão do setor mais liberal do PD, o Partido Constitucional Democrático do Japão, que deve comandar a oposição, foi o segundo mais votado saltando de 15 cadeiras para 55.
Por sua vez, o conservador Partido da Esperança (Kibo no To), da governadora de Tóquio, Yuriko Koike, que no começo da campanha eleitoral parecia poder representar uma alternativa séria ao domínio do PLD, viu sua bancada diminuir de 57 lugares para 50.
Depois de uma campanha de apenas doze dias, a participação foi prejudicada pelo forte temporal que neste domingo (22) açoitou o Japão. Dezenas de milhares de pessoas foram removidas de suas moradias e centenas de voos suspensos por causa da proximidade do tufão Lan, de categoria 4.
A vitória do PLD garante que Abe permaneça no cargo de primeiro-ministro até 2021, o que fará dele o chefe de Governo que mais tempo se manteve no cargo desde o final da Segunda Guerra Mundial. Abe chegou ao posto pela segunda vez em 2012, depois de tê-lo ocupado entre 2005 e 2006.
O triunfo concede ao político nacionalista uma clara autoridade para manter a política dura em relação à Coreia Popular que vinha apresentando até agora. O argumento para antecipar eleições tinha sido precisamente a necessidade de contar com um mandato firme dos eleitores ante a escalada da ameaça representada pelo programa nuclear de Kim Jong-un. Em meados deste ano, Pyongyang lançou dois mísseis que sobrevoaram território japonês e caíram em águas do Pacífico. Kim advertiu que “afundará” o Japão no mar após a adesão do país às senções da ONU contra a Coréia Popular.
Em uma audiência para agradecer ao público sua reeleição, Abe afirmou que agora enfrentará “com firmeza” o programa nuclear norte-coreano, que já conta com mísseis intercontinentais e que em setembro realizou sua sexta prova nuclear.
“Como prometi nas eleições, minha tarefa imediata é enfrentar com firmeza a Coreia do Norte”, declarou. “Para isso, será preciso uma diplomacia sólida.”
Essa ameaça norte-coreana será o tema central no início de novembro da visita do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, a Tóquio, no começo de seu giro pela Ásia. O inquilino da Casa Branca ameaçou “destruir por completo” a Coreia do Norte se esse país continuar com seu programa nuclear. A fala de Trump, realizada na Assembleia Geral da ONU em setembro de 2017, foi duramente criticada pela maior parte dos países do globo, como Alemanha, Rússia e França. A maioria dos líderes defende a negociação com Pyongyang para evitar embates que poderiam acarretar em graves consequencias, como desastres nucleares e milhares de mortos.
No terreno econômico, o que mais preocupava os japoneses na hora de ir às urnas, o primeiro-ministro continuará com sua estratégia de incentivar o crescimento econômico, as “Abenomics”, focadas em uma política monetária liberal que estimulou as exportações. O chefe do Governo japonês prosseguirá com a aplicação da elevação do imposto sobre o consumo em 2019. Embora seja uma medida muito impopular, Abe a considera imprescindível para reduzir o déficit fiscal japonês e respaldar o gasto público que embasa a ainda frágil recuperação econômica. O Executivo também deverá adotar medidas sobre o envelhecimento da população, outro dos argumentos que o chefe de Governo usou para convocar as eleições.
Mas, sobretudo, estas eleições abriram ao chefe de Governo, tão hábil diplomata como conservador e nacionalista, a possibilidade de tornar realidade sua maior ambição política. Com uma maioria de dois terços na Câmara Baixa, pode convocar um referendo para a reforma da Constituição redigida pelos Estados Unidos depois da derrota japonesa na Segunda Guerra Mundial.
O artigo 9 da Constituição proíbe ao Japão manter um Exército convencional e só lhe permite ter forças de autodefesa cuja missão principal seja responder em caso de ataque ao arquipélago. Mas o Governo de Abe já conseguiu a aprovação de uma reinterpretação da Carta Magna que dá a essas forças o poder de agir em ajuda de um aliado que corra perigo. E, segundo ele, a ameaça causada pela Croeia Popular deixa claro que o Japão necessita de um Exército próprio que lhe permita lidar com esse perigo.
Para realizar essa reforma histórica, que conta com forte oposição de parte dos japoneses e de países vizinhos, como a China e a Coreia do Sul, são necessários os votos de dois terços dos parlamentares. Depois, a medida deve ser aprovada em referendo.
Apesar das intenções de Abe, a reforma da Constituição para dotar suas forças armadas de um papel mais similar ao de um Exército convencional é um assunto que divide profundamente a sociedade japonesa: segundo as pesquisas, 37% são a favor e 40% são contra mexer na Carta Magna. Ainda que timidamente em vantagem, a maioria da população não concorda em mexer na Constituição.
Segundo a Folha de São Paulo, uma pesquisa realizada pelo jornal liberal Asahi, apontou que 51% dos entrevistados não queriam que Abe continuasse à frente do país. O contraste em relação aos resultados das urnas é justificado na pesquisa pela falta de uma melhor opção. Ainda segundo pesquisas japonesas divulgadas pelo jornal paulistano, grande parte da população tem uma frustração acumulada com o governo do primeiro-ministro justamente por causa da ideia irredutível de Abe de querer mudar o Artigo 9 da Constituição, onde é afirmado que o Japão renuncia à guerra.
Do Portal Vermelho, com informações do El País e Agência Brasil