A visita de Trump à China, no âmbito do périplo asiático concluído esta semana, recolocou as atenções na relação entre as duas maiores economias do mundo. Uma relação tão envolvente e multidimensional quão contraditória e antagónica.
A dinâmica interna no complexo binómio China/EUA sinaliza-nos não pouco do sentido geral da evolução da relação de forças global, numa trajectória crescentemente divergente que mostra que, afinal, a velha toupeira da história de Marx está viva, mesmo que o resultado da sua acção subterrânea não se revele de imediato.
Os EUA são o maior destino das exportações chinesas e é com a China que Washington regista o seu maior défice comercial. No bolo do superavit chinês tem crescido a fatia dos artigos de alta tecnologia, reflexo do processo de desindustrialização dos EUA e progressão implacável da estagnação imperialista. Quando, no final dos anos 70, a China encetou o caminho, gradual mas não aveludado, da Reforma e Abertura o grande capital vislumbrou no horizonte um maná. A taxa cambial do dólar foi ajustada para melhor promover o fluxo de capitais, investimentos e deslocalização produtiva. Não se tratava apenas da perspectiva irredimível de extracção de chorudas mais-valias, mas acima de tudo de aproveitar a abertura chinesa ao investimento externo para consumar o objectivo estratégico da chamada «evolução pacífica», a restauração capitalista na China. A euforia e ilusão da hegemonia perpétua (o fim da história) atingiram o cume com a dissolução da URSS.
O sentimento dominante é hoje bem distinto. Um relatório de 2016 do Congresso dos EUA constata que «as esperanças de que a China se manteria fiel ao seu caminho de "desenvolvimento pacífico" (...) não se justificaram. A disposição da China para remodelar a ordem económica, geopolítica e de segurança com vista a acomodar os seus interesses constitui motivo de grande preocupação». Outra passagem sublinha ter-se tornado «evidente (...) que a agenda de reforma doméstica da China tem como objectivo reforçar o comando do Estado e manter o controlo do PCC – e não a promoção da liberalização económica».
De facto, Pequim não só logrou subir na cadeia de valor global, como mostra ser capaz de lidar com a tendência de segmentação territorial das «cadeias produtivas» (centralizada pelas transnacionais), potenciando os circuitos produtivos integrais e o desenvolvimento da industrialização e tecnologias de ponta. E anuncia para breve o lançamento do petroyuan (e uma maior abertura do sector financeiro, a seguir com atenção).
Tocam pois os alarmes. O general Dunford, chefe do Estado-Maior das FA dos EUA, declarou recentemente que a China pode constituir «por volta de 2025 a maior ameaça» para os EUA e o secretário do Comércio, Ross, adverte que o plano de Pequim «Made in China 2025» é um ataque contra o «génio americano». Nas águas agitadas do establishment interno, Trump vitupera o «comércio injusto», arremetendo com a espada do America first. A globalização parece perder o brilho, mas os EUA não abdicam dos propósitos insanos de contenção da China, agora, com a estratégia Indo-Pacífica, procurando alinhar o Japão, Índia e Austrália numa agenda agressiva que ameaça a paz mundial.