Mas, antes, um pouco de informação sobre o contexto nesse início de 2018.
O presidente Rouhani fez a coisa certa ao ir à TV iraniana e pelo menos reconhecer a insatisfação popular ante as graves dificuldades econômicas. A inflação está realmente alta no Irã – e o recente aumento nos combustíveis e nos preços da alimentação, de mais de 40%, não ajuda. É parte do orçamento da Equipe Rouhani para 2018, que corta subsídios para os mais pobres – traços chaves do governo de Ahmadinejad. O desemprego entre os jovens, por exemplo, chega a horrendos 40%, maior até que na Espanha.
Mas Rouhani deveria ter oferecido melhor contextualização para a relação direta entre as dificuldades econômicas e as sanções que EUA impõem ao Irã, ainda ativas, para nem falar das proverbiais ameaças contra empresas ocidentais estão novamente operando no Irã.
Rouhani prometeu depois de assinar o acordo nuclear em 2015, que aquele acordo traria mais empregos e melhoraria a economia do Irã. Washington tem feito de tudo para pressionar cada vez mais, de modo a assegurar que nada de bom aconteça. Protestos legítimos contra as dificuldades econômicas, por sua vez, sempre foram parte do cenário político no Irã – de fato há décadas.
O que aconteceu agora é que esses protestos foram completamente sequestrados pelos suspeitos de sempre – que de fato influenciam uma pequena minoria de cidadãos iranianos. Na sequência, os peixes grandes pularam no aquário, de Avaaz à ONG Human Rights Watch, mais toda a Think-tank(e)lândia e até o próprio Trump.
O que nos leva à essência do que está acontecendo nesse exato momento: reencenação de toda a parte III, capítulo 6 ("A Revolução de Veludo: todo o apoio a um levante popular") e capítulo 7 ("Inspirar uma insurgência: apoiar a minoria no Irã e grupos de oposição") do supracitado Which Path to Persia [Que trilha para a Pérsia].
Se se assume que a Equipe Rouhani é de certo modo um governo neoliberal – e é, comparada aos anos de Ahmadinejad –, o que se tem é uma tentativa para dirigir protestos legítimos: o estado da economia manobrado para se converter num movimento "revolucionário" que pode visar à mudança de regime mediante o que, para todas as finalidades práticas seria uma guerra civil.
Não vai funcionar. A sociedade civil iraniana é muito sofisticada e esperta para cair numa armadilha óbvia, simplória, como essa.
Até agora já está claro que esses clamores "revolucionários" são instigados de fora. Em 24 horas de tuítos, por exemplo, 74% deles eram de fora do Irã; 35% em árabe; sauditas tuitaram mais que iranianos, e no Reino Unido estavam quase tão ativos quanto na Arábia Saudita.
Para que não reste qualquer dúvida quanto à ação externa, assistam ao professor Marandi da Universidade de Teerã –, meu amigo pessoal e homem de absoluta integridade –, que desmonta um ex-palhaço da BBC que ainda sonha com "a carga do homem branco".
E há também a CIA. Pense num exército de analistas e especialistas preparando e agora já implementando diretamente ações clandestinas no Irã – dirigidos pelo sinistro Mike D’Andrea, ex-diretor do Centro de Contraterrorismo da CIA.
Infelizmente tenho de declinar de mais um convite para ir ao Irã precisamente esse mês, por força de outros compromissos. Espero poder estar lá dentro de mais ou menos duas semanas. Outros analistas também irão. Certo é que essa instrumentalização dos protestos está sendo concebida também como provocação. Os suspeitos de sempre já tuitaram o próprio jogo – em tom de "todo o mundo está assistindo". Mesmo assim, haverá resposta à violência, como Rouhani deixou sugerido: imaginem a resposta policial na França ou na Alemanha, por exemplo.
Os suspeitos de sempre talvez até saibam que não conseguirão a 'mudança de regime' com que sonham. Agora, o que esperam obter é mais sanções econômicas contra o Irã – pela União Europeia (cabe pois à União Europeia não se deixar prender na arapuca). Teerã, seja como for, já trabalha para aumentar os negócios em toda a Eurásia: Novas Rotas da Seda, União Econômica Eurasiana, sem privilegiar necessariamente a União Europeia. Depois dependerá de a Equipe Rouhani ser criativa – e menos neoliberal – no front econômico.