Dois séculos passados, tanto a semana como a jornada de trabalho poderiam ser muito inferiores ao que foi então reivindicado. Mas o que se verifica não é a redução mas o aumento. O capitalismo vai-se apossando não apenas das horas de trabalho, mas de todas as horas da vida das pessoas.
Ao tempo que termina 2017, é importante recordar que neste ano passa o 200º aniversário do apelo à semana de trabalho de 40 horas. O movimento pelas 8 horas diárias não muda apenas a semana de trabalho, muda também a luta pelo poder de classe. Os momentos de viragem na história da semana de trabalho sublinham a reconfiguração do capitalismo moderno:
1817 – Robert Owen, um manufactureiro galês de sucesso, activista dos direitos do trabalho e fundador da comunidade utopista de New Harmony, confiava na divisão do dia em partes iguais de 8 horas – “Oito horas de trabalho, oito horas de recreação, oito horas de descanso.”
1869 – Numa altura em que os trabalhadores cumpriam entre 12 e 14 horas de trabalho diário, 6 dias por semana, o Presidente Ulysses Grant emite uma proclamação garantindo uma jornada de trabalho de 8 horas sem redução do salário, mas a disposição apenas se aplicava a trabalhadores governamentais.
1926 — Henry Ford implementou a semana de 5 dias e 40 horas de trabalho na sua empresa de produção de automóveis; enviou um recado aos seus companheiros na exploração (robber-barons): “Já é mais do que tempo de nos libertarmos da noção de que o lazer dos trabalhadores ou é tempo perdido ou privilégio de classe.”
1930 — Enquanto a Grande Depressão devastava o país, o magnate de flocos de cereais W. K. Kellogg introduziu a jornada de trabalho de 6 horas na sua fábrica em Battle Creek, Michigan.
1940 — O Congresso introduziu emendas no Fair Labor Standards Act de 1938, que limitava a semana de trabalho 44 horas ou 8,8 horas diárias para 40 horas, 8 horas diárias.
1970 – A Minneapolis Federal Reserve refere que a semana de trabalho média era de 38,8 horas.
Mais perturbador é que o Banco Federal (Fed) refira que entre 1970 e 2000 a semana de trabalho média aumentou para 40,5 horas. Uma estimativa de 2016 do Bureau of Labor Statistics (BLS) fixa-a em 43 horas semanais ou 8,8 horas diárias.
A semana de trabalho de 40 horas está a desaparecer. Trabalham-se mais horas na nova e tão sofisticada economia de escravos-assalariados altamente qualificados e independentes. E isto está a suceder quando a semana de trabalho deveria ser reduzida a metade com pagamento e regalias por inteiro.
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Quantas horas trabalhas por semana? Quantas horas gastas cada dia a “trabalhar”?
Quanto tempo estás escravizado ao teu computador, seja num escritório, em casa, um café ou um espaço de trabalho partilhado? Quanto tempo sacrificas a puxar pelas vendas numa loja local?, fazendo trabalho burocrático no emprego público?, ou embrulhando mercadorias na expedição de um armazém? Quantas horas conduzes um barco ou uma carrinha? Quanto tempo demora a fazer um negócio?, a trabalhar numa reunião ou (se estiveres com sorte) num jantar com despesas de representação ou numa recepção? E quanto tempo gastas fazendo chamadas pessoais, tomar um café ou uma pausa para fumar ou apenas para dois dedos de conversa com colegas de trabalho? Tudo isso é trabalho, e provavelmente totaliza mais do que 40 horas por semana.
Em tempos que já lá vão, as pessoas faziam uma “jornada de trabalho justa” por um “salário diário justo.” O grande “Sonho Americano” do pós II Guerra Mundial visionava um mundo em que o – branco, homem – operário industrial se deslocava para o trabalho, picava o ponto para sair após as 8 horas do turno (se mais, recebia trabalho extraordinário) e ia para casa, tomava um copo, comia um jantar cozinhado pela sua mulher, passava tempo com a família, deitava as crianças, ligava a TV por uma hora ou duas e ia para a cama.
Hoje ninguém parece saber quanto tempo trabalham cada semana os norte-americanos. Em 2016 o BLS fixou-o em 43 horas semanais; em 2014 uma sondagem Gallup apontava para uma média de 47 horas semanais (9,4 horas diárias), com muitos dos inquiridos dizendo trabalhar 50 horas semanais. Em 2016 um estudo da Upwork e o sindicato dos Freelancers concluíram que free-lancers a tempo inteiro estão a trabalhar 36 horas semanais. Outros informam que os que trabalham em sectores como a comunicação social, a alta tecnologia, a venda a retalho e outros, estão mais próximo das 60 horas semanais.
Sejam quais forem as horas de trabalho que cada um despende num emprego, sabe-se que não representam nem a totalidade nem o quadro real. Todos sabem que o dia de trabalho tem das partes, o emprego propriamente dito e o impacto que ele tem no resto da vida de cada um. No mundo de comunicações instantâneas possibilitado pela internet e pelos smartphones uma fata crescente dos norte-americanos pós modernos vive um trabalho de 24 horas/7 dias. Hoje, muito do trabalho diário consome horas infindáveis da vida doméstica – ou pessoal – em termos de preparação de tarefas, deslocações, limpeza de roupa ou tratar do almoço ao mesmo tempo que as preocupações pessoais e familiares. Tudo isso é considerado trabalho não pago requerido pelo desenvolvimento das tarefas do emprego, trabalho.
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Nos dias de hoje as pessoas fazem mais ou menos as mesmas coisas (se não mais) que faziam outrora, mas fazem-nas de modo diferente. Contudo, a vida de trabalho dentro e fora do emprego está a tomar uma maior porção da vida dos trabalhadores, comprimindo todos os outros segmentos.
No decurso do período pós II Guerra Mundial verificou-se uma mudança na relação trabalho-vida norte-americana, na medida em que o consumismo tomou o lugar do tempo livre e as mulheres se integraram de forma crescente na força de trabalho para apoiar a família com dois rendimentos. Num discurso de campanha de 1956, o vice-presidente Nixon predisse a possibilidade de uma semana de trabalho de 32 horas, se fossem cumpridas as seguintes condições: “A semana de trabalho apenas pode ser reduzida numa altura em que essa redução não reduza a eficiência nem reduza a produção.” Três factores vieram confirmar a predição de Nixon, outorgando a semana de trabalho de 32 horas aos norte-americanos.
Primeiro, a incessante automatização do processo de trabalho alterou fundamentalmente o trabalho por segundo, para não falar do trabalho por semana. O cérebro tomou o lugar do músculo, o digital desbancou o analógico e a globalização reconfigurou o mercado doméstico. Em conjunto, todas essas forças aumentaram a eficiência e retiraram a vida à vida de trabalho.
Segundo, a força de trabalho foi reconfigurada. Desde os tempos de Nixon os sindicatos foram sistematicamente esmagados e uma percentagem crescente da força de trabalho tornou-se precária – trabalhadores independentes, freelance ou tarefeiros. O BLS estima a força de trabalho civil em 160 milhões, dos quais 11% “auto-empregados” e 22% precários, ou seja cerca de 35 milhões de trabalhadores. Outros estimam uma percentagem mais elevada: um estudo da McKinsey coloca-os nos 27% e um estudo de Upwork e da Freelancers Union afirma que ”a força de trabalho em regime freelance cresceu de 53 milhões em 2014 para 55 milhões em 2016 e representa actualmente 35% da força de trabalho nos EUA.” A projecção da Upwork/Freelancers Union aponta para que em 2020 o sector freelance – trabalho precário – atinja os 40% da força de trabalho total.
Terceiro, e igualmente de fundo, segundo o Center for American Progress “em 1960 apenas 20% das mães trabalhavam. Hoje [2010], 70% das crianças norte-americanas vivem em lares em que todos os adultos estão empregados.” O Bureau of Labor Statistics (BLS) estima que entre 1969 e 2000 a semana de trabalho dos casais – combinando homem e mulher – aumentou de 56 horas para 67 horas. O lar de dois empregos é o novo normal.
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Em 1930, o economista John Maynard Keynes predisse que no prazo de um século o incremento na produtividade significaria que todos estaríamos a trabalhar 15 horas semanais. Ao que parece, a sua predição não irá verificar-se.
Outros economistas partilharam variantes da predição de Keynes. Argumentaram que à medida que as economias avançadas se tornavam mais produtivas, as pessoas escolheriam trabalhar menos horas. Infelizmente, isso não sucedeu.
Nos EUA, o capitalismo triunfa! Desde a grande revolução do consumo na era do pós II Guerra Mundial, os norte-americanos trocaram uma semana de trabalho mais curta por níveis mais elevados de consumo – e sempre crescentes níveis de endividamento. A vigarice das alterações fiscais recentemente aprovada consagra o plano do Presidente Trump de “Tornar a América Grande de Novo.” O apelo a uma semana de trabalho mais curta soa tão fora do tempo como os grandes movimentos utopistas do séc. XIX.
O capitalismo forjou um sistema global dominado pela finança e, de forma sempre crescente, conseguiu dominar de forma sistemática todos os momentos ou aspectos da vida pessoal de cada um. Seja no trabalho ou no lazer, no escritório ou em casa ou em férias, os norte-americanos sabem como funcionar enquanto sujeitos e objectos, a comprar e vender. O mercado medeia a individualidade mas está a ser posto em causa por toda a Terra.
Em alguns países do mundo capitalista avançado estão em curso iniciativas no sentido de reduzir a semana de trabalho. Por exemplo, o maior sindicato alemão, IG Metall, pressiona no sentido de uma semana de trabalho de 28 horas. Segundo o Independent britânico “o sindicato argumenta que os trabalhadores devem obter uma justa parcela das vantagens da crescente economia alemã sob a forma de melhores salários e um melhor equilíbrio entre o trabalho e a vida pessoal.”
O jornal refere também que os trabalhadores dos correios (Royal Mail) britânicos representados pela Communication Workers Union (CWU) votaram recentemente uma acção de greve, tendo como uma das reivindicações centrais a redução da semana de trabalho para 32 horas e quatro dias. Os Verdes juntaram-se ao coro, apelando a uma semana de trabalho mais curta bem como a um rendimento garantido adequado. Até o multimilionário mexicano Carlos Slim defendeu uma semana de trabalho de três dias como um melhor equilíbrio entre trabalho e vida pessoal.
O capitalismo triunfa também porque conseguiu efectivamente conter o debate social sobre a desigualdade. A insurgência “Occupy Wall Street” de 2011 reinseriu a desigualdade no vocabulário político dos EUA. A campanha de Bernie Sanders em 2016 constatou a desigualdade, colocando-a como uma questão chave na actual luta social. As recentes vitórias eleitorais do Partido Democrata em Virgínia e Nova Jersey, a disputa senatorial no Alabama bem como os ganhos conseguidos na Câmara de Delegados de Virgínia podem constituir um indício do que virá nas eleições intercalares de 2018. Nessa altura, os confrontos a nível local e estadual acerca do plano fiscal dos republicanos poderão ter impacto. Por agora, o debate foi ultrapassado, e o 1% ganhou!
Trump é um grande homem do espectáculo e quase todos os dias, através de tweets e de comunicados de imprensa, deita poeira para os olhos do público norte-americano. Combinando a habilidade de um grande empresário do circo com a de um bom comunicador de entretenimento televisivo, Trump seduz e envolve a sua audiência, proporcionando um infindável fluxo de veneno como se se tratasse de um astucioso jogo de distracção. E os grandes meios de comunicação de massa populares, sejam os de grande curso sejam os de direita ou de esquerda, promovem a distracção. A sua ficção ecoa nos noticiários, na conversa dos comentadores e nos escândalos sexuais. Tudo serve para fazer os norte-americanos esquecerem as desigualdades, e que o povo trabalhador há dois séculos vem lutando por uma semana de trabalho de 40 horas.
David Rosen é o autor de «Sex, Sin & Subversion: The Transformation of 1950s New York’s Forbidden into America’s New Normal» (Skyhorse, 2015). Pode ser contactado em Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.; ou www.DavidRosenWrites.com.
Fonte: https://www.counterpunch.org/2017/12/29/what-happened-to-the-40-hour-workweek/