Na parte adulta (quando tomamos conta da pequena parcela da realidade) nossas vidas dependem da venda da nossa força de trabalho. Trabalhamos para ganhar dinheiro, temos dinheiro para comer, comemos para não morrer de fome. Esse processo, dentro da nossa contagem das 24 horas, inclui acordar as 5 da manha, tomar café e se vestir para chegar ao trabalho. Essa viagem em média nas grandes cidades demoram cerca de 1h ou 1h30. Bato o ponto as 7 da manha.
O tempo demora a passar. Trabalho com quatro sistemas integrados para registrar reclamações. Os "clientes" da empresa ligam para fazer reclamações porque trabalharam e não receberam. O meu papel é explicar porque eles não vão receber. O tempo não passa. Homens e mulheres reclamando o dia inteiro que trabalharam e não vão conseguir pagar as contas, não terão dinheiro para o leite dos filhos, não terão como garantir a sua própria existência por uma força já aplicada em uma função que não trará o salario que eles batalharam para conseguir. Não gosto do meu trabalho, mas assim como eles, dependo dele para continuar vivo.
O tempo demora a passar. Um dos sistemas não está funcionando, mas chega o comunicado que devemos aumentar a produtividade. Minha cadeira está com o encosto quebrado, logo não consigo ter um apoio descente para as costas e então, passo 8hrs do meu dia curvado, semi-corcunda. O cara que senta do meu lado gosta do trabalho, ele sempre fala que é bom produzirmos mais para que o patrão nos dê atenção dentro do trabalho,inclusive, ele foi promovido (sem nenhum aumento de salario) a uma espécie de ajudante dos que produzem pouco: ele nos enche o saco e sempre deixa subentendido que somos preguiçosos. Do meu outro lado, uma moça que tem 25 anos e tem dois filhos tem medo de perder o emprego, ela escuta cada palavra do "ajudante" e segue seus passos. Não compra a ideia de ganhar atenção do chefe, sabe que sua vida e a dos seus filhos dependem deste trabalho (ela é mãe solteira, o pai das crianças não ajuda em nada e ela sempre parece cansada).
No horário de almoço consigo sair do prédio, uma hora que dedico a me alimentar da maneira menos pior possível, tirar um cochilo de no máximo 10 minutos e voltar ao trabalho.
Na volta, sempre vejo os dois companheiros de trabalho já sentados (eles voltam 5 minutos antes). Apesar da pressão para produzir mais por conta deles, não fico irritado, eles fazem as mesmas funções que eu, utilizam os mesmos 4 sistemas e ainda ficam todo o tempo ao meu lado... São meus companheiros de oito horas diárias que fico sentado em uma cadeira quebrada. Sim: gosto deles. Não gosto do meu chefe, ele sempre fala o quanto trabalha mas sempre fica no andar de cima ou fazendo trabalhos externos numa Mercedes esportiva.
Meu horário de saída é as 4 da tarde. Bato o ponto e vou para o transporte publico. Chego em casa as 18. Tenho que arrumar a casa, lavar roupa, pagar minhas contas, fazer comida e limpar a casa. Termino essa segunda jornada perto das 21 horas. Até as 22 faço algo do meu gosto: ou leio, ou escrevo, ou assisto um filme, ou toco violão, ou converso com meus amigos. Nunca consigo fazer essas coisas combinadas. É apenas uma hora que tenho antes que meu corpo comece a ficar fraco, antes que as dores de cabeça voltem.
No capitalismo, das 24 hrs do dia, me sobraram apenas uma hora para ser quem eu quero e fazer o que gosto. Não me conformo com a vida do jeito que está. Não me conformo que todas as nossas potencialidades lógicas, humanas e artísticas sendo suprimidas por um sistema que visa o lucro e que, para isso explora até a nossa ultima gota de consciência e suor para manter 11% da população mundial (os burgueses) livres para fazerem o que bem entendem. Parasitas do mundo. Seus dias de fartura estão contados.