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Diário Liberdade
Sexta, 02 Fevereiro 2018 13:05 Última modificação em Quarta, 07 Fevereiro 2018 12:55

Tio Sam descarta os curdos (mais uma vez)

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País: Curdistám / Direitos nacionais e imperialismo / Fonte: Resistir

[The Saker] O drama que se está a desdobrar no norte da Síria é realmente um caso quase ideal para avaliar plenamente quão fraco e totalmente disfuncional se tornou o Império Anglo-Sionista.

Vamos começar com uma rápida rememoração.

Os objectivos dos EUA-Israel na Síria eram realmente muito simples. Como já mencionei em artigo passado , o plano anglo-sionista inicial era derrubar Assad e substituí-lo com os Takifiri loucos (Daesh, al-Qaeda, al-Nusra, ISIS – chame-os como quiser). Fazer isto permitiria alcançar os seguintes objectivos:

1. Deitar abaixo um forte estado laico árabe bem como sua estrutura política, forças armadas e serviços de segurança.
2. Criar caos e horror totais na Síria justificando a criação de uma "zona de segurança" por Israel, não só no Golan mas também mais a norte.
3. Desencadear uma guerra civil no Líbano lançando os Takfiri dementes contra o Hezbollah.
4. Deixar os Takfiris e o Hezbollah sangrarem-se uns aos outros até à morte, criar então uma "zona de segurança" mas desta vez no Líbano.
5. Impedir a criação de um eixo xiita Irão-Iraque-Síria-Líbano.
6. Romper linhas étnicas e religiosas na Síria.
7. Criar um Curdistão que poderia então ser utilizado contra a Turquia, Síria, Iraque e Irão.
8. Tornar possível para Israel tornar-se o mediador incontestado no Médio Oriente e forçar o Reino da Arábia Saudita, Qatar, Oman, Kuwait e todos os outros a terem de ir a Israel para qualquer projecto de pipelines de gás ou petróleo.
9. Gradualmente isolar, ameaçar, subverter e finalmente atacar o Irão com uma vasta coligação de forças regionais.
10. Eliminar todo centro de poder xiita no Médio Oriente.

Com a intervenção militar conjunta russo-iraniana este plano entrou em colapso completo. Por algum tempo, os EUA tentaram fragmentar a Síria sob vários cenários, mas o modo como as Forças Aeroespaciais Russas martelaram todos os "bons terroristas" finalmente convenceu os anglo-sionistas de que isto não funcionaria.

O maior problema isolado para o Império é que apesar de ter grande quantidade de poder de fogo na região (e por todo o mundo), ele não pode mobilizar "botas sobre o terreno". Ser as botas do Império sobre o terreno era, de facto, o papel que os anglo-sionistas haviam assinalado aos Takfiris dementes (também conhecidos como Daeh/IS/ISIS/al-Qaeda/al-Nusra/etc), mas esse plano fracassou. Os únicos aliados dos EUA que restaram na região são Israel e Arábia Saudita. O problema com eles é que, tal como os próprios EUA, estes países não têm forças de terreno capazes de realmente posicionar-se no interior da Síria e enfrentar não só os militares sírios mas também as muito mais capazes forças iranianas e o Hezbollah. Assassinar civis é realmente a única coisa em que os israelenses e sauditas são peritos, pelo menos sobre o terreno (nos céus a Força Aérea Israelense é muito boa). Entram os curdos.

Os anglo-sionistas quiseram utilizar os curdos tal como a NATO utilizou o KLA no Kosovo: como uma força no terreno que podia ser apoiada pelos EUA/NATO e talvez mesmo pelo poder aéreo israelense. Ao contrário dos israelenses e sauditas, os curdos são uma força no terreno relativamente competente (embora não capaz de enfrentar, digamos, a Turquia ou o Irão).

Os sujeitos no Pentágono já tentaram algo semelhante no ano passado quando ensaiaram criar um Curdistão soberano no Iraque através de um referendo . Os iraquianos, com alguma provável ajuda do Irão, imediatamente puseram fim a esta insensatez e todo o exercício foi um fracasso patético.

Isso leva de imediato à questão óbvia: serão mesmo os americanos capazes de aprenderem com os seus erros? O que estariam eles a pensar quando anunciaram a criação de uma Força de Segurança da Fronteira Síria (Syrian Border Security Force, BSF) com 30 mil homens (o nome da mesma destina-se a dar a ilusão de que o plano era proteger a fronteira da Síria, não a sua partição)? O objectivo real era, como sempre, pressionar a Turquia, Irão, Iraque, Síria e Rússia e ao mesmo tempo tomar um bocado de petróleo. Como sempre com o Tio Shmuel, todo o plano não tinha autorização do Conselho de Segurança da ONU e era totalmente ilegal de acordo com o direito internacional (tal como a presença dos EUA no espaço aéreo e território da Síria, mas ninguém se importa mais com isso).

Será que Trump e os seus generais realmente pensaram que a Turquia, Irão, Síria e Rússia aceitariam um protectorado dos EUA na Síria mascarado como um "Curdistão independente" e não fariam nada acerca disto? Mais uma vez, e sei que isto soa como difícil de acreditar, penso que isto é outra forte indicação de que Império é dirigido por pessoas estúpidas e ignorantes cujo cérebro e educação simplesmente não lhes permite apreender mesmo as dinâmicas básicas da região do planeta em que estão a interferir.

Seja qual for o caso, os turcos reagiram exactamente como toda a gente esperava: o Chefe do Estado-Maior Turco saltou para um avião, voou para Moscovo, encontrou-se com generais russos de topo (incluindo o ministro da Defesa Shoigu) e obteve claramente um "vá em frente" de Moscovo: não só os aviões turcos a voarem sobre a província síria de Afrin não são desafiados pelos sistemas de defesa aérea russos (os quais têm ampla cobertura nesta região), como os russos também prestativamente retiraram seu pessoal militar da região para que não houvesse qualquer russo ferido. Sergei Lavrov deplorou tudo isto, como tinha de fazer, mas estava claro para todos que a Turquia tinha o apoio russo para esta operação. Eu acrescentaria que estou quase seguro de que os iranianos também foram consultados (talvez na mesma reunião em Moscovo?) para evitar qualquer mal entendido pois há pouco amor entre Ancara e Teerão.

E quanto aos curdos? Bem, como dizer isto de forma gentil? Vamos apenas dizer que aquilo que fizeram não foi muito inteligente. Isto para colocar as coisas de modo muito, muito suave. Os russos ofereceram-lhes um acordo de ouro: aceitarem grande autonomia na Síria, comparecerem ao Congresso do Diálogo Nacional a ter lugar em Sochi, apresentar o seu caso diante dos (sempre relutantes) sírios, iranianos e turcos e nós lhes daremos mesmo dinheiro para ajudar a desenvolver a sua produção de petróleo. Mas não, os curdos preferiram acreditar no ar quente vindo de Washington e quando os turcos atacaram isso foi tudo o que os curdos obtiveram de Washington: ar quente.

'. De facto, é perfeitamente claro que os americanos, mais uma vez, traíram um aliado: Tillerson agora deu "sinal verde" para uma zona de segurança de 30 km na Síria (como se alguém estivesse a pedir a sua opinião, muito menos permissão!). Examine-se este mapa simples da região de Afrin e veja-se o que são 50 milhas (cerca de 80 km). Pode-se ver de imediato o que significa esta "zona segura" de 30 km: o fim de quaisquer aspirações curdas para criar um pequeno Curdistão independente no norte da Síria.

Dizer que todos estes desenvolvimentos fizeram os russos felizes realmente não é um exagero. É especialmente doce para os russos verificar que nem mesmo tiveram de fazer grande coisa, que este vergonhoso desastre para os EUA foi inteiramente auto-infligido. O que pode ser mais doce do que isso?

Vamos olhar tudo isto do ponto de vista russo:

Primeiro, esta nova situação coloca a Turquia (um aliado dos EUA e membro da NATO) numa rota de colisão com os EUA/NATO/UE. E a Turquia não é "apenas" um aliado da NATO, como a Dinamarca ou a Itália. A Turquia é a chave para o Mediterrâneo oriental e todo o Médio Oriente. A Turquia também tem um enorme potencial para ser uma espinha penosa na "barriga" sul da Rússia de modo que e realmente crucial para esta manter o Tio Sam e os israelenses tão longe da Turquia quanto possível. Dito isto, ninguém na Rússia abriga quaisquer ilusões acerca da Turquia e/ou de Erdogan. A Turquia sempre será um vizinho problemático para a Rússia (os dois países já combateram 12 guerras!!!). Mas há uma grande diferença entre o "mau" e o "pior". Considerando que num passado não muito distante a Turquia derrubou um avião russo sobre a Síria, financiou, treinou e apoiou os "terroristas bons" na Síria, esteve profundamente envolvida no movimento separatista dos tártaros da Crimeia e foi a principal base de retaguarda dos terroristas wahabistas na Chechenia durante bem mais de uma década, "pior" no caso da Turquia pode ser muito, muito pior do que hoje é "mau".

Segundo, estes desenvolvimentos trouxeram claramente a Turquia para uma mais estreita dinâmica cooperativa com a Rússia e o Irão, algo que a Rússia muito deseja. A Turquia em si própria é muito mais um problema potencial do que uma Turquia em parceria com a Rússia e o Irão (idealmente com a Síria também, mas considerando a animosidade entre os dois países e os seus líderes isso é algo para o futuro distante, pelo menos por enquanto). O que está a perfilar-se uma aliança regional informal (mas muito real) russo-turca-iraniana contra o Eixo da Candura: EUA-Israel-Arábia Saudita. Se for isto que acontece, então esta última não tem possibilidade de prevalecer.

Terceiro, mesmo que os curdos estejam ultrajados e estejam agora a lamuriar-se quanto à "traição" russa – eles virão a perceber que é o que fizeram para si próprios e que a sua melhor possibilidade de liberdade e prosperidade é trabalhar com os russos. Isso significa que os russos serão capazes alcançar para os curdos o que os EUA não puderam alcançar. Ainda outro muito lindo benefício lateral para a Rússia.

Quarto, a Síria, o Irão e a Turquia agora percebem uma coisa simples: só a Rússia se posiciona entre eles e os loucos planos estado-unidenses-israelenses para a região. Na ausência da Rússia não há nada que impeça os anglo-sionistas de reacenderem os "terroristas bons" e os curdos e usarem-nos contra cada um deles.

De qualquer maneira, tendo os EUA e Israel dado um tiro na própria perna, observá-los a sangrar não é suficiente. Para realmente capitalizar sobre esta situação os russos precisam também de alcançar um certo número de objectivos:

Primeiro, precisam travar os turcos antes de isto tudo se tornar um conflito grande e arrastado. Ums vez que Tillerson deu "sinal verde" para uma "zona segura" de 30 km , provavelmente foi isto o que Erdogan disse a Trump ao telefone e que, em contrapartida, seria provável que os russos e os turcos consentissem. Assim, esperançosamente, isto não deveria ser demasiado difícil de alcançar.

Segundo, os russos precisam conversar com os curdos e oferecer-lhes outra vez o mesmo acordo: grande autonomia dentro da Síria em troca de paz e prosperidade. Os curdos não são exactamente as pessoas mais fáceis de conversar, mas uma vez que não há realmente outra opção, minha hipótese é de que, tão logo cessem de ter alucinações acerca de os EUA irem à guerra com a Turquia em seu benefício, terão de sentar-se e negociar o acordo. Igualmente, os russos terão de vender o mesmo acordo a Damasco o qual, francamente, não está em posição de rejeitá-lo.

Terceiro, a Rússia não tem o desejo nem os meios para tratar constantemente de violentos incêndios repentinos no Médio Oriente. Se o Império precisa desesperadamente de guerras para sobreviver, a Rússia precisa desesperadamente de paz. Em termos práticos isto significa que os russos devem trabalhar com os iranianos, os turcos, os sírios para assegurar um quadro de segurança regional que fosse garantido e, se necessário, imposto por todas as partes. E, sim, o próximo passo lógico será abordar Israel e a Arábia Saudita e dar-lhes garantias de segurança em troca das suas promessas de cessar de criar caos e guerras em proveito dos EUA. Sei, provavelmente receberei um bocado de críticas por dizer isto, mas "há" pessoas em Israel e, possivelmente, também na Arábia Saudita que também entendem a diferença entre "mau" e "pior". Atenção às minhas palavras: tão logo os israelenses e os sauditas percebam que o Tio Sam não pode fazer muito por eles, subitamente tornar-se-ão muito mais abertos a negociações significativas. Ainda assim, se estas mentes racionais serão suficientes para negociar com os ideólogos raivosos francamente não sei. Mas certamente vale a pena tentar.

Conclusão

A "estratégia" da administração Trump (estou a ser muito gentil aqui) é provocar tantos conflitos quanto possível em muitos lugares do nosso planeta. O Império prospera só sobre o caos e a violência. A resposta russa é exactamente o oposto: tentar o melhor que pode travar as guerras, desactivar conflitos e criar, se não a paz, pelo menos uma situação de não-violência. Dito simplesmente: a paz em qualquer lugar é o maior perigo para o Império Anglo-sionista cuja estrutura repousa em guerras eternas. O fracasso total e abjecto de todos os planos dos EUA para a Síria (dependendo de como se conta se estamos no "plano C" ou mesmo no "plano D") é um forte indicador de quão fraco e totalmente disfuncional se tornou o Império Anglo-sionista. Mas "fraco" é um termo relativo ao passo que "disfuncional" não implica "inofensivo". A actual falta de cérebros no topo, se bem que muito bons em certos aspectos , potencialmente é também muito perigosa. Estou particularmente preocupado quanto o que parece ser uma ausência total de militares reais (oficiais em contacto com a realidade) em torno do presidente. Recordam-se como o almirante Fallon certa vez referiu-se o general Petraeus como "um pequeno covarde beija-cus" ? Isto também se aplica a toda a gang de generais em torno de Trump – todos eles são a espécie de oficiais que Fallon, nas suas palavras, "odiaria". Quanto ao Estado, direi apenas isto: não espero muito de um homem que não pôde sequer tratar de Nikki Haley, sem falar de Erdogan.

Recordam de como os EUA incendiaram a Ucrânia para punir os russos por frustrarem o planeado ataque estado-unidense à Síria? Bem, a mesmíssima Ucrânia recentemente aprovou uma lei abolindo a "operação anti-terrorista" no Donbass e declarando a mesma como "território ocupado". Segundo a lei ucraniana, a Rússia agora é oficialmente um "estado agressor". Isto significa que os ukronazis agora rejeitaram basicamente os Acordos de Minsk e estão num estado de guerra quase aberta com a Rússia. As probabilidades de um ataque ukronazi em plena escala no Donbass agora são mais altas do que antes, especialmente antes ou durante a Copa do Mundo em Moscovo neste Verão (recordam Saakashvili?). Tendo sido ridicularizados (mais uma vez) com a sua Fronteira de Segurança na Síria, os americanos agora procurarão um lugar para se vingarem dos malvados russos e este lugar mais provavelmente será a Ucrânia. E podemos sempre contar com os israelenses para encontrar um pretexto para continuar a assassinar palestinos e bombardear a Síria. Quanto aos sauditas, eles parecem estar temporariamente ocupados a combaterem uns com os outros. Assim, a menos que o Império faça algo realmente louco, o único lugar onde pode revidar com pouca perda (para si próprio) é o Leste da Ucrânia. Os da Novorússia entendem isso. Possa Deus ajudá-los.

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