O presidente Donald Trump dos EUA foi a estrela previsível do show no Canadá. Chegou atrasado. Saiu mais cedo. Faltou a um desjejum de trabalho. Discordou de tudo e de todos. Fez uma "proclamação de livre comércio", pró nenhuma barreira e nenhuma tarifa, nenhuma, em lugar algum, depois de impor tarifas ao aço e ao alumínio contra Europa e Canadá. Propôs que a Rússia voltasse ao G8 (Putin mandou dizer que tem outras prioridades). Assinou o comunicado final, em seguida retirou a própria assinatura.
A atitude de 'estou-pouco-ligando-pra-
Os euros não gostaram e obrigaram Conte a seguir a posição oficial da União Europeia, como na política da chanceler Merkel da Alemanha: nada de readmitir a Rússia no G8, se Moscou não respeitar os acordos de Minsk. De fato, quem não está respeitando os acordos de Minsk não é a Rússia: é a Ucrânia; Trump e Conte estão plenamente alinhados com a Rússia.
Merkel, in extremis, propôs um "mecanismo partilhado de avaliação" –restando apenas duas semanas, para tentar diluir tensões comerciais que só fazem aumentar. Nem assim o governo Trump parece interessado.
Virada de jogo "estratégica"
Entrementes, em Qingdao, a abertura para não esquecer veio, como se podia prever, do presidente chinês Xi Jinping: "O presidente Putin e eu entendemos que a parceria estratégica ampla China-Rússia está madura, firme e estável."
É descomunal virada de jogo, porque oficialmente, pelo menos até agora, era só "parceria ampla". É a primeira vez que Xi destaca, oficialmente, o aspecto "estratégico". Outra vez, em palavras dele: "É o relacionamento de mais alto nível, mas profundo e estrategicamente mais significativo que se vê hoje entre grandes países do mundo."
E, como se o alcance ainda não fosse suficientemente amplo e profundo, a coisa é também pessoal. Xi, falando de Putin e dando talvez bom uso à bonomia que Trump dispensa aos líderes com os quais simpatiza, disse "É meu melhor amigo, meu amigo mais próximo."
Negócios pesados, como sempre, estavam na pauta. Os chineses são parceiros da gigante estatal russa de energia nuclear Rosatom para alcançar tecnologias nucleares avançadas e diversificar contratos de energia nuclear para além dos fornecedores ocidentais habituais. É o componente de aliança "estratégica" de energia, da parceria.
Em reunião trilateral Rússia-China-Mongólia, todos se comprometeram a tocar adiante a todo vapor o Corredor Econômico China-Mongólia-Rússia – uma das plataformas chaves das Novas Rotas da Seda, conhecidas como Iniciativa Cinturão e Estrada, ICE.
A Mongólia mais uma vez apresentou-se para ser um nodo de trânsito para o gás russo até a China, diversificando dos atuais gasodutos diretos da Gazprom, de Blagoveshchensk, Vladivostok e Altai. Segundo Putin, o gasoduto Via Leste [ing. Eastern Route] continua conforme o cronograma, bem como a usina de gás natural liquefeito (GNL) de 27 bilhões de EUA-dólares[1] em Yamal, financiada por empresas russas e chinesas.
Sobre o Ártico, Putin e Xi dedicam-se absolutamente ao desenvolvimento da Rota do Mar do Norte [ing. Northern Sea Route], incluindo a crucial modernização de portos de águas profundas como Murmansk e Arkhangelsk e investimento em infraestrutura. O carimbo geopolítico é autoevidente.
Putin disse semana passada que o comércio anual entre Moscou e Pequim logo alcançará 100 bilhões de EUA-dólares. Atualmente está em 86 bilhões de EUA-dólares. Agora, empresários russos já veem como possível e realizável a aventura de, até 2020, chegar aos 200 bilhões de EUA-dólares.
Todo esse frenesi de atividade já é abertamente descrito por Putin como efeito das interconexões entre a Iniciativa Cinturão e Estrada (ICE) e a União Econômica Eurasiana (UEE) liderada pela Rússia. Para nem falar interconectividade que une a própria Organização de Cooperação de Xangai (OCX) e ambas, ICE e UEE.
Putin disse ao canal CGTN da TV chinesa que, embora a OCX tivesse começado como organização "low-profile" [nos idos de 2001], que visava apenas a "resolver questões de fronteira" entre China, Rússia e repúblicas ex-soviéticas, já está hoje evoluindo para ser força global muito maior.
Paralelamente, segundo Yu Jianlong, secretário-geral da Câmara Chinesa de Comércio Internacional, a OCX já acumulou força coletiva extra para empurrar a expansão da ICE na direção de mais negócios em toda a Europa, Oriente Médio e África.
Não surpreende portanto que empresa das nações da Organização de Cooperação de Xangai estejam sendo agora "encorajadas" a usar as próprias respectivas moedas nos negócios entre elas, deixando de lado o EUA-dólar, e a construir plataformas de e-commerce, estilo Alibaba. Até aqui, Pequim já investiu 84 bilhões de EUA-dólares em outros membros da OCX, principalmente nos setores de energia, minérios, transporte (incluindo, por exemplo, a rodovia China-Quirguistão-Uzbequistão)
Putin também se reuniu com o presidente Hassan Rouhani do Irã, à margem da reunião da OCX, e prometeu, sem meias palavras, preservar o acordo nuclear iraniano, conhecido como JCPOA (ing.).
Atualmente, o Irã é estado observador na OCX. Putin reafirmou que deseja ter Teerã como membro-pleno. A Carta da OCX determina que "pode-se assegurar status de parceiro de diálogo a país que partilhe as metas e os princípios da OCX e deseje estabelecer relações baseadas em relacionamento igualitário e mutuamente proveitoso."
O Irã, já observador, satisfaz essa exigência. A pedra nesse caminho tranquilo é o minúsculo Tadjiquistão.
Entra em cena a notoriamente tormentosa política interna dos "-stões" da Ásia Central, nesse caso em torno do presidente tadjique Emomali Rahmon que aceitou vender 51% das ações do maior banco do Tadjiquistão à Arábia Saudita. Ninguém mais queria a venda. Riad estava claramente comprando influência.
Todos os membros plenos da OCX têm de ser aprovados por unanimidade de todos os demais membros. Mas a dificuldade não impedirá maior integração econômica entre Irã, Rússia e China. A conversa, nos corredores da OCX é que as empresas chinesas esperam bonança extra no mercado iraniano, depois que Trump retirou-se unilateralmente do acordo nuclear iraniano.
Em conversas, diplomatas disseram a Asia Times que a OCX também discutiu o plano crucial concebido pelo Grupo de Contato OCX-Afeganistão, um amplo processo de paz para toda a Ásia, pelo qual Rússia, China, Índia, Paquistão, Irã e Afeganistão tentam afinal pôr fim, sem interferência do ocidente, àquela tragédia que se arrasta há décadas.
Que tal um... G3?!
O "duelo das cúpulas" com certeza deu o tom. A reunião do G7 em La Malbaie representou a velha ordem disfuncional, dilacerada pelo caos em grande medida autoinfligido e a apoplexia ante a Ascensão do Oriente – da integração de ICE, UEE, OCX e BRICS, ao mercado de petróleo futuro em yuan com lastro-ouro.
Em contraste com a doutrina da dominação de pleno espectro de total superioridade militar, a cúpula reunida em Qingdao representou a nova onda. Implacavelmente criticada pela velha ordem como autocrática e carregada de "democraturas" dedicadas a "agressão", o que se vê é claramente a multipolaridade em operação, a intersecção de quatro grandes civilizações, um Café Eurasiano onde se discute que outro futuro – que não seja comandado pelo Partido da Guerra –, sim, claro, é possível.
Paralelo a tudo isso, diplomatas em Bruxelas confirmaram a Asia Times que circulam insistentes rumores de que Trump parece estar sonhando com um G3 constituído só de EUA, Rússia e China. Trump, como se sabe, admira pessoalmente a liderança de ambos, Putin e Xi, tanto quanto zomba do labirinto burocrático kafkeano que atende pelo nome de União Europeia e seus três M-gatinhos (Merkel, Macron, May).
Na Europa, ninguém dá sinais de ouvir conselhos bem informados, como os do economista belga Paul de Grauwe, que insiste em que Frankfurt e Berlin gerenciem uma dívida comum, sem a qual a União Europeia não sobreviverá às várias crises dos seus membros soberanos.
Trump, apesar de todas as inconsistências, parece ter compreendido que o G7 não passa de cúpula dos Mortos Vivos, que o coração da ação orbita em torno de China, Rússia e Índia – as quais, não por acaso, são o núcleo duro dos BRICS.
O problema é a estratégia de segurança nacional e a estratégia de defesa nacional dos EUA – que 'exigem' nada menos que Guerra Fria 2.0 contra ambas, China e Rússia, por toda a Eurásia. Quem piscará primeiro? Façam suas apostas.