Este princípio, responsibility to protect (R2P), tinha sido utilizado para legitimar a intervenção na Líbia pela secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, agora candidata presidencial democrata.
Há indícios de que os Estados Unidos estão a preparar uma intervenção militar «humanitária» na Eritreia utilizando pretextos idênticos aos que justificaram a agressão da NATO contra a Líbia em 2011.
À semelhança do que aconteceu no caso do país norte-africano, os EUA capturaram a máquina dos «direitos humanos» das Nações Unidas para invocar a «responsabilidade de proteger» os cidadãos eritreus de alegados abusos do próprio governo. Este princípio, responsibility to protect (R2P), tinha sido utilizado para legitimar a intervenção na Líbia pela secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, agora candidata presidencial democrata.
As mais recentes denúncias das manobras engendradas pelos EUA contra a Eritreia foram feitas através da Global Research, uma organização de pesquisa e informação com sede no Canadá. Um artigo da autoria de Glen Ford desmonta as falsidades retiradas do catálogo das mentiras imperiais.
Washington conseguiu que as Nações Unidas impusessem sanções à Eritreia, desde 2009, com o argumento de que Asmara concede «apoio político, financeiro e logístico» aos islamitas do Al-Shabaab, na Somália. Isto apesar de o governo laico eritreu se opor ao jihadismo islâmico de o Conselho dos Direitos Humanos da ONU ter reconhecido a inexistência de provas de tal ajuda.
Mais recentemente, um painel de três expertos onusinos acusou a Eritreia de ser um Estado fora-da-lei que cometeu «crimes contra a Humanidade», escravizou mais de 400 mil pessoas e foi conivente com assassínios, violações e actos de tortura. O presidente da comissão de inquérito da ONU sobre os direitos humanos na Eritreia, um certo Mark Smith, australiano, propôs que o governo eritreu seja julgado pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), com sede em Haia. Trata-se de um tribunal que, desde a sua criação, em 2002, tem perseguido dirigentes africanos – mas só aqueles que não alinham com os interesses imperialistas dos EUA.
Este pretexto «legalista» já fora utilizado em 2011, quando o Conselho de Segurança, liderado pelos EUA, Grã-Bretanha e França, acolheu acusações semelhantes contra a Líbia e pretendeu levar o caso ao TPI, numa altura em que a agressão militar contra o regime de Muammar Khaddafi estava já em marcha.
«A Cuba da África»
A actual campanha internacional de demonização da Eritreia, alimentada pelos EUA – explica Glen Ford no artigo – assenta em duas grandes mentiras.
A primeira, a da «escravização» da população. Trata-se, na verdade, de um serviço nacional que inclui não só deveres militares obrigatórios mas também trabalho cívico em obras públicas e nas áreas da saúde e educação. Muitos professores, por exemplo, são trabalhadores desse serviço nacional.
A outra falsidade da propaganda ocidental pretende fazer crer que a «opressão» na Eritreia é uma das principais causas das vagas de refugiados africanos na Europa. Não é credível que a Etiópia, com uma população de 90 milhões e um dos países mais pobres do mundo, o Sudão, com 40 milhões e várias guerras intestinas, ou a Somália, nação de 10 milhões sem Estado, provoquem menos refugiados do que a Eritreia... O que acontece, não por acaso, é que, sob pressão dos EUA, há políticas imigratórias europeias que favorecem os «exilados políticos» eritreus.
Situada na África Oriental, com cerca de mil quilómetros de costa no Mar Vermelho, a Eritreia é um pequeno país de seis milhões de habitantes. A maior parte da população – metade é islâmica, metade é cristã – vive da agricultura, pecuária e pesca. Há expectativas de exploração do petróleo mas a maior riqueza do país é a sua localização estratégica. Além disso, o governo de Asmara não aceita «ajudas» estrangeiras e rejeita as políticas do Fundo Mundial Monetário e do Banco Mundial.
Colonizada pela Itália desde finais do século XIX e, após a II Guerra Mundial, pela Grã-Bretanha, a Eritreia foi depois anexada pela Etiópia do imperador Hailé Selassié. A partir dos anos 60, um movimento guerrilheiro combateu durante três décadas pela independência, conquistada enfim em 1993. O líder da luta emancipalista foi Isaias Afwerki, o actual presidente da Eritreia, país que continua a ter más relações, incluindo conflitos fronteiriços, com a Etiópia, grande aliada dos EUA.
Não surpreende, pois, a sanha do imperialismo norte-americano contra a Eritreia, hoje um dos dois únicos estados do continente que não estabeleceram relações de cooperação com o Africom, o comando militar estado-unidense para a África. O outro recalcitrante é o Zimbabué, de Robert Mugabe. Os EUA mantêm Camp Lemonnier, a sua maior base militar africana, no Djibuti, vizinho da Eritreia, país a que alguns chamam «a Cuba da África».
* Jornalista
Este texto foi publicado no Avante nº 2.221 de 23 de junho de 2016.